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CRISE EUROPEIA
Imperialismo Europeu em Crise: Esfacelamento, Coronabonds ou Classe Trabalhadora?
Caio Reis

Com o estouro da pandemia do Coronavírus pelo mundo, a economia da Europa vê a aceleração das tendências deixadas pela crise de 2008 - nunca inteiramente resolvidas. A desaceleração do crescimento econômico no continente e as pressões políticas centrífugas ganham um novo nível com a atual crise, colocando em dúvida a coesão do bloco europeu. Qual será o futuro da UE?

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FOTO: MODERN DIPLOMACY

A rápida sucessão dos catastróficos acontecimentos dos últimos meses tem exposto a debilidade da suposta unidade e do multilateralismo da União Europeia. Convenientemente deixando de lado seus objetivos de "incrementar a coesão econômica, social e territorial e a solidariedade entre os países da UE", o bloco abandonou os países imediatamente atingidos pelo vírus, em uma "retirada nacionalista" diante do colapso de seus sistemas de saúde e da morte de milhares. Agora as grandes potências e o conjunto do bloco se vêem diante dos novos desafios à coesão interna e em meio ao turbilhão dos acontecimentos.

Foi sintomática a reação do bloco diante da situação italiana em suas primeiras semanas de terror, fechando (em vão) as fronteiras ao trânsito de pessoas e suspendendo a exportação de equipamentos médicos e EPIs ao país que mais necessitava no momento. Até mesmo o pedido italiano para acionar o fundo europeu de proteção civil, que possui mais de €500 bilhões, foi ignorado. Apesar de algumas singelas demonstrações de solidariedade póstumas, as ações no calor da crise são sintomas que expressam não só uma falta de coordenação da UE, mas a predominância de ações no âmbito da preservação individualista dos interesses nacionais, principalmente de suas grandes potências. O já enfraquecido multilateralismo europeu se vê ameaçado pela doença de suas próprias contradições internas frente à crise sanitária, a crise econômica e a luta por mercados internacionais.

Na origem, mais do que um erro de política externa das potências

Diferente do que buscam muitas narrativas, ao atribuir ao vírus ou a outros elementos singulares (como a queda nos preços do petróleo ou a disputa comercial entre EUA e China) as assustadoras tendências recessivas mundiais, essas tendências já se colocavam no tabuleiro mundial a partir da fraca recuperação econômica pós-crise de 2008. Essa crise estrutural não-resolvida e o estancamento relativo das economias tiveram relevância central nos giros nas relações interestatais no último período, o que se agrava em meio aos eventos recentes, como catalisadores de uma reação já em curso.

Tomemos o exemplo da última crise. Nos já aparentemente distantes anos da década passada, as crises sociais abertas pelo colapso de 2008/9 e as abertas pelas políticas de recuperação que levaram a cabo o Banco Central Europeu e os governos do continente, deram impulso ao fortalecimento de personalidades, partidos e organizações de caráter xenófobo e soberanista na Europa, fato marcado, por exemplo, pelo ressurgimento de partidos de alinhamento fascista e pelo destaque de políticos como Salvini e Orban, assim como recentemente por Boris Johnson e o Brexit. Os gigantes empréstimos concedidos pelo BCE, FMI e a Comissão Europeia (a tríade da chamada troika) aos países europeus arrasados pela crise, como Itália, Grécia ou Espanha - e seus subsequentes endividamentos - demandaram em contrapartida a aplicação de brutais pacotes de reformas, ajustes fiscais e privatizações por parte dos governos destes países. Foi notório o caso grego: enquanto amargava o aumento da crise da dívida pública, foi vítima da política imperialista - em particular por parte da Alemanha - que reafirmou-se na cena europeia. O multilateralismo e a integração significavam que os capitalistas das grandes potências europeias teriam de bancar a crise dos países "do sul", o que nunca estiveram dispostos a fazer. Se tais ataques já não haviam suficientemente mostrado seu preço de lá pra cá, novamente se colocam diante dos olhos no colapso dos sistemas de saúde e na ausência de uma infraestrutura básica para supressão da contaminação pelo coronavírus.

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Déjà vú, só que pior

Agora, em meio à catástrofe pandêmica, as políticas tomadas pelos Estados e bancos centrais tem sido majoritariamente voltadas para salvar e garantir os lucros capitalistas. Bilhões de euros em linhas de crédito estão sendo disponibilizados para que os governos possam garantir o resgate de suas empresas, enquanto uma parcela mínima será direcionada aos trabalhadores e setores mais atingidos pela economia em queda-livre. Mas a situação atual é distinta da de 2008. De lá pra cá, o endividamento mundial atingiu 322% do PIB global, um valor que tende aumentar com os pacotes de "auxílio" que vêm sendo liberados ao redor do mundo, pacotes muito superiores aos do pós-2008. O alto índice de endividamento contraído por empresas e Estados na última década promete encontrar seu agravante nas atuais injeções trilionárias de capital. Países já afetados pela crise das dívidas, como a Itália, se encontrarão em uma situação muito mais grave que a experimentada após a última crise, na medida em que todas as variáveis em jogo arremessam as economias europeias (e mundiais) em uma recessão sem precedentes. A liberação de crédito, longe de uma ajuda solidária das grandes instituições financeiras para salvar as populações afetas pela crise sanitária, tenderá a cobrar seu preço ao ter como prioridade o grande capital empresarial e financeiro - não as necessidades urgentes da população - e ao afundar ainda mais as economias endividadas e predar sobre suas populações com a exigência de mais ajustes neoliberais.

O capitalismo europeu convulsiona por uma saída, com ou sem UE

Esse cenário coloca a própria existência da União Europeia em cheque. As políticas de um novo giro econômico nacionalista tenderão a elevar as contradições internas da zona do euro, aumentando perigosamente o déficit fiscal de países como Itália, Espanha e França, enquanto a Alemanha e os países do norte permanecerão com dívidas manejáveis. Mas as soluções alternativas não são fáceis, e medidas multilaterais de combate à crise podem comprometer o capital e os mercados das potências europeias, possivelmente preparando o terreno para serem engolidas pela ofensividade de outras potências em disputa econômica e geopolítica aberta, principalmente Estados Unidos e China.

O protecionismo das economias nacionais e a busca competitiva pela auto-afirmação na economia continental e mundial, implicam que as potências da Europa devam perseguir os seus próprios interesses e - principalmente - os de suas grandes empresas. Tanto dentro quanto fora do continente, isso significa patrolar as economias débeis no caminho em busca de seus mercados. Os resultados dessa disjuntiva já ganham formas iniciais nas consequências da crise italiana, com 67% da população do país agora majoritariamente questionando a permanência na União Europeia.

É nesse cenário de esfacelamento do multilateralismo em que começam a ressurgir velhas propostas burguesas para a União Europeia, com os novos (mas nada originais) "coronabonds". Com medo de uma possível dissolução da UE e das consequências do agravamento de crises sociais pelo continente (revoltas e revoluções), até mesmo velhos defensores da "responsabilidade fiscal de cada país" como Michael Hüther passaram a propor "a disseminação dos custos da crise o mais amplamente possível", como um sinal da unidade do bloco econômico. Hüther e outros economistas, assim como 9 países da zona do euro, propõem a criação de um fundo coletivo de combate à crise, aporte que beneficiaria principalmente os países mais pobres e mais afetados pelo vírus, no sul do continente, às custas das economias mais fortes.

Como era de se esperar da Alemanha do "schwarze Null" - política de restrição fiscal estrita defendida por Angela Merkel - a maior economia da Europa vem se opondo, como há 9 anos atrás, ao projeto. Essa posição vem sendo amplamente questionada, tanto pela oposição, quanto pelos próprios partidários de Merkel. Recentemente o país anunciou um plano emergencial de €150 bilhões, em uma ruptura histórica com o schwarze Null e em defesa da utilização da "bazuca" do tesouro alemão para salvar suas próprias empresas. A vida ou a morte da UE no futuro próximo pode estar nas mãos da terceira maior economia do mundo para decidir: sacrifício parcial em prol de uma unidade e estabilidade no continente, arriscando-se em meio ao mar da competição global, ou a defesa dos interesses da burguesia alemã e a agudização da crise da União Europeia. Um impasse que, por hora, se encontra sem resposta, mas que possui pressões empurrando para os dois lados. O capitalismo alemão vem sendo profundamente debilitado pelo colapso econômico e pelas consequências do confronto entre EUA e China - em que a Alemanha se tornou o principal perdedor - assim como vem sendo profundamente ofuscado pela predominância dos dois países nos setores de ponta da indústria de alta tecnologia.

O verdadeiro medo da burguesia europeia é a classe trabalhadora

Por outro lado, é altamente perigoso à burguesia europeia a abertura de um possível confronto no terreno da luta de classes no futuro próximo, tendência que já se revela nas jornadas de greve na Itália e nos crescentes confrontos nas fábricas francesas, onde os trabalhadores se negam ao absurdo de trabalhar para fabricar produtos não-essenciais em meio à pandemia e em condições de propensão à contaminação pelo vírus. "Os gerentes têm o direito de home office e nós temos o direito de morrer", se escuta no chão de fábrica de todo o continente, a medida em que os empresários reiniciam a produção mesmo com a pandemia sem resolução. O ódio de classe dos de cima reverbera nos de baixo, e amplos setores de base se mobilizam contra os abusos patronais, muitas vezes surpreendendo e passando por cima das direções dos seus sindicatos. São exemplos de luta e organização dos trabalhadores que vêm se espalhando pelo continente, contra os desejos dos que querem preservar seus lucros a qualquer custo.

 
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