Com candidatos da direita e da extrema-direita como Covas, Russomanno, França e Arthur do Val - representantes de atores do regime do golpe como Bolsonaro e Doria - todos esses ferrenhos defensores do regime jurídico e político que serve para reprimir a maioria da população, é fundamental o debate sobre o posicionamento das candidaturas que se reivindicam da esquerda, especialmente nesses temas que são vitais para a luta dos movimentos sociais e da classe trabalhadora.
Na entrevista da Bandeirantes nessa segunda-feira, 9, Boulos foi incisivamente questionado pelos jornalistas acerca de suas posturas em relação às ocupações por moradia, já que o candidato se tornou uma figura conhecida justamente por seu papel dirigente no Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
No entanto, a cada entrevista que a mídia patronal pressiona Boulos perguntando ao candidato se ele vai governar para os trabalhadores e explorados ou se vai seguir as leis feitas para garantir a propriedade privada, vai ficando mais claro quais são a contradições de seu projeto. Literalmente a pergunta feita pelo entrevistador e a resposta do entrevistado foi:
Entrevistador: "(...) muitas dessas invasões foram alvo de decisões judiciais que determinaram à Polícia Militar a retirada dessas pessoas desses prédios públicos. Guilherme Boulos, prefeito de São Paulo, vai respeitar decisão judicial?"
Boulos: "Pedro, meu caro, um prefeito não tem nem a possibilidade de não cumprir uma decisão judicial. (...)"
Depois de ter feito o absurdo de sentar para assumir “compromissos” com os grandes patrões do comércio de São Paulo, como discutir parcerias com o setor privado, respeitar os limites do orçamento e não encerrar prontamente convênios da prefeitura com a PM, agora Guilherme Boulos reafirmou posições inaceitáveis para uma candidatura que diz defender os mais pobres, e aprofundou não apenas compromissos de respeito ao regime que serve para nos manter na miséria para garantir os lucros dos que nos pisoteiam e exploram, mas inclusive demonstrou que irá seguir à risca, como prefeito, as leis e o sistema judiciário que servem essencialmente à repressão aos que lutam.
As respostas de Boulos são problemáticas, e deveriam levar à reflexão todos aqueles que apoiam a luta por moradia digna: ao ser indagado se como prefeito ele respeitaria decisões judiciais que determinam a repressão violenta, com o uso da força da polícia militar, contra ocupações de prédios abandonados por movimentos sociais, o que Boulos respondeu foi: “Um prefeito não tem nem a possibilidade, você sabe muito bem disso, de não cumprir uma decisão judicial”. Com isso, deixou claro que ao vencer a eleição ele se comportaria como um prefeito comum, e que “obrigado pela lei”, não poderia impedir a repressão. Isto concretiza muito claramente o que Boulos quis dizer quando participou do debate com a patronal do comércio e disse que “a função e o perfil que se passa como liderança no movimento social é uma, como candidato a prefeito é outra”.
Como argumento para justificar essa posição inaceitável de se disciplinar a lei que reprimi os trabalhadores sem-teto, Boulos diz que a prefeitura irá “se antecipar” garantindo moradia, o que ele sabe muito bem que, tal qual as ordens judiciais de repressão policial, é algo que está amarrado pela mesma lei, pela Câmara de vereadores, pelo mesmo regime político e jurídico. E ainda por cima em meio ao bolsonarismo, com um regime cada vez mais autoritário e reacionário.
Para contornar a resposta dos jornalistas, Boulos utiliza de argumentos retóricos que não tem correspondência com a realidade. Para dizer que não seria necessário haver reintegração de posse, diz que terá uma política de moradia tão ousada que não haveria mais o problema de moradia em São Paulo.
Os jornalistas dessa rádio reacionária insistem. Pode parecer que é só porque querem que Boulos se mostre de esquerda e perca votos entre seus ouvintes. Mas não é só: também ficam muito contentes que faça o contrário, que não haja uma candidatura defendendo a necessidade da mobilização popular, e que Boulos declare seu comprometimento com o regime e o papel de prefeito, inclusive quando receber ordem judicial para reprimir. Por isso insistem, e perguntam se ele, eleito prefeito, apoiaria movimentos de ocupação. Agora a pergunta já não envolve obrigações legais. Mesmo assim Boulos se nega a responder afirmativamente, e diz que “no nosso governo vai ter uma política habitacional ousada, pra garantir que as pessoas tenham casa, e por isso o tema das ocupações não vai ter relevância”, que não haveria mais ocupações porque não haveria necessidade desse movimento.
Não é difícil ver que uma cidade com quase 13 milhões de habitantes, e com um problema de moradia histórico e estrutural, esse grave problema não se resolveria em poucos anos, a partir das medidas adotadas por uma prefeitura “estrangulada” por vários mecanismos que controlam o orçamento e as ações, como a lei de responsabilidade fiscal, que a candidatura ao executivo do PSOL não questiona em seu programa.
Acreditar que bastaria Boulos assumir a prefeitura que o problema estaria resolvido, é uma ilusão completa. Mais ainda no contexto de crise econômica, pandemia, e um governo federal controlado por militares e a extrema-direita. A busca de vender a ideia de que a luta organizada pode ser substituída por um prefeito com boas intenções e um plano de habitação ousado é uma das ideias mais destrutivas para os movimentos sociais e dos trabalhadores. Enquanto todos os atores do regime do golpe estão anunciando que farão novos ataques, como a reforma administrativa, a PEC emergencial e as privatizações, Boulos defende que a luta seria substituída por suas ações executivas.
É nesse mesmo sentido que vão as reiteradas afirmações de Boulos sobre reforçar a GCM, compromisso que assumiu num encontro com representantes dos Guardas Municipais, dizendo que irá contratar dois mil novos agentes e afirmando que sua função será a de fazer “ronda ostensiva” em lugares perigosos. Se por um lado Boulos diz que para as ocupações que recebam intimações de reintegração de posse, não há nada que se possa fazer a não ser respeitar a ordem de reprimir, por outro ele propõe reforçar a instituição policial municipal que reprime pessoas em situação de rua, usuários de drogas e vendedores ambulante, querendo ainda que ela faça um policiamento ostensivo.
Novamente vende a ilusão de que suas “orientações de prefeito” para a guarda mudariam o papel dela, sendo que sabemos do caráter policial de instituições como essa que tem como objetivo a repressão da população trabalhadora, o que mais que uma ingênua utopia, termina sendo mais um aceno de Boulos de uma "prefeitura responsável" com esse regime.
Também é alarmante a forma como reiteradamente Boulos se compromete a não aumentar impostos, e nessa entrevista afirmou que endossa o balanço feito por Erundina de que o seu erro foi ter aumentado impostos – sendo que não fala uma palavra sobre a atitude da então prefeita petista de demitir centenas de motoristas e cobradores da CMTC, a extinta empresa de transportes públicos cuja greve Erundina reprimiu.
Aqui é importante ressaltar que não estamos falando de impostos aos trabalhadores, mas de um compromisso que Boulos assume, mais uma vez, em não avançar um centímetro sobre a propriedade dos grandes capitalistas. A taxação das grandes fortunas é uma medida elementar para fazer o peso da crise recair sobre os ombros dos mais ricos e garantir que haja verbas para atender as necessidades dos trabalhadores e do povo pobre – como a garantia de moradia, por exemplo.
Assim, vemos que o programa e o discurso de Boulos, conforme ele avança nas pesquisas, se tornam cada vez mais moldados para vender a ideia de que é possível conciliar os interesses dos capitalistas e os dos trabalhadores, os dos bilionários especuladores e os do povo pobre, de governar respeitando o judiciário golpista até em suas ordens de repressão e humanizar a polícia fazendo com que os movimentos sociais sejam “desnecessários” por meio de políticas audazes que seriam negociadas com um parlamento cheio de bolsonaristas e vereadores privilegiados, em meio a um regime fundado num golpe institucional. O caminho trilhado pelo PT, de governar com a direita e conciliar com os grandes empresários se provou impotente frente ao golpe institucional. Esses posicionamentos do candidato do PSOL o levarão novamente a esse caminho sem saída e só servem para semear ilusões e desarmar a organização e mobilização dos trabalhadores e do povo pobre.
A realidade exige um programa radicalmente distinto, que parta de denunciar esse regime, combatendo Bolsonaro, Mourão, o STF e o Congresso, lutando por uma Assembleia Constituinte imposta pela força da luta, propondo a taxação das grandes fortunas, o fim do pagamento da dívida pública e um plano de obras públicas radicais que, longe de ser o fruto de uma canetada de prefeito, só pode ocorrer com a força da mobilização dos trabalhadores organizados, protagonizando greves, ocupações, retomando os seus sindicatos para a luta e enfrentando cada instituição desse regime reacionário.
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