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Por que continuar a luta pelo direito ao aborto em contexto de pandemia?
Diana Miranda
Alejandra Decap

Há vários anos, a demanda pelo direito ao aborto legal, livre, seguro e gratuito voltou ao debate político internacional. Em uma crise de sanitária como a que estamos enfrentando, surge o questionamento sobre a situação das mulheres e dos corpos grávidos em relação à sua saúde sexual e reprodutiva e quais são as razões pelas quais o aborto continua a ser uma demanda para o presente.

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O que é o aborto e por que é importante discuti-lo hoje?

O aborto é, em termos clínicos, um procedimento para a interrupção voluntária da gravidez. Pode ser um procedimento feito com medicamento ou cirurgia. Várias pesquisadoras mostraram que o aborto é uma prática ancestral, cujos primeiros registros são de 1500 a.C. (a 3520 anos a partir do presente, sendo provavelmente muito mais antigo). Podemos falar em primeiro lugar do aborto como uma prática histórica de "desobediência" à "tirania da espécie" que a própria evolução dos mamíferos nos submete de sobrecarregar os corpos com úteros da responsabilidade de sustentar uma gravidez em seus ventres, que na espécie humana é particularmente extensa e requer um ótimo estado de saúde em termos fisiológicos e mentais, pois é um processo de muito cuidado e que afeta substancialmente a vida da pessoa que gesta. No entanto, apesar das dificuldades técnicas - dado o desenvolvimento científico da antiguidade - antes da moralidade religiosa e conservadora, o aborto era uma prática comum, não penalizada e nem perseguida.

O aborto começa a ser penalizado com a expansão da tradição judaico-cristã no mundo ocidental, que, com o objetivo de formar uma grande população cristã, proibia o aborto como forma de regulação, além da liberdade sexual de mulheres e corpos grávidos. É aqui que começa a estrutura que cobre o aborto com seu véu: crime, pecado e doença. No final do século 20, quando a igreja começou a pregar "que a vida humana começa no momento da concepção" lançou sua cruzada contemporânea contra as mulheres. Essa proibição foi fortemente incluída no domínio colonial católico e, em vários países, como o Chile, permanece até hoje.

A origem da perseguição ao aborto de nada tem a ver com a saúde sexual e reprodutiva de mulheres e corpos grávidos, mas com as imposições religiosas e morais das classes dominantes, que sujeitaram nossos corpos a uma nova tirania, construída em favor dos poderosos. É por isso que revolucionárias como Alexandra Kollontai lutaram para que, décadas antes de qualquer legislação no mundo moderno, em 1920, a União Soviética legalizasse o aborto legal, seguro e gratuito; conquista que foi varrida pelo stalinismo e sua burocracia, que procurou retomar a política conservadora de direitos sexuais e reprodutivos.

Em pleno século XXI, essa longa tradição de opressão patriarcal está agora entrelaçada com um sistema que passa a instrumentalizar a capacidade reprodutiva. O capitalismo, apoiado na tradição patriarcal judaico-cristã, atribui e obriga a reprodução da força de trabalho para as mulheres: historicamente, temos sido nós que reproduzimos essa força de trabalho para o benefício da classe dominante, e também somos nós que “devemos", assegurar a força de trabalho futura. A soberania ou autonomia de quem está gestando sobre o seu próprio corpo parece não existir.o patriarcado e o capital desembocam perfeitamente em um Estado capitalista e neoliberal que obriga mulheres, adolescentes e meninas a exercer a maternidade - mesmo que ela seja indesejada - e que além disso, como ja foi mencionado, deixa sobre os corpos gestantes todo o peso legal do posterior cuidado do recém nascido.

Em uma crise como a que estamos vivendo, as desigualdades e as contradições se aceleram, e é por isso que falar sobre o aborto em tempos de pandemia é uma urgência de primeira ordem, pois é um assunto de saúde pública. Atualmente, em vários países, o aborto legal é uma realidade e é considerado um procedimento médico essencial em uma pandemia para a Organização Mundial da Saúde. Por que ainda é proibido no Chile?

Chile e aborto: a forte herança da ditadura e do conservadorismo religioso

"Nos países onde não há uma lei de garantia ao aborto, as mulheres vivem uma crise sanitária contínua e permanente", Viviana Waisman

No Chile, a proibição oficial do aborto ocorre pela primeira vez em 1874. Então, em 1931, o aborto terapêutico foi legalizado, ou seja, um “aborto induzido com a intenção de proteger a saúde ou a vida da gestante quando se está em perigo grave. No entanto, é essencial resgatar a experiência particular do Hospital Barros Luco Trudeau, que durante a Unidade Popular (1970-1973) realizou mais de 4.000 abortos voluntários seguros. Eles lançaram uma campanha "Contra a morte materna", que colocou a saúde sexual e reprodutiva das gestantes à frente, superando até a legislação estabelecida pelo governo da época. Essa medida foi votada em uma assembléia de trabalhadores do hospital, após o triste suicídio de uma enfermeira no local, como o resultado de uma gravidez indesejada. Eles superaram todas as restrições para a realização de um aborto, apoiados na proteção da saúde física e mental da pessoa grávida. Essa prática encontraria seu fim rapidamente com o golpe cívico militar de Pinochet.

Após 17 anos de ditadura, o papel histórico da opressão ainda está latente, e pelo que foi dito aqui, transferir o poder de decisão para as gestantes coloca sobre a mesa o status quo do Chile capitalista e neoliberal, tornando visível também o aborto antes de qualquer coisa como um problema de saúde pública. De acordo com números publicados no Relatório Anual sobre Direitos Humanos no Chile de 2013, do Centro de Pesquisa em Direitos Humanos, em média 70 mil abortos clandestinos foram realizados em território nacional por ano antes de entrar em vigor, em setembro de 2017, a Lei 21.030, que descriminaliza a interrupção voluntária por três motivos: 1) Perigo de vida da gestante 2) Incompatibilidade fetal com vida extra-uterina 3) Produto de abuso sexual com prazo de 14 e 12 semanas para crianças menores de 14 e mais de 14 anos, respectivamente). Em outras palavras, apesar de todas as proibições, o aborto ainda existe em nosso território: é uma realidade política e social que precisa ser respondida, especialmente em um contexto de crise global de saúde causada pelo coronavírus.

Aborto no contexto de uma crise sanitária do COVID-19: um problema de saúde pública

Para o estado capitalista chileno, não é um problema de saúde pública quando uma mulher decide não ser mãe, pelo contrário, permite o lucro sobre a vida das mulheres, jogando-as na insegurança de estabelecimentos clandestinos para praticar o aborto. Estabelecimentos estes que se você nao pagar quantias milionarias provavelmente não cumprirão as medidas de higiene necessárias, nem terão profissionais de saúde treinados para realizar um aborto seguro. Também permitiu o comércio ilegal de medicamentos, proibindo a comercialização de Misoprostol para interromper a gravidez durante o primeiro trimestre. A violência machista é outro traço deste Estado, com um governo que parece não ter medo do aumento da violência contra as mulheres nos lares - e não apenas contra as mulheres - que pode levar a um aumento nos casos de violência sexual e posteriores gravidezes indesejadas.

As situações mencionadas pioraram desde o início da crise sanitária até o momento, e não apenas como resultado dessas situações é que o número de gravidezes indesejadas aumentou, mas também como resultado da impossibilidade de acessar um aborto através de medicamentos, uma vez que as redes feministas são incapazes de cobrir - mais ainda em uma pandemia - sua alta demanda, ou porque é impossível acessar a precariedade de um aborto em um local clandestino.

A saúde sexual e reprodutiva da população no sistema de saúde mostrou sua completa precariedade durante a pandemia. O pequeno universo de 3% dos casos cobertos pela lei 21.030 para interromper a gravidez por três motivos, os quais, como são poucos os casos por estabelecimento, pode-se pensar que eles não teriam problemas, mas a realidade é que se tem carência de Misoprostol e Mifepristone nos hospitais realizam principalmente abortos da causa número 3 (para vítimas de violência sexual). Os ultrassons que limitam e, em alguns casos, impedem o acesso à interrupção da gravidez nas causas número 1 e 2 (que devem necessariamente ter dois ultrassons) também foram suspensos. Também existe uma ausência de estoque de contraceptivos, bem como na pílula do dia seguinte, e os exames de rotina foram cessados. A situação sanitária se torna ainda mais alarmante para as mulheres, como as organizações internacionais já anunciaram: é essencial garantir os direitos à saúde sexual e reprodutiva durante a crise sanitária em tempo real, bem como as cadeias de suprimentos, pois postergar isso pode trazer consequências irreparáveis. Além disso, com base nas deficiências acima mencionadas nos serviços de saúde, a Lei 21.030 não está - e nunca esteve - em condições de responder às reais necessidades das mulheres grávidas que abortam, pois nenhuma das três causas estaria em bom funcionamento. E a maternidade, mais uma vez, é imposta mesmo nessas circunstâncias "excepcionais", esmagando completamente as três causas que o movimento feminista conseguiu arrebatar.

Um Estado que prefere manter essa situação não funciona para as mulheres da classe trabalhadora, uma vez que as mulheres da classe dominante exercem seu direito em clínicas privadas sob o nome de outro procedimento, geralmente apendicite, ou se mudam para países onde existe o aborto legal. Também se recusa a implementar uma educação sexual e reprodutiva integral que resolva o problema das gestações indesejadas e, em geral, de um número infinito de situações que devem ser trabalhadas a partir da prevenção e não através da punição. Esse estado capitalista opta - e optou desde a sua existência - a decidir por nós, nega o aborto no sistema público de saúde - além das três exceções - e mantém a vergonhosa penalidade que procura punir e disciplinar através do encarceramento a mulher que decide sobre o seu próprio corpo. Hoje, em que o movimento das mulheres pode ser uma alavanca para dar golpear fortemente desde feminismo, e também com a classe trabalhadora de conjunto, podendo derrubar esse Estado opressivo, em que o capitalismo e o patriarcado mantêm uma aliança criminosa, possibilitando então um governo de trabalhadores que coloca os interesses da classe trabalhadora, mulheres e setores oprimidos à frente.

 
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