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Começa a era Biden
Claudia Cinatti
Buenos Aires | @ClaudiaCinatti

Depois de um interregno breve, mas intenso, os Estados Unidos oficialmente têm um novo governo em formação. O republicano Donald Trump não admitiu sua derrota, mas já deu sinal verde para que Joe Biden inicie a “transição”.

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Na potência norte-americana, a mudança de mandato não é uma formalidade simbólica, nem se reduz a uma mera mudança do pessoal político – neste caso, saem os republicanos e entram os democratas. Implica colocar de pé uma burocracia especialmente criada em 1949 para esse fim – General Service Administration – com uma média de 12 mil empregados e um orçamento de 21 milhões de dólares que, entre outras coisas, facilita a transferência de “informação sensível” para a segurança e os interesses do imperialismo.

Trump ainda sustenta que houve fraude generalizada em particular nos swing states, e que roubaram as eleições, mas acabou abandonando a tentativa de reverter o resultado quando viu que não levaria a lugar nenhum e não lhe favoreceria.

As cortes de diversos estados negaram cada uma das apresentações pela suposta fraude. Os grandes capitalistas, entre eles muitos que aportaram para sua campanha, lhe agradeceram os serviços prestados, – as desregulações, a suspensão de impostos e toda a confusão de Wall Street – mas avisaram a Trump que seu tempo havia acabado. Talvez o último empurrão para empreender a retirada tenha sido a carta assinada por 166 CEOs das principais multinacionais, bancos e representantes do capital financeiro (General Motors, Mastercard, Goldman Sachs, etc.) publicada no dia 23 de novembro. A carta da América corporativa é bastante categórica. Segundo o grande empresariado, Trump com sua resistência obcecada, estava colocando em risco a segurança norte-americana, e em nome do interesse nacional exigiam o início imediato da transição para o governo Biden-Harris. Para aumentar a pressão, alguns burgueses republicanos ameaçaram retirar o financiamento para as campanhas dos dois senadores do estado da Geórgia que vão tentar reeleição em janeiro e que definirão em última instância quem terá a maioria na Câmara.

A relação entre a carta dos CEOs e o tweet de Trump habilitando a transição é praticamente de causa-efeito linear.

Sem fatores de poder decisivos nem setores significativos do aparato estatal-militar dispostos a bancar a batalha, a resistência de Trump teve muito de aventura tragicômica. A última conferência de imprensa da campanha republicana poderia ter sido um curta-metragem de cinema bizarro. Um desengoçado Rudy Giuliani (o advogado de Trump e amigo de Sergio Massa) agitava diante das mídias que Biden tinha ganhado “com dinheiro do comunismo, de Cuba, Venezuela, China e… George Soros”, enquanto um estranho suor negro escorria pelo seu rosto. Até agora os estilistas de Nova York discutem na mídia se era ou não um produto de uma tintura mal feita. Uma metáfora da crise orgânica.

Para a grande burguesia e o establishment norte-americanos, Trump por agora é história.

Desde segunda-feira, 23, quando Trump deu sinal verde de iniciar o mecanismo, os tempos se aceleraram. Em dois dias houve mais de 20 reuniões entre as equipes da administração sainte e a entrante. Biden apresentou para a sociedade os primeiros membros de seu futuro governo. Como era de se esperar, não há representantes da “ala esquerda” do Partido Democrata. Nem Sanders (que ainda aspira algum posto no Trabalho), nem Elizabeth Warren estão na nominata e ainda que faltem cargos para preencher, é pouco provável que sejam integrados na administração Biden. O perfil do gabinete é 100% establishment imperialista com um verniz de “diversidade”. Os postos chave estarão ocupados por ex-funcionários de Obama (alguns vêm dos governos de Clinton), o que está de acordo com a promessa de “restauração” de um status quo pré Trump e pré mobilizações de massas contra a violência policial e o racismo, que Biden assumiu diante da classe dominante. “Nada fundamental vai mudar”, disse em um jantar com multimilionários durante a campanha. Entretanto, parece difícil que possa ter um “terceiro governo” de Obama no marco da recessão pandêmica que poderia trazer consigo uma nova crise da dívida de economias emergentes, o conflito social interno, – latente ou manifestante – as crescentes tensões geopolíticas, etc.

As designações mais relevantes até agora são as de Antony Blinken como Secretário de Estado e Janet Yellen como Secretária do Tesouro – será a primeira mulher a ocupar o cargo, o que demonstra o atraso patriarcal da principal potência imperialista. Falta ainda divulgar quem será o Chefe do Pentágono.
Wall Street deu as boas vindas ao governo de “Sleepy Joe” com uma jornada alcista que bateu recordes. Além do êxito das vacinas contra a Covid-19, um dos motivos centrais do tumulto bursátil foi terem nomeado Janet Yellen. A ex-presidenta da Fed durante o último governo de Obama, está indissoluvelmente associada com a recuperação da Grande Recessão de 2008, o resgate estatal de bancos e corporações e com as políticas de estímulo (quantitave easing) que beneficiaram a estes mesmos setores, ainda que alguns tentem apresentá-la como “keynesiana”. Com Yellen a frente do Tesouro, os grandes capitalistas esperam pacotes de estímulo fiscal generosos. Baseiam suas expectativas não somente no passado, mas também nas posições públicas de Yellen a favor de novos estímulos estatais para superar a crise produzida pelo coronavírus.

Biden concentrou o gesto anti-trumpista na política exterior. Junto com suas definições gerais - “Os Estados Unidos estão prontos para liderar o mundo, não para se retirar”, disse em seu primeiro discurso como presidente em transição - ao nomear Antony Blinken iludiu os nostálgicos da “ordem (neo)liberal” dirigida “hegemonicamente” pelo imperialismo norte-americano. Blinken está identificado com os chamados “internacionalistas” (intervencionistas), partidário de restabelecer as alianças tradicionais dos Estados Unidos com a União Europeia (erodida com a política hostil de Trump), promotor de organismos multilaterais, como a OTAN e defensor do multilateralismo como estratégia para abaixar o nível de exposição e não lidar sozinho com os múltiplos desafios à liderança dos Estados Unidos depois das derrotas do Iraque e Afeganistão.

Provavelmente as primeiras ações internacionais de Biden estão destinadas a serem espetáculos de alto impacto simbólico, mas de duvidoso conteúdo, como retornar ao acordo climático de Paris (com John Kerry) ou anunciar a volta ao acordo com Irã.
Os aliados dos Estados Unidos, da União Europeia, da imprensa liberal (no sentido estadounidense do termo), dos governos da Centro-esquerda burguesa e dos que não se alinharam com Trump da América Latina, celebram esta variante supostamente “friendly” da política imperialista. A ilusão é dupla.

Primeiro porque não há normalidade pré-trumpista a que se retornar. É possível que o slogan “American First” desapareça da retórica da Casa Branca, mas a “globalização harmoniosa” em que os aliados e sócios trabalhavam para sustentar a liderança norte-americana e se beneficiavam, é coisa do passado. Justamente o esgotamento da hegemonia globalizadora, destacado com a crise de 2008 é o que explica em parte o ressurgimento das tendências nacionalistas expressas em fenômenos como o trumpismo ou o Brexit. A contradição estrutural entre a decadência imperial dos Estados Unidos e a ascensão da China veio para ficar. Por isso mesmo, a necessidade de conter e atrasar a ascensão da China é uma política de estado, ainda que haja diferenças táticas em como fazê-lo: com guerras comerciais e tarifas como declarou Trump ou com a construção de alianças como o Tratado Transpacífico que permitia isolar a China, como tentou Obama com o chamado “pivô asiático” e que Biden provavelmente irá retomar.

Segundo porque há uma idealização interessada da política exterior dos Estados Unidos com Obama, em particular pelo acordo nuclear com Irã ou a política de “esfriamento” com Cuba. Com os governos de Obama, a “diplomacia” e o “multilateralismo” foram o complemento do intervencionismo e o guerrerismo, que se expressou não só na continuidade das guerras do Iraque e Afeganistão, mas também na ingerência na Líbia e Síria, na hostilidade com a Rússia, e em uma mudança na estratégia militar que passou a priorizar as “operações encobertas” e a utilização de aviões não pilotados e drones para diminuir as baixas em guerras altamente impopulares.

A política de Trump de questionar Biden e todo o processo eleitoral terá efeitos colaterais na governabilidade burguesa e isso terá que se ver com qual profundidade. Para pensar a magnitude do problema, convém recordar que segundo os últimos dados, Trump perdeu o colégio eleitoral e o voto popular, mas fez uma eleição histórica, com quase 74 milhões de votos (em 2016 teve cerca de 60 milhões), contra 80 milhões de Biden. Segundo uma pesquisa recente, cerca de 88% dos votantes de Trump segue acreditando que o triunfo de Biden é ilegítimo e 89% assegura que houve fraude, enquanto 43% acha que recontar os votos pode mudar o resultado eleitoral.

 
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