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RETORNO ÀS AULAS
Foo Fighters e a retomada das escolas: Dave Grohl denuncia a política de Trump
Redação

Dave Grohl, vocalista e guitarrista do Foo Fighters (e ex-baterista do Nirvana) divulgou hoje no Instagram oficial da banda e no YouTube um manifesto em defesa dos professores (intitulado assim, "In defense of our teachers").

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Foto: instagram oficial do vocalista.

Por Luciana Vizzotto e Fabio Santos, professores da rede pública de SP

Dave Grohl, vocalista e guitarrista do Foo Fighters (e ex-baterista do Nirvana) divulgou hoje no Instagram oficial da banda e no YouTube um manifesto em defesa dos professores (intitulado assim, "In defense of our teachers"). Entre relatos sobre seu convívio com sua mãe, que é professora da rede pública aposentada, e sobre seu prematuro abandono escolar, Grohl faz um sensível apelo ao público em clara denúncia à política genocida de Trump de reabertura das escolas durante a pandemia.

Também como pai de 3 em idade escolar, critica o ineficaz ensino remoto e ainda assim denuncia a precariedade das escolas públicas, o que aponta como grande empecilho que inviabiliza uma retomada das aulas com garantia de segurança para as crianças, os trabalhadores da educação e para suas famílias.

E ele mostra clareza política ao questionar a legitimidade dos engravatados de gabinetes para tomarem tal decisão enquanto ignoram completamente a opinião de professores: “Eu não confiaria no ‘secretário de Percussão dos EUA’ para me dizer como tocar ‘Smells Like Teen Spirit’ se ele nunca tivesse se sentado atrás de uma bateria. Então por que algum professor deveria confiar na secretária de Educação Betsy DeVos para dizer-lhes como ensinar, se ela nunca se sentou à frente de uma sala de aula?”.

Vemos em seu discurso a grande similaridade com o que ocorre no Brasil, onde Bolsonaro e os governadores copiam a orientação do presidente estadunidense – e onde a profunda desigualdade social deixa a classe trabalhadora ainda mais à própria sorte diante da pandemia. E a solidariedade expressa pelo músico nos fortalece e nos lembra que nossa luta é a mesma em todos os cantos do mundo.

Você pode tirar o garoto da escola, mas não pode tirar a escola do garoto!

Eu odeio dizer isso a você, mas eu era um aluno terrível.

Todos os dias, eu esperava desesperadamente o toque final da campainha para que eu pudesse me libertar dos limites da minha sala de aula abafada e sem janelas e correr para casa para o meu violão. Não foi culpa do sistema de escolas públicas do condado de Fairfax, lembre-se; eles fizeram o melhor que puderam. Eu estava teimosamente desengajado, impedido por um caso violento de DDA [Distúrbio de Déficit de Atenção] e um desejo insaciável de tocar música. Longe de ser um aluno modelo, tentei o meu melhor para manter o foco, mas acabei saindo da escola no meio do 3º ano do Ensino Médio para seguir meu sonho de me tornar um músico profissional (não recomendado). Deixei para trás inúmeras oportunidades. Até hoje, sou assombrado por um sonho recorrente de estar de volta àqueles corredores lotados, agora lutando para, aos 51 anos, me formar e acordar ansiosamente em uma piscina do meu próprio suor. Você pode tirar o garoto da escola, mas não pode tirar a escola do garoto! Então, sendo eu um evadido do Ensino Médio, você poderia imaginar que o debate atual em torno da reabertura das escolas quase nem apareceria no meu radar de rock and roller, certo? Errado.

Minha mãe era professora de escola pública.

Como mãe solteira de dois filhos, ela dedicou incansavelmente sua vida ao serviço dos outros, tanto em casa quanto no trabalho. Ela levantava antes do amanhecer para garantir que minha irmã e eu fôssemos banhados, vestidos e alimentados a tempo de pegar o ônibus, para depois corrigir trabalhos até altas horas da noite, o jantar esfriava; ela raramente teve um momento para si mesma. Tudo isso enquanto trabalhava em vários empregos para complementar o seu escasso salário anual de US$ 35 mil. Bloomingdale’s, Servpro, cursinhos pré-vestibulares, cursos preparatórios de Pós-gradução – ela até foi treinadora de futebol por uma bolsa de US$ 400, que financiou nossa primeira viagem em família à Nova York, onde ficamos no St. Regis Hotel e pediamos bebidas no famoso King Cole Bar para que pudéssemos comer os hors d’oeuvres [aperitivos] gratuitos que, de outra forma, não poderíamos pagar. Não é de surpreender que sua dedicação como mãe refletisse sua técnica como professora. Ela nunca quis apontar para uma lousa e recitar lições para as crianças memorizarem sem pensar, ela era uma educadora envolvente, investida no bem-estar de cada aluno que se sentava em sua classe. E com uma média de 32 alunos por turma, isso não era pouca coisa. Ela foi uma daquelas professoras que se tornou mentora de muitos, e seus alunos se lembram dela muito tempo depois de se formarem. Muitas vezes, ao esbarrar com ela no supermercado, começavam a recitar inteiramente “Júlio Cesar” de Shakespeare, fazendo um flashmob no meio do corredor de frutas. Não consigo contar quantos de seus ex-alunos que conheci ao longo dos anos ofereceram histórias da sala de aula de minha mãe. Toda criança deveria ter a sorte de ter aquele professor favorito, aquele que muda sua vida para melhor. Ela ajudou gerações de crianças a aprender a aprender e, como a maioria dos outros professores, demonstrou uma preocupação altruísta pelos outros. Embora eu nunca tenha sido seu aluno, ela sempre será minha professora favorita.

É preciso que se seja um certo tipo de pessoa para dedicar sua vida a esse trabalho difícil e muitas vezes ingrato. Eu sei porque fui criado em uma comunidade deles. Eu cortei a grama deles, pintei seus apartamentos e até mesmo fui babá de seus filhos, e estou convencido de que eles são tão essenciais quanto qualquer outro trabalhador essencial. Alguns até criaram estrelas do rock! Tom Morello, da Rage Against the Machine, Adam Levine, Josh Groban e Haim são todos filhos de trabalhadores da educação (com resultados esperançosamente mais gratificantes do que os meus). Ao longo dos anos, percebi que os professores compartilham um vínculo especial, porque não há muitas pessoas que realmente entendem seus desafios específicos – desafios que vão muito além de papel e caneta. Hoje, esses desafios podem significar vida ou morte para alguns.

Quando se trata da assustadora – e cada vez mais politizada – questão de reabrir escolas em meio à pandemia de coronavírus, a preocupação com o bem-estar de nossos filhos é fundamental. No entanto, os professores também enfrentam um novo conjunto de dilemas que a maioria das pessoas não consideraria. “Há muito mais a ser considerado do que apenas abrir as portas e enviá-las de volta para casa”, minha mãe me diz por telefone. Agora, com 82 anos e aposentada, ela faz uma lista de preocupações com base em seus 35 anos de experiência: “máscaras e distanciamento, verificações de temperatura, ônibus lotados, corredores lotados, esportes, sistemas de ar condicionado, lanchonetes, banheiros públicos, funcionários de zeladoria”. A maioria das escolas já sofre com a falta de recursos; como eles poderiam pagar a quantidade absurda de medidas de segurança que precisarão ser implementadas? E embora a idade média de um professor de escola nos Estados Unidos seja de 40 e poucos anos, o que os coloca em um grupo de menor risco, muitos outros professores de mais longa carreira, administradores, funcionários de lanchonetes, enfermeiras e inspetores são mais velhos e correm maior risco. O corpo docente de todas as escolas é uma porcentagem considerável de sua comunidade e deve ser protegido adequadamente. Só posso imaginar como me sentiria se minha mãe agora fosse forçada a voltar para uma sala de aula abafada e sem janelas. O que aprenderíamos dessa lição? Quando pergunto o que ela faria, minha mãe responde: “Ensino remoto, por enquanto”.

O ensino remoto surge, em si mesmo, com mais do que algumas complicações, especialmente para pais da classe trabalhadora e solteiros que estão lidando com o problema logístico de equilibrar empregos com crianças em casa. A disponibilidade desigual de materiais de ensino e acesso on-line, problemas técnicos e falta de socialização contribuem para uma experiência de aprendizado muito inferior ao ideal. Porém, o mais importante é que as aulas à distância supervisionadas pelos responsáveis, com um professor do outro lado, que fazem o possível para educar crianças distraídas que preferem usar telas para jogos e não para matemática, deixam perfeitamente claro que nem todo mundo com um laptop e uma lousa pode ser cotado para ser professor. Essa habilidade especializada é o fator X. Sei disso porque tenho três filhos e minha sala de aula remota está mais para “Welcome back, Potter” [série de streaming tv] do que para “Sociedade dos Poetas Mortos”. Como digo aos meus filhos: “Você realmente não quer que papai ajude, a menos que queira tirar um zero!” O ensino remoto é uma solução inconveniente e, esperamos, temporária. Mas, ainda que a orquestra de sem maestros de Donald Trump adoraria ver o país abrir prematuramente escolas com base em uma visão alegre (pergunte a um professor de ciências o que eles acham do comentário da secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, de que “a ciência não deve atrapalhar”), seria insensato fazê-lo à custa de nossos filhos, professores e escolas.

Todo professor tem um “plano”. Eles também não merecem um? Minha mãe teve que elaborar três planos de aula separados todos os dias (3 disciplinas distintas de língua inglesa), porque é isso que os professores fazem: eles fornecem a você as ferramentas necessárias para sobreviver. Quem está fornecendo as ferramentas para eles? Os professores dos Estados Unidos estão presos em uma armadilha, desencadeada por setores indecisos e conflitantes de liderança fracassada que nunca estiveram em sua posição e nunca, de maneira nenhuma, se enfrentaram com os desafios específicos que os professores enfrentam. Eu não confiaria no “secretário de Percussão dos EUA” para me dizer como tocar “Smells Like Teen Spirit” se ele nunca tivesse se sentado atrás de uma bateria. Então por que algum professor deveria confiar na secretária de Educação Betsy DeVos para dizer-lhes como ensinar, se ela nunca se sentou à frente de uma sala de aula? (Talvez ela devesse trocar pela bateria.) Até que você passe incontáveis dias em sala de aula, dedicando seu tempo e energia para se tornar aquele mentor para a vida toda de gerações de estudantes que não estão envolvidos, você deve ouvir aqueles que passam. Os professores querem ensinar, não morrer, e devemos apoiá-los e protegê-los como os tesouros nacionais que são. Pois sem eles, onde estaríamos?
Talvez nós possamos mostrar a esses incansáveis altruístas um pouco de altruísmo em troca. Eu o faria para o meu professor favorito. E você?

 
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