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ENSINO REMOTO
Entre as ameaças de Weintraub e o ensino remoto: um debate sobre as universidades na crise
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG

Muito se tem debatido sobre a necessidade de implementação do ensino remoto nas universidades diante das consequências da Covid-19. Ao mesmo tempo que o ministro da educação ameaça as universidades públicas ele também está no epicentro da crise política no país. Com esse texto abrimos um debate sobre o papel das universidades diante desse cenário.

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Com a chegada do novo coronavírus no Brasil, diversas universidades deixaram de realizar atividades acadêmicas presenciais buscando garantir as recomendações de segurança sanitária no combate à pandemia. Naquele momento, o semestre letivo estava apenas no seu início e como forma de se adaptar a esse “novo normal” as universidades privadas seguidas pela USP, Unicamp e algumas universidades públicas passaram a implementar de forma absolutamente autoritária um sistema precário de ensino à distância, que denominaram de “ensino remoto” como forma de mascarar o nível de precarização que chegamos. Importantes universidades brasileiras como UNB, UFF, UFMG, UFRJ, UERJ e UFRGS reúnem mais de 210 mil estudantes e ainda não implementaram oficialmente esse sistema de ensino remoto, mas vêm debatendo como implementarão o retorno gradual às atividades acadêmicas.

Para muitos estudantes a quarentena tem sido um momento difícil, crises de ansiedade, aumento das doenças psicológicas, além da própria Covid-19, dificuldades de se manter em casa com a família ou diretamente sem nenhuma garantia para fazer isolamento social, pois são obrigados a trabalharem para não morrer de fome, em empregos cada vez mais precários e sem direitos. Cortes de salários e demissões, como as que a Latam está promovendo agora, tem sido mais uma ameaça para milhares de famílias em todo o país. Enquanto batemos a triste marca de segundo país com mais mortes por coronavírus, mesmo diante da enorme subnotificação, vemos também a falta de perspectiva no controle da pandemia. Por um lado, Bolsonaro apoiado pelos militares segue com sua política negacionista e desprezível que só se importa com os CNPJ dos empresários. Por outro, aqueles que se separavam do bolsonarismo em relação a como combater o coronavírus, como o STF, Dória, Witzel e outros governadores, sempre se alinharam sob os interesses dos empresários para atacar a classe trabalhadora e o povo pobre, e para definirem a reabertura da economia sem testes massivos, EPI para todos, leitos e hospitais que possam atender a demanda. A juventude negra é assassinada pela violência policial, como foi com Gabriel, Guilherme, João Pedro e tantos outros. Ou com o emblemático caso de Miguel, que com apenas 5 anos caiu do 9º andar do prédio devido ao descaso da patroa, enquanto sua mãe era obrigada a trabalhar como empregada doméstica.

Se por um lado, o Ministério da Educação avança para ser cada vez mais um aparato ideológico dos seguidores do reacionário astrólogo Olavo de Carvalho, por outro, como resultado das disputas autoritárias entre Bolsonaro e o STF, Weintraub pode ser demitido. Mas como reconhece a própria Folha de São Paulo, que vem pedindo a demissão do ministro, o MEC deverá continuar sob influência ideológica olavista com ou sem Weintraub (https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/06/mec-devera-continuar-sob-influencia-ideologica-olavista-com-ou-sem-weintraub.shtml). Ou seja, se queremos de fato lutar contra esse projeto de educação do qual Weintraub é um dos mais abjetos representantes é preciso irmos mais além do que esperar que as disputas entre Bolsonaro e o STF derrubem o ministro.

A absurda medida provisória que propunha a possibilidade de intervenção do MEC nas universidades nomeando interventores autoritariamente não foi levada adiante, mas é um claro recado das intenções do projeto de educação que esse governo pretende não só implementar, mas deixar como legado para as gerações futuras. Nesse sentido não podemos confiar que das mãos desse judiciário golpista, que juntamente com Bolsonaro, Maia e o congresso implementaram a EC do Teto dos Gastos Públicos, congelando o orçamento da saúde e educação, e aprovaram as nefastas reforma trabalhista e da previdência, poderá vir um projeto mais “democrático de educação”.

A própria implementação do ensino remoto é uma chantagem que o MEC vem fazendo abertamente contra as universidades públicas, ao ameaçar cortar as já escassas verbas que têm sido destinadas a educação se as instituições não implementarem essa modalidade de ensino. Mas também parte de uma projeto de precarização da educação que também foi implementado durante os governos petistas, onde criou-se grande monopólios do ensino privado e ampliou-se as universidades federais com abertura de precários cursos a distância. Sabemos como as consequências do vírus trazem muitas instabilidades, já se passaram três meses desde que as atividades presenciais foram suspensas e quando pensamos no futuro a possibilidade de uma vacina ou remédio ainda levará um tempo considerável para poder ser utilizada no combate à pandemia. Mas estamos longe de uma suposta normalidade como querem nos impor o MEC e os bolsonaristas, que desdenham da dor das famílias que perderam seus entes queridos, e daqueles que além do vírus temem a fome, o desemprego e a miséria.

O debate sobre o ensino remoto nas universidades públicas trás a tona a discussão sobre a permanência estudantil que já era um grande problema para os estudantes antes mesmo da pandemia, como muito bem relatou Flávia Teles no artigo “Permanência estudantil: a luta contra o segundo filtro de exclusão do ensino superior” (http://www.esquerdadiario.com.br/Permanencia-estudantil-a-luta-contra-o-segundo-filtro-de-exclusao-do-ensino-superior). Num país em que falta água potável para 31 milhões de pessoas, onde 30% dos domicílios não têm acesso a internet, e a ampla maioria da outra porcentagem que possui esse acesso é em condições muito insuficientes para atender as necessidades básicas que um ensino desse tipo exigiria, o debate sobre como garantir as condições de acesso e qual a função das universidades nesse momento deveria como mínimo ser uma decisão democrática de toda comunidade universitária, estudantes, professores e funcionários efetivos e terceirizados.

Todos deveriam poder decidir sobre o funcionamento e os rumos da universidade diante das incertezas que temos pela frente. Seja criando comitês especiais, fóruns de discussão ou realizando plebiscitos essa decisão não deveria se concentrar nas mãos das reitorias e da burocracia universitária, que pressionada pela chantagem do MEC e pelos seus próprios interesses, pode decidir arbitrariamente mesmo contra a realidade da maioria dos estudantes, professores e funcionários. Nos lugares onde se implementou esse sistema remoto o relato é uma enorme precarização no trabalho dos docentes, que se viram obrigados a reformularem seus cursos e adaptaram todo conteúdo para um formato virtual em pouquíssimo tempo. E muito desgaste, frustração e dificuldades por parte dos estudantes que foram obrigados a adotar o ensino à distância, isso quando não tiveram diretamente que cancelar seu semestre e trancar matérias, pois estavam impossibilitados de seguir.

Como muito bem argumentou o professor da Faculdade de Educação da Unicamp, Lalo Minto, “o que tem sido implementado como EaD, quase sempre, é um tipo de ensino precário” (http://www.esquerdadiario.com.br/Lalo-Minto-O-que-tem-sido-implementado-como-EaD-quase-sempre-e-um-tipo-de-ensino-precario) e essa forma nova de adaptação dos currículos das universidades para se adequar a esse “novo normal” em meio a uma pandemia sem precedentes na história da humanidade é um perigoso caminho para aprofundar os ataques e um projeto de educação cada vez mais voltados aos interesses das grandes empresas. Basta ver que uma das alternativas buscadas para resolver o problema do acesso pelos estudantes é tentar parcerias com empresas privadas que possam ser doadoras de computadores e planos de internet para os estudantes. Um caminho que já foi muitas vezes apontado pelos mais odiosos bolsonaristas e até mesmo por políticos do PT, como uma solução para o problema da falta de financiamento na educação pública.

Na contramão desse projeto de precarização da educação, que literalmente fecha os olhos para a dramática situação do país, especialmente dos negros e pobres, queremos debater como as universidades poderiam se voltar totalmente a serviço do combate à pandemia. Qualquer discussão sobre a retomada das atividades acadêmicas deveria em primeiro lugar, passar por um amplo processo verdadeiramente democrático, no qual estudantes, professores e funcionários possam decidir como, quando e de que forma seria o retorno das atividades acadêmicas. Colocando as faculdades da saúde lado a lado com os trabalhadores da linha de frente do combate a pandemia, mas também com os institutos dea área de ciências biológicas buscando vacinas e remédios no combate a Covid-19, produzindo testes massivos para população. Com os das ciências humanas buscando auxiliar a população com as consequências sociais dessa epidemia, os de arquitetura planificando como as moradias podem ter acesso a saneamento básico, as faculdades de engenharia produzindo respiradores e leitos, planejando junto com os trabalhadores das indústrias como podemos reconverter a produção auxiliar no combate ao vírus. Os das artes podendo produzir obras para toda população, ampliando o papel que a arte e a cultura vem tendo durante essa pandemia em aliviar e tornar mais suportável uma situação tão difícil como essa. Tudo isso seria possível com as universidades e ao lado da classe trabalhadora, a única verdadeiramente essencial, pensando as mais diversas e criativas formas de responder a essa crise. As possibilidades são inúmeras e somente num sistema tão irracional como o capitalismo é que se pode conceber o absurdo de que em meio a uma das mais profundas crises que a humanidade já enfrentou, todo conhecimento que possuímos fique preso e destinado somente aos interesses de uns poucos, enquanto milhões sofrem com as mazelas criadas por esse sistema.

Mas muitos se perguntam como teremos força para conquistar tudo isso? A resposta salta aos olhos quando vemos a fúria negra que irrompeu no coração do principal país imperialista do mundo e se alastrou por todo planeta numa potente luta antirracista, que une negros, brancos, asiáticos, árabes, latinos, mostrando a força de uma geração de jovens para qual o capitalismo só reserva misérias, e deixando em pânico a classe dominante. A força dessa juventude, que no país mais negro fora do continente africano pode se revelar ainda mais potente na unidade entre negros e brancos, é a força da juventude que ano passado promoveu um verdadeiro tsunami contra o governo Bolsonaro, que está nos atos antirracista e antifascista, na luta por justiça por cada vida negra levada pelas balas da polícia, nas mobilizações dos entregadores de aplicativos e paralisação que eles estão convocando no próximo dia 1 de julho, trabalhadores que são em sua maioria jovens negros que foram impedidos de entrar nas universidades pelo filtro social do vestibular. Uma aliança profunda entre os estudantes e a classe trabalhadora para superar as burocracias sindicais e estudantis da CUT, CTB, UNE e Ubes, que dirigidas pelo PT e PCdoB estão em plena quarentena diante dos ataques, alimentando ilusões de que o STF golpista irá resolver nossos problemas de forma “democrática”, enquanto se preparam para canalizar nossa revolta nas urnas. Precisamos retomar nossas entidades como ferramentas de organização, superando essas burocracias que hoje são um verdadeiro entrave para que possamos nos mobilizar contra esse governo e as misérias da crise capitalista. Por isso, também fazemos um chamado a todas as correntes de esquerda para lutarmos em unidade contra o ensino remoto nas escolas e universidades, coordenando também nossa luta antirracista e antifascista pelo Fora Bolsonaro e Mourão. O que em nossa visão passa por defender também uma assembleia constituinte livre e soberana, onde possamos debater todos os grandes problemas do país, buscando uma solução de fundo que mude não somente as regras do jogo, mas também os jogadores. Essa batalha é parte das lutas cotidianas que construímos desde a Faísca Anticapitalista e Revolucionária e do Quilombo ermelho Luta Negra Anticapitalista em cada entidade, escola, universidade e local de trabalho que atuamos.

 
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