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FEMINISMO
A importância do feminismo socialista hoje
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED

O absurdo caso de Robinho e sua frase ao se lamentar, “Infelizmente, existe esse movimento feminista” nos faz lembrar a importância da luta das mulheres. Mas, com que estratégia e por quais meios podemos conquistar a liberdade? Queremos aqui trazer o debate sobre a importância de um feminismo socialista.

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Poucos dias após a jogadora de vôlei Carol Solberg ter sido punida por se manifestar contra o machista e misógino Bolsonaro, vimos Robinho ser contratado pelo Santos, mesmo com uma condenação pelo bárbaro crime de estupro coletivo de uma mulher albanesa na Itália, e com um áudio em que o jogador não apenas confessa o crime, mas mostra seu completo desprezo pela vítima. Alguns dias depois, o Santos suspendeu o contrato com o jogador. O motivo? As ameaças de patrocinadores deixaram o clube. Não por acaso, foi o mesmo motivo que levou o Flamengo a demitir o goleiro o Bruno, que assassinou covardemente sua companheira Eliza Samudio em 2010.

Para além de explicitar o nível escandaloso de machismo de nossa sociedade, onde casos de feminicídio, em particular cometidos por maridos e namorados, são cotidiano (1.314 documentados em 2019 no Brasil), o que esses dois casos também mostram é que nos dois casos o que moveu os clubes a afastar os jogadores não foi nenhuma consideração por suas vítimas, mas sim a ameaça a seus lucros.

Quando consideramos o machismo e a misoginia que as mulheres enfrentam todos os dias, isto deve ser colocado em primeiro plano: há uma relação profunda entre eles e o fato de que nossa sociedade é baseada na desigualdade, na divisão entre classes sociais. A exploração de uma minoria – a classe dos capitalistas, ou burguesia – sobre uma imensa maioria – a classe trabalhadora – é o pilar fundamental da sociedade capitalista em que vivemos; e se não entendermos como esse mecanismo repousa e depende do machismo, nos tornaremos impotentes para combatê-lo de forma profunda e consequente.

Não é por acaso que o governo de Bolsonaro, um machista declarado que fez apologia ao estupro diante das câmeras e expressou sua misoginia em tantas oportunidades, seja um governo que veio após o golpe institucional de 2016, e que esteja a frente de tantos ataques contra os trabalhadores. Damares Alves e Sara Winter, organizando protestos contra uma menina de dez anos que foi sistematicamente estuprada por seu tio, mostram o quão profundo é o machismo representado pelo bolsonarismo.

O feminismo possui uma história longa e cheia de debates e divergências quanto às suas estratégias e rumos, sobre as formas para atingir seus objetivos. Desde a revolução francesa, quando mulheres como Mary Woolstonecraft lutaram para que as promessas de igualdade, liberdade e fraternidade fossem de fato universais e abrangessem esta metade feminina da humanidade; passando pelas sufragistas, que se dividiram justamente em relação ao apoio à guerra imperialista ou a se oporem a esta; passando pela segunda onda e sua radicalização do questionamento ao modo de vida onde se gritou que “o pessoal é político”; e chegando até os dias de hoje, em que vemos novamente o termo “feminismo” se tornar um debate massivo, e em que até grandes empresas capitalistas gastam altas cifras em publicidade tentando mostrar como defendem os interesses das mulheres.

Mas para vermos em que consiste esse “feminismo empresarial”, basta lembrarmos que não faz nem dois mesas que o Santos lançou uma campanha contra a violência doméstica contra as mulheres:

E em seguida contratou um jogador condenado por estupro na Itália.

Se olharmos outras empresas que fazem campanhas “feministas”, veremos que nas suas fábricas e escritórios é ainda uma maioria de mulheres negras terceirizadas que fazem os serviços de limpeza mais precarizados e mal-remunerados. Como no caso da contratação de Robinho pelo Santos, o feminismo dos que buscam o lucro baseado na exploração só vai até o ponto em que eles mesmos aumentam seus lucros a partir da discriminação das mulheres, que recebem os piores salários.

Assim é também quando pensamos na representatividade das mulheres na política ou nos espaços de poder. Se uma mulher na gerência de uma multinacional não vai fazer as mulheres negras deixarem de sofrer com a terceirização no chão de fábrica, também não é uma mulher na presidência que vai fazer com que esse sistema político continue defendendo os interesses dos capitalistas. Basta lembrarmos que durante todos os anos em que Dilma esteve na presidência ela não moveu uma palha pela legalização do aborto, cuja proibição leva milhares de mulheres a morrerem em abortos clandestinos todos os anos no Brasil. Também foi durante os governos petistas que a terceirização do trabalho triplicou.

As demonstrações de que não podemos confiar nas instituições desse sistema para garantir qualquer direito às mulheres não faltam. A polícia, por exemplo, vista por muitos ainda com ilusões de que possa ser justa ou ter algum interesse em defender nossos direitos, é, na verdade, um pilar da desigualdade em que se sustenta o capitalismo. Veja-se o escandaloso exemplo de um caso que ganhou grande repercussão em Ilhéus, na Bahia. Um homem foi filmado agredindo brutalmente sua companheira, e logo depois saiu andando da delegacia após prestar depoimento. Ele possui registro policial de 11 agressões.

Não se trata, contudo, de que devamos defender um punitivismo, acreditando que a prisão dos agressores supostamente resolveria o problema, pois a violência contra as mulheres, como dissemos, é um pilar fundamental do capitalismo. E tanto a polícia como o sistema judiciário são instituições fundamentais deste, fazendo com que recaia sobre as mulheres o peso da lei e com que se trate como problemas “individuais” os casos de agressão. Basta lembrarmos que esse mesmo judiciário e essa polícia são responsáveis por criminalizar as mulheres que são obrigadas a recorrer a abortos clandestinos, ou que encarceram elas aos milhares, sendo a população carcerária feminina no Brasil de 42 mil pessoas, com 62% delas respondendo por crimes ligados ao tráfico – uma imensa criminalização da pobreza, e em particular das mulheres negras. Essas mulheres são submetidas a condições absurdas, como o encarceramento durante a gestação ou a terem que usar miolo de pão como absorvente íntimo. Em qualquer caso de agressão, nos colocamos de forma intransigente ao lado de cada mulher vítima de violência em sua luta por justiça.

Vemos mulheres como Joice Hasselmann defender não apenas um aumento do autoritarismo e da repressão, para aumentar o número de mulheres nessas condições absurdas, mas também todos os ataques dos capitalistas que pesam duplamente sobre as mulheres, como a reforma da previdência e a reforma administrativa de Bolsonaro, sem falar de sua luta implacável contra o direito ao aborto. Não se pode ter nenhuma sororidade com mulheres que estão dedicando suas forças a atacar os direitos das mulheres mais pobres e trabalhadoras.

Por isto, pensamos que o feminismo, para ser consequente com a missão de libertar as mulheres, precisa ter como estratégia a luta contra o capitalismo que sustenta o machismo. A ideia de que as mulheres precisam combater os homens – que seriam “naturalmente” machistas – e não o sistema econômico, social e ideológico que perpetua a nossa opressão, é muito funcional ao capitalismo, pois acaba por colocar muitas vezes o movimento feminista de forma separada do movimento da classe trabalhadora, a única que, organizada, pode encontrar as condições para derrubarmos o capitalismo e dar um passo imprescindível para acabarmos com a desigualdade entre homens e mulheres. Fazer com que o movimento dos trabalhadores tome para si a luta contra o machismo, unificando homens e mulheres na luta contra essa opressão milenar, é absolutamente fundamental. Por isto, estamos na linha de frente do movimento de mulheres lutando por cada demanda, e defendendo a construção de um feminismo socialista.

 
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