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MILITARES
Militarização da Saúde não é interina, mas definitiva. O que querem os militares na pasta?
Yuri Capadócia

Não importa quem Bolsonaro finalmente nomeará. Um processo já é irreversível na área, a militarização da saúde. Se no passo anterior os ministros militares atuaram para incidir na nomeação do ministro, agora se anteciparam cercando todo o entorno de militares. Com a conivência a alteração do protocolo da cloroquina, militares mostram que prevalecerá decisões políticas e não técnicas.

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Sem nem ao menos completar um mês no comando da pasta, Nelson Teich pediu demissão do cargo de ministro da saúde. A saída do substituto de Mandetta abre espaço para um terceiro ocupante do cargo apenas no curto espaço de tempo da pandemia, quando o ministério passou a ocupar um papel central. O que de início foi tomado como mostra da crise política do governo, da sua debilidade, deu lugar ao fortalecimento de seu principal esteio: os militares.

Durante a própria passagem curta de Teich alguns militares haviam sido nomeados. Dentre eles o atual comandante interino da pasta, o general Eduardo Pazzuello, que já ocupava o cargo de número 2 do ministério e ascendeu a sua chefia. Numa mostra de como a saída de Mandetta não se deu sem um acordo costurado com os militares. Não que Mandetta fosse avesso aos militares, ou vice versa. Pelo contrário, os militares sustentaram enquanto possível a manutenção de Mandetta, que só saiu após queimar definitivamente todas as pontes com Bolsonaro. Daí em diante a presença e tutela militar só se expandiu na área. Nesta semana, na terça-feira Pazuello nomeou 9 militares para a área, e hoje mais 4 militares.

Não importa quem Bolsonaro finalmente nomeará. Um processo já é irreversível na área, a militarização da saúde. Se no passo anterior os ministros militares atuaram para incidir na nomeação do ministro, agora se anteciparam cercando todo o entorno de militares.

Uma militarização que ocorre em detrimento do conhecimento técnico e científico primordial que deveria estar pautando as decisões nesse momento de crise sanitária, como vimos no dia de hoje ao ministro interino alterar os protocolos de utilização da cloroquina, incluindo pacientes com casos leves. Aqui não está em debate a efetividade do tratamento com a droga, que justamente é um debate científico e controverso, que ainda carece de evidências científicas sólidas para atestar sua efetividade, sendo porém comprovados os graves efeitos colaterais de seu uso. Motivos pelos quais nenhum outro país adotou um protocolo tão amplo quanto Bolsonaro impôs com a anuência dos militares.

A conivência dos militares a essa postura anticientífica de Bolsonaro não é novidade no histórico da instituição, que tem sua própria cota de negacionismo no combate a epidemias. Assim como, Bolsonaro briga com os fatos e os dados para minimizar a gravidade e letalidade da ação do vírus no país, em plena Ditadura Militar durante o pior surto de meningite de nosso país, nos anos 70, a ditadura ocultava dados da população, censurando reportagens que considerasse alarmistas. Tempos saudosos para Bolsonaro que devem deixá-lo salivando de vontade de contar com esse poder de censurar dados e notícias que dia a dia expõem a brutalidade da expansão da COVID-19 com recordes atrás de recordes.

O período epidêmico da meningite no país durou de 1971 a 1976. Apenas em 1974 o governo militar admitiu a existência da epidemia, quando sete Estados totalizavam 67 mil casos - 40 mil deles só em São Paulo. Nesse momento foram tomadas medidas como suspensão das aulas. A ditadura, em pleno contexto do “milagre econômico” não queria arcar com os custos do combate consequente a uma epidemia, preferindo deixar que pessoas pagassem suas vidas. Como de fato ocorreram, a edição de 30 de dezembro de 1974 do jornal O Globo divulgou que, só naquele ano, a epidemia deixou um saldo de 111 mortos no Rio Grande do Sul, 304 no Rio de Janeiro e 2,5 mil em São Paulo. Como as transmissões se deram das periferias para o centro das cidades, apenas quando os ricos começaram a morrer é que houve o forçoso reconhecimento por parte da Ditadura.

Como vemos, Bolsonaro em seu discurso de privilegiar a economia, respondendo “E daí?” para as milhares de mortes, não se afasta da tradição militar de como lidar com epidemias. Essa é a expertise que vai se infiltrando e se consolidando no comando da Saúde. O próprio Pazuello tido no Exército como um “gestor de crises”, tem sua expertise ligada à área de logística, e conta no currículo com o comando da xenofóbica Operação Acolhida em Roraima contra os emigrantes venezuelanos, assim como o recém nomeado número 2 da pasta, o coronel Antônio Élcio Franco Filho, que também atuou na intervenção federal no estado.

O movimento particular na pasta da Saúde é um espelho do movimento geral no governo Bolsonaro, de fortalecimento dos militares. Isso visto sob todos os ângulos: “por cima”, com os generais nos principais cargos palacianos, culminando com Braga Neto na figura de chefe do gabinete de crise articulando todos os ministérios; “por baixo”, com um número aproximado de 3 mil militares em cargos do governo. Mesmo a contrapartida recente desse movimento, a substituição de alguns nomes militares por nomeados do centrão, na jogada de Bolsonaro para ganhar base no Congresso e afastar o impeachment, se deu em acordo com os militares, com o general Luiz Eduardo Ramos comandando as negociações.

Cada nova crise fornecida por Bolsonaro parece terminar por fortalecer a ala militar do governo, que precisa aumentar seu aval em torno de Bolsonaro. Porém, o que por outro lado vai arrastando e vinculando cada vez mais às Forças Armadas ao governo Bolsonaro. A separação que se fazia entre setores da ativa e setores da reserva vai ficando mais borrada. Mas até que ponto os militares estarão dispostos a aprofundar o seu apoio a um governo que se enreda cada vez mais em crises? Eis a questão que a oposição ampla não apenas se faz como aposta, apelando para os militares romperem com o presidente e abrirem caminho para o impeachment.

Uma aposta que ignora todo o restante do processo de militarização e terminará por coroar esse processo, colocando na cabeça do governo o general Mourão. Contra essa perspectiva que nos somamos àqueles que desde já levantam a consigna do Fora Bolsonaro e Mourão, propondo inclusive que se constitua uma coordenação entre as organizações de esquerda por essa agitação.

Mas não basta parar por aí, contra a militarização do governo, é preciso mostrar que são os trabalhadores que têm de decidir, começando pelos trabalhadores da saúde que esses sim deveriam estar a frente dos operativos de combate do coronavírus, decidindo a partir de sua expertise como organizar essa batalha e não os militares, colocando a prioridade nas demanda imediatas por EPI’s para todos os trabalhadores essenciais, disponibilização de leitos de UTI, e realização de testes massivos, por um sistema único de saúde sob controle dos trabalhadores. Um programa emergencial que poderia se materializar através de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que imposta pela luta, poderia batalhar por esse programa emergencial de combate a crise, juntamente com outras medidas como a liberação remunerada dos trabalhadores das atividades não essenciais, a proibição das demissões; e um auxílio emergencial de R$ 2 mil, além da reconversão industrial daqueles setores que nesse momento poderiam estar produzindo insumos e equipamentos para salvar vidas. Um programa para que sejam os trabalhadores a decidir e não a pagarem pela crise.

 
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