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CRISE NO RIO
Por que o impeachment de Witzel fortalece Bolsonaro, e não os trabalhadores?
Simone Ishibashi
Rio de Janeiro
Carolina Cacau
Professora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe

O reacionário e famigerado Witzel não está sendo derrubado pela força da mobilização, mas por movimentações de Bolsonaro e de outras alas igualmente reacionárias do regime político. A esquerda não deveria se juntar com essas alas, adotar o mecanismo do impeachment como estratégia e comemorar como faz o PSOL RJ, mas sim adotar uma política independente de todos os bandos reacionários.

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O impeachment do odioso governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, foi aprovado por unanimidade na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), reafirmando o afastamento feito pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Witzel sem dúvida expressa o que existe de mais reacionário que a onda bolsonarista produziu. Quebrou a placa em homenagem a Marielle. Prometeu “mirar na cabecinha” de suspeitos e uma política de extermínio aos pobres e negros. Ele merece cada manifestação de repúdio e raiva que recebe por parte dos trabalhadores e do povo do Rio de Janeiro.

Mas seu afastamento através do impeachment, bem como o uso recorrente do tema da corrupção por atores tão reacionários e autoritários quanto os alvos dos escândalos de corrupção, tem como objetivo favorecer Bolsonaro e seu clã e fortalecem elementos do autoritarismo do regime pós golpe. Isso exige uma postura distinta da adotada recorrentemente por parte da esquerda, em especial do PSOL.

As motivações e atores no impeachment de Witzel

Não é um segredo que o verdadeiro motivo para a bancarrota de Witzel não é a corrupção vigente em seu governo, mas as suas disputas com Bolsonaro e sua família. Afinal grande parte dos deputados da Alerj que votaram pela sua deposição e representam posições tão reacionárias quanto as dele estão igualmente envolvidos em escândalos similares e agindo cotidianamente contra os trabalhadores e o povo pobre do Rio de Janeiro. Bolsonaro quer controlar as investigações contra sua família por parte MP do Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de uma disputa entre duas alas do que existe de mais reacionário e decadente no regime forjado após o golpe.

O processo de afastamento de Witzel começou já com uma decisão inédita e profundamente arbitrária, através de uma decisão de um só juiz, antes mesmo de desenvolver o devido processo legal e com vários juristas ressaltando como inconstitucional, incluindo um show espetaculoso da Polícia Federal sob novo comando de Bolsonaro. Sabemos que vivemos numa democracia degradada, mas não nos enganemos em comemorar cada vez que nem mesmo a Constituição de 88 é seguida, tal como debatemos aqui. A esquerda deveria ser a que clarifica que estes métodos autoritários sempre se voltam contra os trabalhadores e o povo.

Essa votação na ALERJ contou com uma atuação comum que ia desde a base de Bolsonaro até o PSOL. Isso em uma situação de fortalecimento de Bolsonaro, que marca um aprofundamento dos traços reacionários do cenário político nacional, onde existe um pacto entre os de cima para nos atacar e nem mesmo as bravatas opositoras do STF e governadores existem mais, podendo Bolsonaro utilizar de suas alas do autoritarismo judiciário para atuar contra seus competidores, como Witzel.
Essa ofensiva foi anunciada por Bolsonaro em meio à sua disputa para vencer a discussão de balanço da pandemia, quer colocar na conta dos governadores as mortes e manter a agenda anti-corrupção utilizando este mecanismo contra os que disputam seu campo, e é por isso que neste momento há processos de impeachment muito similares em Santa Catarina, Amazonas e Rio de Janeiro.

O impeachment é um mecanismo bonapartista autoritário

Não há dúvida que a corrupção reinou no governo Witzel, que repetiu os mesmos esquemas de sempre dos governos anteriores no Rio, mas a esquerda deveria batalhar por uma resposta contra isso nas ruas, e não alimentar a ilusão de que este problema pode ser resolvido por dentro desse regime com mecanismos como o impeachment.

Na política nacional, viemos insistindo como um erro grave da esquerda propor impeachment de Bolsonaro que seria abrir caminho para Mourão. Mas vejamos o problema mais profundamente porque novamente no Rio temos um problema similar.

Nessa democracia burguesa degradada que vivemos no país, e nem falar no Rio de Janeiro, um dos poucos direitos democráticos, profundamente limitado, é o direito ao voto, o sufrágio universal.

É por isso que no caso do impeachment da Dilma nós definimos claramente como golpe institucional, pois era um ataque ao sufrágio universal, apoiado no bonapartismo judiciário e no imperialismo para garantir o aprofundamento dos ataques aos trabalhadores de forma mais profunda e rápida que o PT vinha fazendo. Por isso, chamamos a lutar contra o golpe de forma independente do PT, que inclusive abriu espaço para direita com sua política de conciliação. A continuidade deste ataque ao sufrágio universal foi tirar o direito de Lula concorrer e que o povo tivesse o direito de votar em quem quiser. Este ataque a este mínimo direito do voto, é mais um ataque contra a soberania popular, ao direito do povo decidir os rumos do país. A esquerda que não se posicionou contra o golpe institucional, a prisão arbitrária do Lula e a Lava Jato, como o PSTU e a CST-PSOL, terminaram fortalecendo a ofensiva da direita.

Mas como a esquerda deve agir quando se trata de impeachment contra setores que são abertamente de direita? Não se pode considerar que estes mecanismos bonapartistas autoritários vão fortalecer a luta contra estes inimigos. A esquerda não pode adotar para si este mecanismo do impeachment como parte da estratégia política permanente, pois com essa linha fortalece o regime político autoritário. Trata-se de um conflito entre frações igualmente reacionárias, contra o qual a esquerda deveria defender uma saída independente de ambas as alas.
Estamos num país onde agora os juízes fazem política abertamente, estes que nunca foram eleitos por ninguém, decidem quem pode ou não governar o país. Os casos mais emblemáticos são Sergio Moro e Marcelo Bretas, mas é todo o sistema judiciário que está dominado por juízes que atuam a favor de uma ou outra ala podre deste regime político, e todos à serviço dos grandes empresários.

A queda do governo de Witzel pela mobilização dos trabalhadores e do povo seria uma enorme conquista, e poderia abrir caminho para a imposição de uma saída de fundo à enorme crise que assola o Rio de Janeiro. Mas não foi isso que se deu. O impeachment votado expressa o fortalecimento do poder arbitrário, seja através da cúpula do judiciário, seja através da ação de parlamentares igualmente reacionários, pode ser posteriormente usado contra os trabalhadores e seus direitos elementares. Os mesmos partidos que votaram pelo impeachment de Witzel, mas mesma semana livraram Crivella de outro impeachment proposto pelo PSOL, após mais escândalos de corrupção virem à tona contra o bispo.

E inclusive quando surjam movimentos de massas contestando governos pela esquerda que coloquem a possibilidade de sua derrubada, a partir de uma iniciativa dos trabalhadores e do povo que expresse de forma direta sua vontade, e não de outra ala burguesa do regime autoritário ou do imperialismo, é fundamental que a esquerda batalhe para que um movimento desse tipo avance o máximo possível no enfrentamento contra o conjunto do regime e não o revitalize trocando seus jogadores.

Sem isso, vai se repetindo o que ocorreu com o ex-governador Cabral. Afinal, não se pode considerar que Pezão foi um substituto que mudou algo para o povo, assim como todos sabem que de Claudio Castro se pode esperar algo ainda pior que Witzel. É o que poderia ser o caso da substituição de Bolsonaro por Mourão caso o “Fora Bolsonaro” se desenvolvesse como um movimento de massas canalizado pelo impeachment.

O PSOL do Rio atua de maneira funcional ao regime político degradado

O PSOL RJ ao invés de usar seus parlamentares para apoiar e desenvolver a luta dos trabalhadores, como a recente greve dos trabalhadores dos Correios derrotada pela ação da burocracia, ou anteriormente a paralisação dos entregadores de aplicativos, se orgulha em protocolar pedidos de CPIs e impeachments. Mostra como sua estratégia está toda concentrada no parlamento, e não na luta de classes. Trata-se de uma adaptação profunda a este regime, que gera uma desorientação nos setores que influencia sobre quais são os interesses em disputa, e quem são efetivamente os aliados que a classe trabalhadora deve buscar em sua luta contra Witzel. É também uma expressão do mesmo problema que se vê na busca de Frentes Amplas com golpistas e partidos capitalistas e de direita, em nome de combater a ultradireita, como faz Marcelo Freixo.

Confiar que problemas estruturais como a corrupção no Rio de Janeiro, ou mesmo o combate contra a ultradireita, podem ser resolvidos nos marcos desse regime político, se sobrepondo à luta de classes, é um desarme estratégico. Sobretudo se consideramos que a degradação autoritária do regime não tem expressão apenas no STF, na Lava Jato, e no bolsonarismo, mas na própria Alerj, que como uma das instituições do regime forjado pelo golpe é dominada majoritariamente pelos representantes dos interesses capitalistas, milicianos e que se enfrentam entre si, mas sobretudo contra os trabalhadores, pela manutenção de seus privilégios. Não pode haver diluição em meio a isso.

A própria votação da Alerj é um exemplo. Foi o resultado de uma sucessão de pedidos de impeachment que totalizaram 6, partindo tanto do PSOL, como do reacionário PSL. Houve inclusive insinuações de diálogo entre o PSOL e figuras reacionárias. O deputado bolsonarista Filippe Poubel do PSL em nota publicada no UOL disse que dialogaria “com qualquer corrente política” contra Witzel. A própria Renata Souza, atual candidata à prefeitura pelo PSOL também se referiu à ruptura da base bolsonarista com Witzel, sugerindo que isso seria algo aproveitável.

Além disso, nenhum desses pedidos de impeachment feitos pelo PSOL sequer foram acompanhados por chamados para construir mobilizações ativas dos trabalhadores e do povo, são apenas para discursos e medidas para se apresentar como quem “combate a corrupção”, com os mesmos mecanismos que o PSL.
E isso é algo que começa a ser percebido. Apesar das comemorações dos parlamentares do PSOL carioca em suas redes sociais após a votação do impeachment de Witzel, podiam-se ver vários comentários críticos pela esquerda, de setores que percebem que este impeachment fortalece Bolsonaro e a ofensiva autoritária do regime. Outros atentavam que isso não representava alguma saída de fundo para os problemas que assolam a política carioca. Esses questionamentos devem ser a base para uma política de mobilização independente.

Ao final da decisão da Alerj quem se fortalece não são os trabalhadores e o povo do Rio de Janeiro, mas a ala bolsonarista. É emblemático que no dia seguinte ao impeachment de Witzel, Bolsonaro tenha ido ao Rio e dado declarações de apoio a Claudio Castro, que assumiu interinamente o governo do Rio. Já para os trabalhadores e o povo carioca o que se coloca é seguir sem saber quem mandou matar Marielle, o aumento do desemprego, e da violência policial que não para de matar os trabalhadores e a juventude negra e pobre.

Por outro lado, é preciso ressaltar que a justa raiva da população contra a corrupção dos políticos no Rio de Janeiro vem sendo instrumentalizada descaradamente por atores reacionários que se colocam como opositores aos governos vigentes, mas que são tão corruptos quanto os que acusam. É preciso ter claro que nem o STF, nem a Lava Jato, nem o STJ, nem Maia e o Congresso, e tampouco a amplíssima maioria dos deputados da Alerj se preocupam com os efeitos da corrupção sobre os trabalhadores e o povo. Se isso é verdade quando se pensa a situação nacional de conjunto, é ainda mais fundamental quando se considera o Rio de Janeiro, que desde a transição de 1988 tem apenas dois governadores que não foram presos ou investigados, enquanto 5 foram detidos nos últimos 4 anos, aos quais Witzel se soma como retirado pelo impeachment. Que os governos no Rio de Janeiro sejam corruptos não é o que está em discussão. Mas é necessário questionar porque isso ocorre no Rio de Janeiro, um estado imerso em uma crise enorme, e onde é evidente que a formação do próprio capitalismo é marcada por uma corrupção inerente. Tem suas origens na formação do próprio Brasil Império, e tal como o racismo fruto da escravidão que imprime suas marcas profundas hoje, só poderá acabar com um combate anticapitalista.

Se todos os elementos que apontamos acima não fossem suficientes, deveria ser para a esquerda um alerta de que Bolsonaro quer blindar as investigações contra sua família no Rio de Janeiro a qualquer custo, pois sabe que é de onde podem surgir suas relações com as milícias e corrupção. E não foi somente Witzel processado, mas toda a linha sucessória, para ameaçar a todos que se não se disciplinam ao governo federal, vão pra cima de todos. O Rio de Janeiro já teve inclusive a Intervenção Federal dos militares, sob a desculpa da violência e da corrupção, a esquerda deveria alertar que até mesmo essa hipótese está colocada no Rio, e não pavimentar o caminho para isso.

A necessidade de dar uma saída efetiva ao problema da corrupção passa por não se adaptar à falsa ideia que o PSOL também propaga de que isso seria possível por dentro das instâncias do regime degradado pós-golpe, e mais sem tocar nos interesses capitalistas. A forma como o PSOL encara o tema da corrupção deriva de sua estratégia de atuar sempre por dentro do regime. Mas também visa dar acenos ao espaço conquistado pela direita sob esse discurso moral e ético, como fazem com o tema da segurança pública ao lançarem um policial como vice-prefeito - debate que nós do MRT viemos fazendo, e que levou Carolina Cacau a retirar sua candidatura à vereadora.

Repetindo que o problema são essencialmente os governantes corruptos, o PSOL dissemina a falsa noção de que basta trocá-los por outros “éticos”, e os problemas estruturais da brutal desigualdade de classes do Rio de Janeiro se resolveria, sem tocar nas instituições do regime, ou na propriedade privada dos capitalistas. A saída da crise política, econômica e social exigem muito mais. E liga o destino do Rio de Janeiro ao do conjunto do país.

Por uma resposta contra o regime autoritário e para que os capitalistas paguem pela crise no Rio e no país

Só a mobilização independente dos trabalhadores e do povo pode oferecer uma resposta, não apenas contra Witzel, mas contra os representantes dos interesses capitalistas em todas as instituições do regime político do golpe. Os casos de corrupção devem ser julgados por júris populares. É preciso também impor que todos os juízes, bem como os políticos, sejam eleitos e revogáveis, não através de mecanismos e instituições autoritárias, mas pelos trabalhadores e o povo. Também é importante que os políticos e juízes super privilegiados ganhem o mesmo salário que uma professora. E que sejam confiscados os bens de todos os corruptos e corruptores.

Nesse sentido, é preciso enxergar a ligação entre o destino da classe trabalhadora e do povo do Rio de Janeiro com o da classe trabalhadora e do povo de todo o país. É fundamental a mobilização para colocar de pé uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, em que se candidatariam e elegeriam livremente através do mais amplo sufrágio universal os representantes dos trabalhadores e do povo, em base a uma democracia muito mais ampla que qualquer parlamento atual, em que todos poderiam debater democraticamente quais as saídas para o país. Nesse processo, seria fundamental impulsionar a auto-organização da classe trabalhadora e das massas para defender e fazer valer a soberania da vontade popular contra a burguesia. É preciso difundir que uma solução real de problemas profundos, como é a corrupção no capitalismo, só pode vir através da luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

Sabemos que essa não é uma perspectiva imediata, que estamos vivendo uma situação reacionária no governo Bolsonaro, mas é tarefa da esquerda clarificar que mais ainda num momento de crise grave como o que vivemos, não podemos apostar na perspectiva de reformar este sistema e muito menos se postular para administrá-lo, como se fosse possível melhorar a situação pela via institucional. A esquerda deveria aproveitar as eleições num caráter preparatório, explicando pacientemente qual é o programa que pode responder a crise do país e colocar a necessidade da única saída possível, que é responder no terreno da luta de classes, com a mais ampla unidade da classe trabalhadora.

 
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