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PANDEMIA FILAS CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
A via sacra das filas quilométricas na caixa Econômica federal
Kleiton Nogueira
Doutorando em Ciências Sociais (PPGCS-UFCG)

O risco de se expor à pandemia nas filas quilométrcias da Caixa Econômica Federal .

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O dia estava nublado, eram quatro horas da manhã quando acordamos. Eu e minha mãe tínhamos planejado ir à Caixa Econômica Federal resolver pendências do aplicativo Caixa Tem, meio pelo qual ela recebe o salário, ou melhor, recebia, já que devido a problemas, há dois meses não conseguia ter o salário creditado pelo aplicativo. Apesar de ser bem cedo, chegamos às cinco da manhã na Agência, que fica no centro da cidade. De início, percebemos uma fila quilométrica, e embora isso tivesse nos assustado de início, fomos ao final da fila.

O grande problema dessa questão é que, do ponto de vista formal, o governo e as instituições públicas, em conjunto com a grande mídia nos pedem para ficar em casa ou mantermos distanciamento social. Contudo, é impossível manter essas precauções diante de milhares de pessoas que precisam sair de suas casas cedo, e até dormir no local para poderem resolver pendências burocráticas. Embora minha mãe não fosse receber o auxílio emergencial, observamos que as maiorias das pessoas nas filas estavam ali para sacar o auxílio emergencial. Havia crianças, idosos visivelmente enfermos e jovens, todos aglomerados. E ainda que chegássemos cedo, a Caixa só inicia o funcionamento às oito horas da manhã, e quando mais esperávamos, mais pessoas chegavam, formando assim um aglomerado de humanos.

Ao iniciar a distribuição das fichas (recordo que ficamos com a ficha número 246), pude observar o pouco número de funcionários para o atendimento. Num determinado momento, os seguranças da Agência estavam desempenhando funções que deveriam ser realizadas por funcionários da Caixa. Nesse sentido, a entrada na Agência da caixa implica apenas no primeiro estágio da via sacra, posteriormente, há vários estágios de filtragem e análise de documentos. E para a minha surpresa e de minha mãe, inicialmente eu não pude acompanhá-la, o que a deixou em estado de pânico. Sendo analfabeta, a necessidade de ter alguém por perto para explicar e fazer encaminhamentos se torna algo que apenas quem passa por esse tipo de situação pode compreender. Mesmo assim, com o impedimento da minha entrada na Agência, ela foi atendida inicialmente para o enfrentamento de outra fila gigantesca no interior do prédio.

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Contudo, finalmente consegui entrar na Agência, ao explicar bem a situação ao segurança, que apesar de reprovar, deixou que eu acompanhasse minha mãe nessa caminhada dantesca. O fato é que, nitidamente a Caixa Econômica Federal, com essas filas homéricas, acaba sendo um foco de proliferação de Covid-19. Mesmo tomando todos os cuidados, o nível de aglomeração é bastante alto, e não há um isolamento mínimo devido à quantidade de pessoas. O nível de disfunção burocrática é gigantesco, tem-se um aplicativo que na verdade não resolve muita coisa, e não há um canal de atendimento online que permite a resolução de problemas de forma objetiva e prática.

Mesmo após sete horas enfrentando filas e mais filas, não conseguimos resolver nosso problemas, necessitando retornar para mais uma via sacra e passar por todo o processo. Desse modo, ir numa fila, se aglomerar em um período de pandemia é de uma lógica que no final apenas reforça para o crescimento da infecção e possível saturação do sistema de saúde devido à necessidade de mais internações. Esse quadro aprofunda por si só o atendimento no Sistema Único de Saúde brasileiro, tendo em vista os ataques de mais de quarenta anos de neoliberalismo sobre as políticas públicas no Brasil.

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Essa realidade me fez refletir o quanto à teoria marxista é atual, porque ela é prática e ativa. Não é um simples olhar estéreo ou um discurso sobre a realidade com a finalidade de uma escrita ou publicação. Pelo contrário, é pulsante porque advém da análise de elementos que enfrentamos no cotidiano, da exploração capitalista e da luta de classes. Pude observar essa realidade em cada trabalhador, trabalhadora e pessoa desempregada que estava naquela fila, numa mistura de raiva, revolta e leitura da realidade de modo genuíno, que consegue entender que o fato de estarem numa fila, sob condições precárias, possui culpa em alguma instância da realidade social. Muitos acusavam o governo, e com razão, os mais de 180.000 mortes pela Covid-19 no Brasil e o descaso do Governo Bolsonaro é nítido. Mas, além disso, cabe destacar que a Caixa Econômica Federal passa por um processo de sucateamento há tempos. Esse sucateamento implica de forma lógica, na qualidade de atendimento, que muitos procuram usar como argumento para privatização.

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Embora a materialidade da vida seja mais forte do que qualquer discurso que venhamos a proferir, essa mesma materialidade nos evidencia como a classe trabalhadora é tratada pelas empresas privadas, um rápido exemplo dessa situação foi o descaso no Norte do país, com o apagão no Amapá, que coloca em contradição a própria lógica privatista.

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Tais fatores nos colocam a necessidade de pensarmos a superação do capitalismo no intuito de colocarmos em debate o controle operário sobre todos os bens e serviços produzidos na sociedade. Um Estado operário, orientado pela necessidade das pessoas e não pelo lucro só é possível com a plena independência de classe, para que seja possível, por exemplo, que enfrentemos os problemas de nosso tempo de modo mais racional e objetivo, processo que de forma alguma vem sendo realizado com a pandemia de Covid-19. O que temos observado é uma corrida por lucros perpetrada pela corrida por vacinas que nem todos terão acesso.

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As filas dos bancos demonstram a debilidade do capitalismo em enfrentar os problemas e prover a humanidade dos elementos mais básicos como saúde, alimentação, educação e moradia, recursos hoje que são considerados de luxo para a maioria da população. No caso dos bancos, o pleno controle e gestão operária sem dúvida alguma resolveriam o problema das filas gigantescas, até porque a própria lógica de um Estado Operário conduziria a pandemia de modo superiormente eficiente, com a concentração de energias em atender as reais necessidades das pessoas. É nesse sentido que mais uma vez tenho a clareza de que o Brasil e o mundo necessitam de uma saída revolucionária, que não seja eleitoreira como muitos partidos da ordem o são, e que de fato coloque os interesses da classe trabalhadora à frente dos processos de luta de classes, com total autonomia de classe e prezando por táticas e uma estratégia revolucionária. Cair no engodo reformista e conciliatório como o que assistimos com o PT, pra mim, seria apenas endossar a degradação da vida como temos assistido nessa pandemia.

 
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