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USP: Cronicamente Inviável?
Jorge Luiz Souto Maior
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Do filme “Cronicamente Inviável”, do diretor Sérgio Bianchi, extrai-se a mensagem e que as formas de dominação das relações sociais no Brasil teriam construído um sentimento cultural de que não basta explorar pessoas, há que se maltratá-las.

A Universidade de São Paulo, segundo as diretrizes adotadas por suas últimas administrações, parece querer fazer escola dessa lição, pois se já não bastassem a preservação de uma estrutura autoritária, a repressão sobre estudantes, professores e servidores, com vigilância, catracas, sindicâncias e até espionagens, a negação ao diálogo, a redução drástica do quadro de servidores, o desrespeito aos direitos de sindicalização e de greve, o incentivo à privatização por meio de fundações e apelo à terceirização, fazendo vistas grossas à Constituição, e o desestímulo à carreira docente de dedicação integral à universidade, chegou-se agora ao ponto da explicitação de uma violência gratuita, que só se explica mesmo a partir da noção explorada no filme referido.

Ora, os trabalhadores dos bandejões da USP vinham há muito denunciando as péssimas condições de trabalho a que são submetidos. As condições adversas de trabalho nos restaurantes da USP, segundo relato de Marcello Pablito, diretor do Sintusp e trabalhador do restaurante da Física , têm deixado um legado de lesões. Registra que quase 45% dos trabalhadores dos restaurantes, da capital e do interior, têm restrições médicas devido a lesões causadas pelo trabalho exaustivo e repetitivo. Aduz que os trabalhadores repetem até 12 mil vezes o mesmo movimento por semana; manipulam toneladas de carne, arroz, feijão e verduras; trabalham em ambientes com temperaturas elevadíssimas, vapor constante, sem falar do assédio das chefias. Relata, ainda, a ocorrência de inúmeros casos, diários, de queimaduras, cortes e outros acidentes. Afirma, por fim, que os trabalhadores sofrem com tendinite, bursite, hérnias de coluna e cada vez mais estão adoecendo psicologicamente com sintomas de depressão, síndrome do pânico, surtos de choro e ansiedade, pois não suportam o ambiente de trabalho, sendo que outros tantos já fizeram cirurgias nos pulsos e carregam pra sempre essas cicatrizes.

A situação, aliás, é notória. Basta ir a um restaurante da USP para presenciá-la.

Pois bem, diante de tudo isso, no dia 18 de setembro, os servidores dos restaurantes Central e Física, aderindo ao dia de luta da classe trabalhadora contra os ataques do governo e dos patrões, decidiram paralisar as atividades, para exigir do superintendente da SAS (Superintendência de Assistência Social) a adoção de melhores condições de trabalho e mais contratações de servidores.

E o que fez o administrador da USP? Dialogou com os servidores, de modo a procurar atender a sua justa reivindicação? Nada disso. Ao contrário, cortou o ponto desses trabalhadores...

Assim, para o administrador da USP assiste-lhe o direito de submeter pessoas a condições desumanas de trabalho, direito este, inclusive, que vem acompanhado do direito de punir aqueles que se rebelarem contra a situação. Ou seja, pensa o administrador que teria não apenas o direito de explorar o trabalhador em condições desumanas, mas também o de maltratá-lo, punindo-o no caso de algum tipo de rompante de dignidade.

O Direito do Trabalho, no entanto, não corrobora a visão do administrador da USP.

Ora, quando se interrompe o trabalho para garantir a integridade física e moral ameaçada pela própria condição de trabalho não se está falando, propriamente, de greve e sim de ato de resistência, que, nem em tese, portanto, depende do atendimento dos requisitos da Lei n. 7.783/89, mesmo em atividades consideradas essenciais, porque a condição humana está acima de qualquer outro valor.

A Constituição brasileira, ademais, fixa como princípios fundantes da República a proteção da dignidade humana e o valor social do trabalho e (art. 1º, incisos III e IV).

Assim, o Direito não exclui, antes protege, o exercício da autodefesa dos trabalhadores em face de direitos fundamentais ameaçados, vez que esta é a parcela mínima da dignidade humana. Bastante esclarecedora, aliás, a explicação de Márcio Túlio Viana, no sentido de que o oposto a uma garantia concreta ao direito de resistência é a submissão, que é sinônimo de dignidade perdida .

Portanto, diante de um ato legítimo de resistência, marcado pela negação de continuar trabalhando em condições adversas à saúde, não pode, de forma alguma, o empregador cortar salários, vez que isso representaria a negação da condição humana dos trabalhadores, além de constituir uma espécie de “salvo-conduto” ao descumpridor de direitos fundamentais, valendo lembrar que mesmo na esfera jurídica contratual civilista uma parte não está obrigada a cumprir a sua obrigação se a outra deixar de cumprir a sua, que é antecedente, conforme inscrito na cláusula pressuposta do “exceptio non adimpleti contractus”.

Podia, portanto, terminar esse texto, explicitando a urgência do administrador da USP em reverter a ilegalidade cometida, mas isso parece muito pouco dada a demonstração de que a vontade reiteradamente revelada pelo administrador é a de maltratar pessoas e essa sua intenção é imprópria ao cargo ocupado, até porque faz sugerir ao público em geral que a USP como um todo se transformara em um local cronicamente inviável.

1 http://www.esquerdadiario.com.br/Doentes-e-sem-salario-assim-sao-tratados-os-trabalhadores-do-bandejao-da-USP, acesso em 15/10/15.

 
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