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ARGENTINA PARALISAÇÃO NACIONAL
A paralisação do 31M: um contundente pronunciamento nacional
Fernando Rosso

A medida teve uma adesão massiva nas entidades que convocaram e também nos governistas: O movimento operário e o DNA kirchnerista. Uma reconfiguração em curso no interior da burocracia sindical e a necessidade de uma esquerda combativa e dos trabalhadores.

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As vésperas desta nova jornada de paralisação nacional – o quarto que se produz sob o governo de Cristina Fernández -, prometiam que a medida seria contundente.
Mas uma coisa é a possibilidade e outra quando o feito golpeia com dureza sua realidade.

A greve deste 31M foi inicialmente convocada por 22 entidades do transporte. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA) opositoras, dirigidas por Hugo Moyano e Pablo Micheli e a “central” que responde a Luis Barrionuevo, transformou-a em uma paralisação nacional. A greve terminou convertida em um verdadeiro pronunciamento da classe trabalhadora de todo o país.

Alguns dirigentes oficialistas, como o próprio Antonio Caló (UOM), Secretário Geral da central que até agora respondia ao governo, haviam afirmado que as demandas “são legítimas” e declararam “liberdade de ação” a seus filiados. Com esta inovadora localização evidenciavam que a revolta também estava extendida entre sua base e tomavam distância de um governo que se nega sistematicamente a responder as demandas dos sindicatos.

Com a exceção dos inenarráveis Hugo Yasky (CTA governista) ou Néstor Segovia (sindicato do metro), nenhum dos dirigentes da central “oficialista” saiu a enfrentar publicamente a medida ou a fazer algum esforço para buscar vias alternativas para que seus filiados possam ir trabalhar. Algo muito parecido com “deixa rolar”, muito possivelmente frente à evidência de que suas bases se ausentariam igualmente.

Ainda que em fábricas como a Lear, que vem de uma luta emblemática, foi o piquete que garantiu que a fábrica não funcionasse. E em muitas fábricas e empresas foram as batalhas dadas pelo sindicalismo combativo, que garantiram a efetividade da greve.
A massiva adesão nos sindicatos que pertencem às centrais convocantes e a alta adesão que se produziu nas entidades que estão acoplados à CGT governista expressaram efusivamente um extendido mal estar, para além da justa reivindicação contra o imposto ao salário.

A paralisação total dos sindicatos do transporte público de passageiros, sobretudo dos motoristas da UTA e dos condutores de trens da Franternidade, foi decisiva para o êxito da medida de greve.

Mas como dissemos quando referíamos à jornada desde 31M: “a teoria da suposta ‘extorsão nacional’ imposta pela paralisação do transporte ou pelos piquetes, frente a supostos trabalhadores que estariam desesperados para chegar a seus trabalhos, caiu por seu próprio peso”.

O retrato desta nova paralisação sintetiza a situação geral que atravessa o movimento operário, tanto em termos estruturais como em sua experiência subjetiva.
Expressou-se não apenas as reivindicações daqueles que exigem acabar com o imposto sobre o salário, mas também o mal estar geral pela deterioração das condições de todos os assalariados, ainda que não haja uma situação econômica catastrófica ou de ataque generalizado à classe operária.

Manifestou-se a fadiga pela perda de poder aquisitivo que produz a inflação ou o perigo de que se percam os postos de trabalho produto do estancamento da economia, já que no último período houve uma queda sensível dos índices de emprego.

Mas além de tudo isso, se manifestou uma raiva acumulada nessa faixa de trabalhadores que sofrem duras condições de exploração e salários magros, essa metade da classe operária que ganha menos de $5500, como os metalúrgicos que se concentram nos cordões industriais de Rosario, Córdoba ou várias regiões do centro urbano de Buenos Aires, ou os milhares de contratados e terceirizados que existem na imensa maioria das empresas.

A nova jornada de paralisação nacional e as polêmicas que desatou deixaram em evidência também a fragmentação que existe na estrutura social da classe trabalhadora.

Por um lado, setores concentrados em multinacionais ou grandes empresas (mecânicos, petroleiros, trabalhadores do transporte e setores do sindicato de alimentação) que tem salários, em média, superiores ao conjunto dos trabalhadores.
Por outro, milhões de operários que trabalham em empresas, algumas grandes, outras médias ou pequenas, em condições de superexploração, precariedade e com salários miseráveis.

Esta situação é responsabilidade do Governo que, paradoxalmente, para rebater aos dirigentes que foram à paralisação, confessa que depois de 12 anos de administração mantém nestas condições a maioria da classe operária. Mas também é responsabilidade de todas as alas da burocracia sindical, começando pelo mesmo Moyano que foi um aliado estratégico do Governo até 2011, que endossou estas condições e hoje convoca uma paralisação limitada a reivindicação pelo imposto ao salário, com o objetivo adicional de trabalhar para um novo projeto político patronal que ainda não definiu (Macri, Massa, sem descartar Scioli).

A característica qualitativa desta nova jornada é que, apesar da divisão nas fileiras da classe trabalhadora, da limitação programática e dos métodos dos convocantes, a maioria dos trabalhadores do país aproveitou o chamado e se fez escutar.

Fez uma “ginástica” de suas forças na prática, o que levou a chegar a algumas conclusões depois da experiência de quatro paralisações gerais. Se em algum momento, quando o governo estava mais forte, amplos setores das bases operárias manifestavam dúvidas de participar em uma ação convocada por dirigentes que trabalham por seus próprios interesses, hoje se opta por ir a paralisação apesar da burocracia sindical. Assim também, setores cada vez mais amplos chegam à conclusão de que, com paralisações isoladas, sem preparação nem debate nas fábricas ou empresas, é difícil arrancar suas demandas.

Uma lição prática da necessidade de uma “frente única operária” foi imposta apesar de todas estas condições: golpear juntos e marchar bem separados. Assim explicou em uma entrevista para a TV Claudio Dellecarbonara, dirigente dos trabalhadores do metrô de Buenos Aires e membro do Secretariado Executivo da AGTSyP pela minoria.

Os piquetes do sindicalismo combativo e da esquerda expressaram nas ruas essa conclusão que está chegando a uma camada cada vez mais ampla da vanguarda operária.

A contundência da paralisação, no início do grosso das rodadas de votação paritárias e a resposta que deu o Governo ignorando a mensagem da jornada e inclusive acusando os trabalhadores que reclamam de “pouco solidários”; abre a possibilidade de um giro na situação que empurre a um salto nos conflitos, mesmo com a conjuntura eleitoral. Nessas circunstâncias se insere a ameaça de uma nova possível paralisação de 36 horas que Barrionuevo colocou abertamente e Moyano qualificou como “mais perto do sim que do não”.

O kirchnerismo e a “questão operária”

Na resposta que deu em cadeia nacional no La Matanza de terça feira à tarde, Cristina Fernández ratificou que sua aposta para o que fica de sua gestão e inclusive para o futuro é o enfrentamento com os trabalhadores filiados aos sindicatos. Foi destacada a ausência de dirigentes sindicais relevantes no ato e foi notório o ofuscamento da Presidenta com a paralisação. Desde a ruptura com Moyano, o kirchnerismo buscou refugiar-se e sustentar sua corrente política com base na combinação de uma militância juvenil pequeno-burguesa e concessões estatais às camadas mais pauperizadas da população.

Mas em um país como a Argentina lutar contra a classe operária, expressada distorcidamente na ruptura com a burocracia sindical, é como brigar com a história. Pode-se governar com a classe operária, inclusive em determinadas condições sem a classe operária, mas não contra a classe operária.

Mas por trás da posição no Governo de que está terminando, o kirchnerismo busca uma transcendência, seja como parte de uma futura coalizão ou diretamente fora do governo, à margem da classe operária organizada nos sindicatos. Este é o lado mais “FREPASO” (Nota do Tradutor: coalizão opositora ao neoliberal Menem, que depois se integrou ao governo igualmente neoliberal De La Rua) do kirchnerismo, o que mais o aproxima da experiência de centro-esquerda que acompanhou a débâcle da Alianza.
Até Menem tomou nota desta situação, e apesar de que seu governo avançou sobre todas as conquistas operárias que não haviam sido liquidadas pela ditadura, ele se encarregou de manter a aliança com os dirigentes sindicais traidores.

E Scioli, que nos últimos tempos vem posando de “cristinista”, saiu a defender Máximo Kirchner pelas acusações de corrupção do Clarín como um kirchnerista convencido, mas com respeito a paralisação atuou como um fiel representante do sciolismo e manteve um moderado silêncio.

A reconfiguração do poder dos sindicatos

A medida também evidenciou uma transição na reconfiguração dos dirigentes sindicais, tanto com respeito ao poder político como em sua relação de forças interna.
De conjunto, além de tentar conter o mal estar nas bases, foi uma mensagem a todos os que se candidatam como possíveis sucessores de Cristina.

As tendências a unidade que se expressaram nesta paralisação e inclusive nas “trocas de olhares” que se realizaram as diferentes frações (Barrionuevo “saudou” a Caló porque deixou em “liberdade de ação” a seus filiados), não garantem a “hegemonia” de Moyano, nem dos líderes dos grêmios industriais (UOM ou SMATA) que até agora estão subordinados ao governo.

A “estrela” de Moyano foi-se ofuscando desde que rompeu com o kirchnerismo e perdeu o respaldo político – ademais que as concessões econômicas que sua aliança com o Governo às garantiam. As fracassadas apostas políticas que fez logo de seu afastamento do oficialismo, também têm seu custo.

Por sua parte, Caló ou Pignanelli (SMATA) pagam o preço de ter mantido até o final com um governo que cada vez mais enfrenta os trabalhadores sindicalizados, somado ao feito da crise que vem atravessando as indústrias onde tem seus filiados.
Frente a eles, surge um novo polo nos estratégicos sindicatos do transporte (UTA e La Fraternidad), ausentes na coletiva de imprensa que deu Moyano e companhia e que pese que alguns de seus dirigentes têm simpatias com a Frente Renovador de Massa, se mostram com menos compromissos políticos e como fiéis representantes de um “neovandorismo” clássico (Nota do Tradutor: uma corrente sindical na história argentina ligada à oposição burguesa ao peronismo e à condução burocrática dos sindicatos). Este cenário abre um período de disputas no seio da burocracia sindical, logo das divisões destes anos, onde não está assegurada uma clara condução de nenhum dos dirigentes atuais.

Uma esquerda dos trabalhadores

A intervenção do sindicalismo combativo e de esquerda da FIT em geral e do PTS em particular, expressou nas ruas de todo o país uma alternativa tanto ao Governo como a limitada convocatória dos dirigentes burocráticos convocantes.

Os piquetes que foram mostrados por todos os meios nacionais, se realizaram sob as bandeiras das principais lutas que recorreram ao movimento operário no último período (Lear, Donelley, entre muitas outras) e com um programa que continha a demanda contra o imposto ao salário, mas que incorporou a luta por um salário ao nível do orçamento familiar de todos os trabalhadores, contra a precarização do trabalho e o trabalho sem carteira e direitos. E a defesa da democracia no interior dos sindicatos, quer dizer, que sejam os próprios trabalhadores os que decidam as reivindicações e as medidas, única forma de conquistar a unidade.

Mas ademais, se manifestou com independência política das variantes pro-empresariais para onde todas as frações da burocracia sindical querem arrastar o movimento operário.

A ratificação novamente nesta paralisação do peso decisivo que têm os sindicatos na realidade argentina reafirma a necessidade estratégica de recuperá-los das mãos da burocracia sindical. Uma tarefa para que o essencial seja uma política que permita organizar amplamente as bases operárias, mediante múltiplos meios, não só sindicais, se não também sociais e políticos.

Frente ao cenário imediato aberto pela paralisação e as votações paritárias, se impõe a exigência nos sindicatos de que as eventuais próximas medidas devem incorporar as demandas de todos os trabalhadores: terminar com o imposto sobre o salário, mas também lutar por um salário mínimo ao custo de um orçamento familiar, aumento do salário imediato de acordo com o aumento da inflação e acabar com toda forma de precarização ou terceirização do trabalho. Mas sobretudo, as medidas devem ser discutidas e votadas em assembleias e com o método da democracia operária, a única maneira de garantir um plano de luta unificado de toda a classe operária e uma possível aliança com os setores populares.

No marco de um ano de forte disputa política que se manifestará nas múltiplas eleições que já estão em curso nas províncias e a nível nacional, esta luta na classe operária estará intimamente ligada as batalhas eleitorais para fortalecer e desenvolver a alternativa política expressada na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores.

 
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