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IMIGRANTES
2020 foi um ano mortal para os imigrantes, e não apenas pela Covid-19
James Dennis Hoff

As brutais políticas de imigração nos Estados Unidos e na Europa resultaram na morte de mais de 3200 imigrantes em 2020.

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No último dia 24, os corpos de mais de 20 refugiados tunisianos - incluindo pelo menos 4 mulheres grávidas - foram resgatados após o navio que os levava naufragar no Mar Mediterrâneo. Informou-se que o navio que se dirigia à ilha italiana de Lampedusa transportava até 45 passageiros, mas o que se sabe até agora é que apenas cinco pessoas sobreviveram ao naufrágio.

Como os mais de 10.000 tunisianos que tentaram chegar à Itália esse ano, esses refugiados fugiam da pobreza devastadora, das privações econômicas e de um brutal plano de austeridade imposto pelo FMI que vem provocando massivas ondas de imigração irregular desde 2011 para vários países europeus, como França, Itália e Alemanha. Dezenas de milhares de imigrantes líbios e africanos subsaarianos, que fugiam da pobreza e da violência, também utilizaram portos tunisianos ou tentaram chegar à Europa cruzando o Mediterrâneo; centenas morreram nessas tentativas.

Apesar da magnitude desta tragédia, o acidente que vitimou dezenas de pessoas nesse último dia 24 recebeu pouquíssima atenção nos principais meios de comunicação tanto dos Estados Unidos como da Europa, em parte porque tais eventos se tornaram muito comuns. Segundo o Projeto Migrantes Desaparecidos, mais de 1.100 refugiados morreram neste último ano buscando cruzar o Mar Mediterrâneo e, desde 2014, mais de 25.000 mortes foram atribuídas a tentativas de imigração irregular a partir do norte da África e da região subsaariana

A nível mundial, mais de 38.000 imigrantes morreram tentando cruzar fronteiras fechadas em busca de refúgio desde 2014, e a passagem de imigrantes aos Estados Unidos segue de perto o Mediterrâneo e a África no que diz respeito ao total de mortes durante esse mesmo período. Ainda que 2020 não tenha sido o ano mais mortal para os imigrantes e refugiados (2016 carrega esse recorde lamentável), as mortes registradas este ano são parte de uma tragédia em curso que não parece ter um final próximo.

Mortes intencionais

Tragédias como essas, porém, não são meros acidentes, mas sim produtos diretos e, frequentemente, intencionais dos duros aparatos de imigração da União Europeia e de países imperialistas como Estados Unidos. Enquanto mantém, em grande medida, a liberdade de circulação de cidadãos europeus, a UE tem estabelecido fortes restrições aos imigrantes de além de suas fronteiras. Isto resultou em um enorme sistema de controle de fronteiras europeu, complexo e altamente militarizado que vem sendo chamado pelos críticos de “fortaleza europeia”.

Desde o Mediterrâneo até o mar Báltico e em todos os portos no meio do caminho, a segurança e vigilância contra a imigração irregular aumentou de maneira constante desde a fundação da UE, e ainda mais desde a chamada “crise migratória”, que teve início em meados da última década e foi provocada em grande parte pelas consequências políticas, econômicas e ambientais das interferências europeia e estadunidense no Oriente Médio.

Este aparato estabeleceu uma maior vigilância militar, em particular, no Mediterrâneo e o uso de centros de detenção na Grécia, onde se encontram atualmente mais de 42.000 imigrantes detidos. Estes “acampamentos”, construídos originalmente para abrigar menos de 6.000 imigrantes, estão extremamente superlotados. Os refugiados estão expostos à infecção por coronavírus e, talvez o pior de tudo, a muitos se nega a oportunidade de apresentar solicitações de asilo ou status de refugiado, uma violação clara do estabelecido na Convenção de Genebra e da própria Convenção da União Europeia sobre os direitos humanos; mas a mais nefasta política da UE para barrar a imigração irregular tem sido “terceirizar” a vigilância das fronteiras aos países dos quais - ou através dos quais - muitos imigrantes tentam chegar à Europa.

Com efeito, a UE tem chegado a acordos com Turquia e Líbia para que atuem como repressores brutais contra os imigrantes que tentam chegar à Europa. A guarda costeira líbia, por exemplo, recebeu mais de 90 milhões de euros da UE desde 2017 para evitar que os imigrantes cruzem o Mediterrâneo, e os centros de detenção líbios tornaram-se famosos por sua crueldade, condições miseráveis, exploração e casos de abusos sexual. Na Turquia, que atua como “guardiã” da imigração europeia desde muitos anos, o governo de Recep Tayyip Erdogan utiliza a questão da imigração para obter apoio europeu em suas incursões no norte da Síria, inclusive quando envia imigrantes detidos e suas famílias de volta para zonas de guerra para que morram sem a oportunidade de apresentar seus pedidos de asilo.

Entretanto, a zona de fronteira entre Estados Unidos e México segue sendo um dos locais de entrada de imigrantes mais letais do mundo, sendo superado, talvez, pelo próprio Mediterrâneo. Desde 2014, mais de 2.500 pessoas morreram tentando chegar aos Estados Unidos, principalmente a partir da América Latina e Caribe, e 2020 foi o terceiro ano com mais mortes nessa zona de fronteiras, apesar da ameaça contínua e perturbação econômica causadas pelo coronavírus. Dezenas de milhares de imigrantes, inclusive milhares de crianças, permanecem encarcerados em centros de detenção para imigrantes em condições insalubres e sujeitos a todo tipo de violência, assim como nos centros de detenção europeus.

Os Estados Unidos também terceirizaram grande parte de sua política repressiva migratória a outros países, principalmente o México. A partir de 2018, o chamado presidente “progressista” mexicano, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) firmou um acordo com o presidente estadunidense Donald Trump pelo qual a recém criada guarda nacional mexicana seria responsável por vigiar, caputar e deter, principalmente, os centro-americanos e imigrantes caribenhos que tentem ingressar aos Estados Unidos através das fronteiras com o México. Desde estabelecido o acordo, o México já deportou mais de 100.000 imigrantes e candidatos a asilo, muitos dos quais fogem de agitações econômicas e políticas que, frequentemente, são resultado do imperialismo estadunidense ou da interferência direta, como a tentativa frustrada de golpe na Venezuela e do golpe consumado na Bolívia, junto aos setores mais conservadores da direita boliviana.

Apesar dos esforços repressivos da UE e dos Estados Unidos para frear esses processos migratórios, o número de refugiados desesperados dispostos a correr os riscos de cruzar as fronteiras só tem aumentado.O maior efeito dessas políticas não foi o de reduzir a imigração ilegal, mas sim fazer com que o processo de imigração seja mais problemático, perigoso, humilhante para as centenas de milhares de pessoas que buscam adentrar nesses países todos os anos. Ao mesmo tempo, as constantes ameaças de deportação caso consigam chegar em seus objetivos, mantém muitos trabalhadores em um constante estado de precariedade que acelera as engrenagens da exploração capitalista. Estas políticas estão projetadas, em parte, para desencorajar novas ondas migratórias, mas também para tranquilizar os populistas de direita que se utilizam dos imigrantes e da imigração como bode expiatório da crescente incapacidade do capitalismo em satisfazer as necessidades mais básicas de setores cada vez mais amplos da população.

Divisão de Classe

As políticas da “fortaleza europeia” e a contínua militarização da fronteira estadunidense são - como qualquer estudioso da política contemporânea dirá - impulsionadas em grande medida por um crescente e cada vez mais poderoso populismo de direita, que intrínsicamente anti-imigrante. Donald Trump e Boris Johnson, por exemplo, têm se beneficiado e vêm adicionando combustível no crescente sentimento anti-imigrantes nos Estados Unidos e Reino Unido, respectivamente, e suas ideias têm encontrado simpatizantes tanto entre a classe média pequeno burguesa como em setores de trabalhadores comuns.

Isso é apenas uma parte da história; o sentimento anti-imigrante existe há décadas e a militarização da fronteira dos Estado Unidos foi e ainda é um assunto muito popular entre republicanos e democratas. Inclusive hoje em dia o apoio às fronteiras militarizadas e às duras leis de imigração segue sendo muito forte entre os liberais e à chamada esquerda. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente eleito Joe Biden, temendo o que poderia ser uma onda de milhões na fronteira sudoeste do país, agora vem retrocedendo em seu discurso com relação às promessas de campanha de revogar imediatamente as horríveis políticas migratórias de seu antecessor Donald Trump que deixou paralisado centenas de milhares de pedidos de asilo no México. Na Europa, inclusive os líderes de partidos supostamente de esquerda, como o alemão Die Linke, sentiram-se “obrigados” a adotar uma plataforma anti-imigrante para atrair os votos insatisfeitos da classe trabalhadora.

Esta nova onda de sentimentos xenófobos contra os imigrantes que assola a Europa e os Estados Unidos pode até estar sendo impulsionada por políticas e políticos populistas e nacionalistas, mas suas raízes se encontram nas crises econômicas e políticas em curso do neoliberalismo global, que empobreceu como um todo a classe trabalhadora do mundo desenvolvido, rebaixando seus níveis de vida e criando desigualdades crescentes que deixaram pra trás um número cada vez maior de trabalhadores. A corrida pelos lucros através da globalização, da precarização, das terceirizações, combinadas com décadas de austeridade estatal, resultaram em milhões de trabalhadores sem acesso a trabalhos estáveis e bem remunerados, atenção médica, nem educação e moradia acessíveis. Em tais situações, tomar os imigrantes como bode expiatório culpando-os pelas reduções salariais ou como ameaças aos programas de bem-estar social - estes últimos já extremamente reduzidos - tem sido uma forma fácil para que os líderes políticos e a classe capitalista se eximam da responsabilidade pelos fracassos e contradições do sistema capitalista que tanto os beneficia.

Mas os imigrantes não são nenhuma ameaça aos trabalhadores da Europa ou dos Estados Unidos. De fato, a militarização das fronteiras, a contínua criminalização da imigração irregular e a própria classificação dos seres humanos em “legais” ou “ilegais”, cidadãos ou não cidadãos, apenas divide a classe de forma que torna o poder dos trabalhadores mais débil e menos capaz para lutar contra o capital e o estado burguês.

Em vez de apoiar políticas anti-imigrantes, todo o povo trabalhador, inclusive os imigrantes da classe trabalhadora, primeiro devem reconhecer os interesses comuns a todos e adotar um programa que os una, não que os divida. Com esse objetivo, devemos lutar pela desmilitarização das fronteiras, pelo fechamento de todos os centros de detenção, pelo fim de todas as deportações, por direitos legais e democráticos plenos para todos os imigrantes, pela permissão de todos os imigrantes e candidatos a asilados e pelo fim de todas as intervenções imperialistas na América Latina, África, Oriente Médio ou onde quer que seja.

As mortes no Mediterrâneo e na fronteira dos Estados Unidos em 2020 são uma tragédia, mas foram mortes evitáveis. As pessoas que morreram eram trabalhadoras e trabalhadores desesperados, vítimas de um sistema baseado nos lucros que utiliza o estado como instrumento para impor a exploração e limitar a cooperação entre o proletariado internacional. Colocar fim a essas mortes requer o fim de todo o sistema capitalista tal como o conhecemos, mas para fazê-lo os trabalhadores também devem colocar um fim ao imperialismo, ao nacionalismo e a todas as fronteiras que nos separam.

Artigo originalmente publicado no Left Voice dos Estados Unidos, do qual é parte a rede internacional de diários Esquerda Diário.

 
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