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LEGALIZAÇÃO DO ABORTO
Sem direito ao aborto ou à maternidade: a realidade das mulheres negras no capitalismo
Grazieli Rodrigues
Professora da rede municipal de São Paulo

O dia Latino Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto, 28 de setembro, coloca na ordem do dia refletir sobre a realidade de que a quatro mulheres mortas por aborto clandestino no Brasil, três são negras. O mesmo Estado que permite que sigamos morrendo ao não legalizar o aborto, também nos nega o direito à maternidade.

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O mesmo Estado que permite que sigamos morrendo ao não legalizar o aborto, também nos nega o direito à maternidade, como vemos através da contínua execução das crianças e da juventude negra, tendo como exemplo mais recente a menina Ágatha Félix (RJ),de apenas 8 anos, que foi executada há exatamente 8 dias; e também através da precarização de nosso trabalho, recorrentemente terceirizado, onde se quer podemos ver nossos filhos crescerem.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o aborto está entre as 5 principais causas de morte materna no Brasil. E segundo a PNA 2016 (Pesquisa Nacional de aborto), aos 40 anos de idade cerca de 1 em cada 5 mulheres já realizou aborto. Quase todo mundo conhece alguém que já abortou, logo, podemos afirmar que o aborto é uma realidade das mulheres brasileiras, porém que segue sendo ignorada pelo Estado, que naturaliza também as mortes diárias de mulheres em decorrência da clandestinidade desse procedimento.

Mas se é fato que as mulheres abortam, é verdade também que as mulheres que mais morrem ao abortar são as mulheres trabalhadoras, negras e pobres, afinal estamos no Brasil do desemprego, da desigualdade social, da terceirização, além de recorrentes ataques, como a já aprovada Reforma Trabalhista e da ainda em tramitação Reforma da Previdência - que atingem em cheio a classe trabalhadora e os setores oprimidos: negros, mulheres e LGBTs, e que agora se acentuam com o governo de Jair Bolsonaro (PSL), que defende à ferro e fogo valores religiosos e conservadores, junto aos interesses da burguesia e do Imperialismo, e não hesita em atuar para que as contas da crise recaiam sobre nossas costas.

Veja também: A extrema direita quer leis para controlar os corpos e matar mais por abortos clandestinos

É possível ainda perceber que quando combinam-se os fatores de opressão e exploração, encontramos realidades ainda mais duras, expressas em dados que mostram inclusive que a cada 4 mulheres mortas por aborto clandestino, 3 são negras, exatamente porque são essas as mulheres que não podem pagar por esse procedimento que é realizado diariamente em clínicas clandestinas que chegam a cobrar um valor médio de R$5.000,00 que na maioria das vezes sequer é seguro, dada sua ilegalidade, e custa muito mais do que o salário (mínimo)que é o que a maioria das mulheres negras que no Brasil vivem, para morar, vestir e alimentar a si mesma e aos seus filhos.

Não à toa a das mulheres que realizou aborto em 2016, segundo a PEA – Pesquisa Nacional de Aborto, 29% das mulheres vivem com até 2 salários mínimo; 33% são do Norte, Centro-Oeste e Nordeste; assim como a porcentagem de mulheres não-alfabetizadas que abortam chega a ser o dobro do número de mulheres com ensino-superior completo ou incompleto. São essas mesmas mulheres negras que estando mais vulneráveis, têm historicamente o direito à educação negligenciado pelo Estado e por consequência menos informação, acesso à saúde e aos métodos contraceptivos; que também estão hoje nos piores postos de trabalho, visto que no Brasil a terceirização tem rosto de mulher negra; que são a maioria entre o exército de mães solteiras no nosso país.

E apesar do aborto no Brasil ser legalizado nos casos de estupro, risco de vida da mãe ou feto anencéfalo, de acordo com o Estudo "Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde" de 2014, dos casos de gestação em decorrência de estupro, só 19,3% das adultas chegam a abortar legalmente e entre as adolescentes e crianças os números são ainda menores, 5% e 5,6% respectivamente. Também são uma maioria de mulheres negras (8,8%) e pardas (44,8%) as vítimas do estupro, sendo esse o perfil de 53,6% dos casos, e por consequência a maioria do contingente de mulheres que chegam inclusive a gestar filhos que são fruto da violência sexual à que são submetidas diariamente as mulheres e crianças no Brasil.

O peso social que recaí sobre os ombros das mulheres negras que conseguem rasgar o pesado fardo do patriarcado que condena nossa intenção de ter direito ao nosso corpo, seja quando optamos por abortar ou até nos vestir como desejamos, se desmembra também numa realidade de encarceramento para as mulheres que são presas na ilegalidade desse ato por não poderem pagar para abortar de forma realmente clandestina nas clínicas que realizam o procedimento, se ligando ao fato de que a maioria da população carcerária em nosso país, é também de homens e mulheres negras.

O Estado que nega o direito ao aborto, nos priva também do direito à maternidade, nos explora e assassina nossos filhos pelas mãos da Polícia

Contraditoriamente a moral que prega o Estado brasileiro ao naturalizar a morte diária das mulheres que abortam, a Reforma Trabalhista aprovada em 2017 permitia quegestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo e lactantes desempenhem atividades insalubres em qualquer grau, ou seja, para lucrarem com a exploração de nosso trabalho, pouco lhes importa a vida de nossos filhos.

Esse mesmo Estado também ampliou a terceirização em 2017, tornandoirrestrita desde então essa realidade jáimposta às mulheres negras muitas das vezes como condição se quiserem trabalhar, ainda mais num país com 13 milhões de desempregados, não à toa a terceirização no Brasil tem rosto de mulher negra. E agora querem aprovar uma Reforma da Previdência para nos obrigar morrer trabalhando em condições cada vez mais precárias sem nunca usufruirmos do direito à aposentadoria, saiba mais aqui.

Condenam-nos historicamente às duplas e triplas jornadas (de trabalho não remunerado) e que nos obrigam a passar mais tempo trabalhando, muitas vezes na precariedade, do que com nossos filhos;à salários inferiores ao dos homens, chegando uma mulher nega a receber 60% a menos que um homem branco, e à realidades degradantes como a da terceirização irrestrita e medidas com as Reformas Trabalhista e da Previdência; com nossa força de trabalho feminina retroalimentam esse sistema capitalista que duplamente nos oprime e explora, ignorando nesses momentos a maternidade que sob suas bases patriarcais insistem em nos enfiar goela abaixo.

Quando não nos exploram até a morte ignorando o fato de que também somos mães, temos de encarar enquanto mulheres negras a crescente realidade de extermínio de crianças e jovens negros pelas mãos da Polícia assassina. Toda a moralidade do Estado que burocratiza o aborto para que não tenhamos direito ao nosso corpo, mostra sua profunda inconsistência quando seus representantes políticos vociferam absurdos como o proto-fascista Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro sobre a Polícia do Rio ao dizer que a ordem agora era “mirar na cabecinha e fogo”. Por tudo isso também dizemos não ao Pacote Anti-Crime de Sergio Moro, que quer legalizar o extermínio e o genocídio do povo preto e pobre de nosso país.

Sob os governos de Witzel e Bolsonaro estamos vivenciando em todo país, e em especial no estado do Rio, uma verdadeira barbárie, cujo produto é a execução cotidiana de crianças e de jovens negros. Estão matando os nossos filhos. “Balas perdidas” que escolhem cor e classe social, que roubam a vida dos nossos inclusive dentro da escola ou vestidos com uniforme escolar, como aconteceu com Maria Eduarda e Marcos Vinicius, ambos no Rio de Janeiro em 2017.

Na última semana fomos duramentesurpreendidos com mais uma morte, Ágatha Félix, uma menina de 8 anos, negra, morta pela Polícia no Rio. Quem não chorou ao ver o depoimento dos pais de Ágatha falando sobre a vida que pulsava em sua filha, uma criança brilhante, cujos sonhos foram apagados pelo plano de extermínio do Estado?Quanto vale a vida de nossas crianças para um Estado que as executa com naturalidade diariamente?

7 dias sem Ágatha Félix, completos no dia 27/09.

Leia também o Editorial do MRT: Lutar por todas as Ágathas

Do luto à luta: apesar da dor, precisamos nos colocar na linha de frente da luta pelos direitos das mulheres e do conjunto dos setores oprimidos.

A luta pelas mortes de cada criança e jovem negro pelas mãos do Estado e sua Polícia assassina, por justiça à Marielle Franco e pelo nosso direito ao corpo e à vida, para que não sigamos morrendo vítimas da cultura do estupro e/ou criminalizadas pelos abortos clandestinos, assim como a luta contra os planos do governo Bolsonaro, só pode vencer com a força das mulheres negras à frente, junto ao conjunto da nossa classe. Esse é o caminho para enfrentarmos a miséria da realidade à que querem nos condicionar, tirando de nós inclusive o direito de sonhar, através do extermínio de nossos filhos.

Nesse 28 de setembro, nós mulheres negras, latino-americanas e caribenhas, lutamos pela legalização do aborto para não morrer, contraceptivos para não abortar e por educação sexual nas escolas para prevenir, dizemos basta ao julgo patriarcal e à hipocrisia desse sistema que nos quer mortas, mas nunca livres. E precisamos lutar de forma independente, com os métodos históricos de organização do movimento de mulheres, sem rebaixar em nada nossas reivindicações frente ao avanço da extrema-direita e suas políticas reacionárias sobre o direito ao nosso corpo.

Saiba mais: 9 meses de governo Bolsonaro: é preciso lutar para legalizar o aborto

Se Bolsonaro, sua Ministra Damares Alves e até Janaína Paschoal (PSL), assim como muitos outros, atuam permanentemente contra cada um de nossos direitos conquistados com luta, façamos também uma campanha permanente contra cada plano deles. Por tudo isso levantamos a necessidade da construção de uma força política à esquerda do PT, que tenha em sua atuação outra estratégia que não só a eleitoral parlamentar como fez esse partido em seus 13 anos de governo, inclusive nos mandatos de Dilma uma mulher eleita com o voto de tantas outras que historicamente reivindicam esse direito que o PT no poder nunca levou à frente, ignorando essa demanda que nos mata diariamente para compactuar com os setores religiosos que são inclusive base política de Bolsonaro e o ajudaram a se eleger. Não nos esquecemos desse passado quando saímos em luta e por isso dizemos que é necessário nos auto-organizarmos desde o Movimento de Mulheres e confiando em nossa própria força e na classe trabalhadora, sem abandonar nossos métodos históricos de luta que nos garantiram as vitórias que carregamos.

E dizemos também que é fundamental que as grandes Centrais Sindicais e as entidades estudantis discutam em cada local de trabalho e estudo com o conjunto das mulheres e dos trabalhadores que é preciso arrancar do Estado brasileiro o direito ao aborto, cumprindo o papel de ligar às demandas econômicas da classe às demais democráticas dos setores oprimidos e unificando as lutas.

Com a força do ódio com que nos levantamos de cada golpe desse Estado, nos levantemos em defesa do direito à nossa vida e pela legalização do aborto, porque nossas vidas que são negras importam, mesmo frente ao governo Bolsonaro, não daremos nenhum passo atrás!

 
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