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Eleições na Bolívia: incertezas e acusações de fraude
Javo Ferreira, La Paz

A direita está se reorganizando para garantir o segundo turno. A política conciliatória do MAS enfraquece e desmoraliza quem quer lutar e fortalece os objetivos da direita. A relação de forças será definida nas ruas e não nas urnas. Deve-se preparar a organização e a mobilização independente dos trabalhadores e do povo.

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Foto: DW for minds

As próximas eleições acontecem num quadro em que se aprofundam e alastram os incêndios em 5 regiões do Leste, chegando mesmo a atingir, neste momento, mais focos de incêndios do que os que tivemos no ano passado, quando as agroindústrias incendiaram toda a Chiquitanía.

Sem dúvida, esta situação está causando devastação e enormes prejuízos econômicos, sociais e ambientais, bem como às populações locais e indígenas. A golpista Jeanine Áñez tem agido com espantosa permissibilidade e com tremenda inação frente a estes incêndios, com o objetivo incontestável de expandir, ainda mais, a fronteira agrícola a serviço da CAINCO (Câmara de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz -Bolívia) e da CAO (Câmara Agropecuário do Oriente).

Dentro deste quadro, também assistimos a um ataque redobrado da comunidade empresarial e do governo golpista aos direitos e conquistas dos trabalhadores. Centenas de demissões ocorreram em Cochabamba, Sucre, Santa Cruz e La Paz, deixando famílias trabalhadoras em condições mais precárias. Acabamos de ver a brutalidade e impunidade com que os patrões têm atacado os trabalhadores, por exemplo, no caso dos laboratórios Vita e a absurda intervenção policial na greve dos trabalhadores, com dezenas de detidos e 14 sob vigilância.

Infelizmente, o que tem acontecido em muitos setores de operários, mineradores, etc. é que a burocracia sindical tem trabalhado em cumplicidade com os patrões e o governo. É o caso da Federação Departamental de Fabricantes de La Paz, que se negou a reconhecer os dirigentes dos laboratórios Vita, colaborando, desta forma, com os empregadores, que se aproveitaram dessa situação e instauraram ações penais contra os eles.

Infelizmente, a burocracia sindical do MAS, que na época não hesitou em passar para o campo do golpe e que hoje "simbolicamente" assume posições críticas, está arraigada na COB (Central Obrera Boliviana) e nas entidades matrizes dos trabalhadores, e se recusa a liderar e a preparar um verdadeiro plano de luta que possa frear as demissões e a repressão, em um cenário de profunda crise econômica e social que atravessa o país.

Incerteza e desconfiança no processo eleitoral

Neste domingo, 18 de outubro, provavelmente serão as eleições mais observadas da história eleitoral do país. Tanto o MAS, quanto os partidos do bloco golpista vão às eleições com profunda desconfiança e com acusações mútuas de possível fraude e violência no dia das eleições. Todos esses rumores e perspectivas, que não são compartilhados apenas por analistas, mas também pela população em geral, são alimentados por alguns acontecimentos ocorridos nas últimas semanas, que despertam a suscetibilidade dos trabalhadores e das pessoas em torno da transparência dessas eleições.

Recordemos a compra de armas por vários milhões de dólares à serviço da Polícia e das Forças Armadas, feita pelo Ministro do Governo, Arturo Murillo, há duas semanas. Situação que chama a atenção quando falamos de um governo que se autodenomina transitório mas, no entanto, age para ficar, equipando as forças repressivas para um futuro governo que "teoricamente" não se sabe o que será.

Por outro lado, vimos que o vice-ministro de Segurança Cidadã, Wilson Santamaría, declarou que será imposta uma "boa ordem governamental" (que proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas, o porte de facas e armas de fogo, o fechamento de locais públicos ou a transferências de pessoas e outras atividades), não apenas nos dois dias anteriores às eleições, mas também nos dois dias após as eleições, com o suposto argumento de evitar mobilizações de protesto ou "atos de violência ”. Ou seja, esse “ato de boa governança” pós-eleitoral é algo inédito na história do país.

Deve-se destacar outro elemento que se soma ao quadro de tensão e suscetibilidade crescente: a perda de armas de um destacamento naval militar do departamento de Pando. Fato para o qual não há explicação oficial sobre o que poderia ter acontecido com esse armamento de grande calibre, conforme afirma a imprensa. Sem dúvida, para dizer o mínimo, é surpreendente que algo assim aconteça poucos dias antes das eleições. Na mesma linha, as ameaças do ministro da Defesa, Fernando López, de que qualquer estrangeiro que venha convulsionar o país "acabará morto", em ato de reivindicação das Forças Armadas, ao comemorar o novo aniversário do assassinato de Ernesto “Che” Guevara, o que destaca o caráter profundamente reacionário da atual situação política.

Uma tentativa de reorganizar as forças golpistas para buscar o segundo turno

No entanto, também é importante apontar um elemento “novo” neste quadro, uma vez que parece que as forças da direita golpista estão começando a se reorganizar, em que dois eventos importantes aconteceram. De um lado, o declínio da candidatura da Acción Democrática Nacionalista (ADN), sigla que foi representada por María de la Cruz Bayá, partido de extrema direita do ex-ditador Hugo Banzer Suárez que decidiu, na semana passada, sair da disputa eleitoral. E, no último domingo, o declínio de outra das siglas do bloco golpista, a aliança “Libre 21”, foi surpreendida, representada pelo ex-vice-presidente, também do ex-ditador Banzer, Tuto Quiroga, que também ocupou cargos no governo de Jeanine Áñez: foi porta-voz para "negar em nível internacional que tenha ocorrido um golpe na Bolívia"; cargo que renunciou em 8 de janeiro, um dia depois de lançar sua candidatura à presidência.

Também estão na disputa o candidato e evangélico coreano-boliviano Chi Hyun Chung, e o empresário da cooperativa mineira, Feliciano Mamani, ambos com baixíssima intenção de voto, o primeiro com 2,6% e o segundo com 0,2%. O ex-líder cívico de Santa Cruz, um dos arquitetos centrais do golpe, Luís Fernando Camacho, da aliança “Creemos”, se consolida como a terceira força na disputa.

Mesa empata com Arce e as pesquisas moldam o mapa político

Em todas as pesquisas anteriores, o candidato do MAS, Luis Arce Catacora, teve uma vantagem de 6 a 8 pontos sobre Carlos Mesa, da Comunidade Ciudadana. Pesquisas recentes até deram a ele a vitória no primeiro turno, se conseguisse superar o piso de 40%, com uma diferença de 10 pontos de Mesa. No entanto, um levantamento mais recente publicado nestes dias tenta mostrar um panorama diferente, como parte das operações políticas que se viram ao longo do falho processo eleitoral.

O último inquérito publicado pelo jornal Página Siete e financiado pela editora deste jornal, Luna Llena, mostra resultados em que Carlos Mesa obtém 27,2%, ultrapassando ligeiramente Luis Arce com 27,1%. De acordo com este levantamento, o crescimento do Mesa seria de 5 pontos em relação ao levantamento anterior de setembro; Arce teria crescido pouco mais de 2%. O candidato que "se saiu melhor" nessa última pesquisa foi o ultra-direitista clerical Fernando Camacho, que, como observamos acima, foi um dos principais atores que organizaram o golpe. Lembremos que ele reconheceu abertamente que seu pai organizou o suborno das Forças Armadas em outubro passado para articular o golpe. Camacho teria passado de 8% das intenções de voto, para 14%.

Obviamente, como já apontamos, é muito difícil acreditar na veracidade dessas pesquisas, pois atendem a interesses políticos e ao objetivo de impulsionar a figura de Carlos Mesa.

Os percentuais de intenção de voto mudam caso sejam eliminadas as estimativas de votos nulos, brancos e indecisos, ou seja, pouco mais de 30% dos votos possíveis, segundo o levantamento do jornal Página Siete, onde Carlos Mesa continuaria em primeiro lugar com 37,4%, seguido por Arce Catacora com 37,2% e Camacho em terceiro lugar, com 19,2%.

A verdade é que, além das urnas, assistimos a uma operação de reorganização das forças do bloco direitista tentando garantir o segundo turno com o objetivo de impedir que o MAS ganhe as eleições no primeiro turno. A ideia é buscar uma "vitória mais confortável para Mesa", pressionando Camacho-Pumari a recusar as candidaturas, que já afirmaram que continuarão na campanha até ao fim. A decisão de Camacho se deve ao fato de que, com base nas pesquisas atuais, sua frente eleitoral obteria uma forte bancada parlamentar de uma direita militante e conservadora, que o posicionaria estrategicamente além de 18 de outubro.

Quase 20% dos consultados ainda não definiram em quem votarão no próximo domingo, o que deixa uma grande margem para especulações e mantém os possíveis resultados incertos.

Cenário pós-eleitoral e conflito social, rumo a um pacto social com os golpistas?

Embora o que aconteça no dia das eleições seja um “buraco negro”, a maior preocupação expressa por analistas, jornalistas e / ou dirigentes dos partidos em disputa é no dia seguinte à eleição. Se o MAS triunfa no primeiro turno ou se o Mesa consegue um segundo turno e, consequentemente, uma possível vitória da direita.

O desconhecimento sobre as possíveis reações do bloco golpista, diante de um resultado eleitoral que consideram desfavorável, fez com que parlamentares europeus questionassem a chanceler, Karen Longaric, exigindo uma declaração explícita sobre seu respeito pelos resultados eleitorais, quaisquer que sejam. Essa demanda mostra a desconfiança do que pode acontecer, bem como de um possível segundo turno que prolongará a incerteza e a crise por quase mais dois meses.

Porém, tanto os porta-vozes e os vinculados à Comunidade Cidadã, como as lideranças do MAS, falam da necessidade de um acordo político que garanta a governabilidade em um cenário em que se agravará o conflito social provocado pela crise econômica, social, sanitária e ambiental, que hoje é parcialmente contida pelas expectativas no processo eleitoral.

Durante estes 11 meses de governo golpista, o MAS manteve uma política de conciliação e pactos desde o momento em que Evo Morales se demitiu da presidência, facilitando a consolidação do regime de Áñez em 17 de novembro, quando aprovaram a lei convocando eleições e recusando-se a discutir a renúncia de Morales na Assembleia Legislativa Plurinacional. Assim, facilitaram a ascensão do bloco oligárquico de volta à liderança do aparelho de Estado. Vimos também esta colaboração do MAS com o golpe na crise de agosto, em que os trabalhadores e setores populares reivindicaram a #FueraÁñez e o MAS extinguiu a mobilização, traindo a vontade de lutar e pactuando, mais uma vez, para uma quarta data eleitoral.

É por causa desses antecedentes, que provocaram profundo mal-estar em setores da vanguarda estudantil, operária e popular, que não se pode descartar que mesmo com um triunfo "irregular" do Mesa, os dirigentes do MAS não decidam avançar na mobilização e resistência ao golpe, mais uma vez deixando uma eventual resistência à espontaneidade popular. É por causa de toda essa política de conciliação com os golpistas e da recusa em promover a mobilização de massas, que já provocou críticas e desconforto nas bases eleitorais do MAS, que não se pode votar no MAS porque isso significaria endossar esta política que enfraquece os trabalhadores e as forças populares e desmoraliza a vanguarda que deseja derrotar o golpe. É com esta vanguarda que nós, da Liga Revolucionária dos Trabalhadores - Quarta Internacional (LORCI), temos promovido a maior frente única de luta.

Sabemos que onde se definirá a relação de forças entre as classes não será nas urnas, como sugerido pelos candidatos do MAS, mas fundamentalmente será nas ruas, nas fábricas, nas oficinas, em vários setores de trabalho do país, no campo e na cidade. Não somos neutros, por isso devemos estar atentos à possível violação dos direitos democráticos da grande maioria operária e nos mobilizarmos para prevenir qualquer tentativa de fraude ou golpe bonapartista. Este alerta e apelo à organização e mobilização não significa apoio à política conciliatória e pactuadora do MAS, mas sim uma defesa militante dos direitos democráticos, contra o golpe e as manobras direitistas.

Por tudo isso acreditamos que devemos começar a discutir junto aos vizinhos, trabalhadores, camponeses, povos indígenas, mulheres e jovens a necessidade de recuperar nosso bairro, sindicato, comunidade, organizações estudantis, etc. colocá-los a serviço da luta contra o golpe, contra as demissões, contra os ataques às condições de vida. Temos insistido ao longo destes meses, dialogando com dezenas, senão centenas de ativistas independentes e / ou vinculados ao MAS com os quais, apesar de nossas diferentes visões eleitorais, construímos uma relação nas ruas, de resistência ao golpe, a necessidade de promover várias formas de auto-organização e coordenação de lutas em curso, preparando e organizando comitês de autodefesa diante de ataques e perseguições e ameaças persistentes de grupos paramilitares como a Unión Juvenil Cruceñista (UJC) ou a Resistência Juvenil Cochala (RJC), para prevenir novos e mais ataques ao direito de protesto dos trabalhadores e do povo.

Isto deve ser acompanhado de um programa que permita enfrentar a crise e os ataques dos patrões e do Governo, promovendo a proibição das demissões e a nacionalização, sem o pagamento a qualquer empresa que feche ou demita; a constituição de um único banco estatal controlado pelos seus empregados, para acabar com a especulação e o enriquecimento dos grandes banqueiros e financistas; a concessão de empréstimos baratos ao movimento camponês e aos pequenos produtores.

A pandemia expôs a precariedade absoluta do sistema de saúde. Os empregadores de saúde não deixaram de lucrar com o direito à vida, contando com o sistema “misto” instituído pelo MAS e que se mantinha graças às precárias condições dos trabalhadores de saúde. Com os golpistas, a situação se agravou com os escandalosos negócios de corrupção na compra de "respiradores" e equipamentos de biossegurança. Só os trabalhadores organizados podem oferecer uma solução que implique exigir a nacionalização do sistema de saúde, sem indenização, e que seu funcionamento passe para as mãos dos trabalhadores, que são aqueles que conhecem as verdadeiras necessidades e vão colocar os recursos a serviço de salvar vidas.

A quatro dias das eleições, o cenário é muito fluido e, embora o resultado do dia 18 de outubro seja aberto, temos a certeza que um novo ciclo de luta de classes está chegando e, para isso, devemos nos preparar. Por isso, temos lutado junto aos setores populares durante o golpe e, posteriormente, nestes 11 meses de Governo Áñez, discutindo como enfrentar mais efetivamente o golpe e os ataques econômicos, sociais, racistas, ambientais e culturais que nós, trabalhadores, camponeses e povos nativos, estamos recebendo. Mas também é urgente discutir os passos para avançar na construção de um instrumento político que, independentemente dos golpistas e dos conciliadores, nos prepare para vencer e pavimentar o caminho para a construção socialista da sociedade.

 
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