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FUTEBOL
Destino do futebol carioca é ameaçado com futura compra do Botafogo por banqueiros
Leonardo Prudencio

Todos os torcedores são iguais? A burocracia que dirige o Botafogo pensa que não. Afinal, logo após a proposta de alugar todo o setor de futebol do clube durante trinta anos para os irmãos Moreira Sales, herdeiros do Itaú, não houve uma voz dissonante na hora de concordar com a entrega de uma parte do patrimônio afetivo da classe trabalhadora carioca para o mercado de ações.

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A proposta é simples e cruel. Em troca de saldar a cifra de centenas de milhões de dívidas trabalhistas e tributárias acumuladas durante anos de péssimas gestões lideradas por empresários “ilustres”, o departamento de futebol será transformado em uma ditadura dos torcedores mais abastados, cujo amor pelo time só não é maior que pelo lucro.

Não se trata de uma doação, uma vez que a dupla de banqueiros deixou claro que a proposta é de “apoiar iniciativas concretas de investimento que nos pareçam sensatas e razoáveis, sustentadas em critérios claros de viabilidade econômica uma boa gestão corporativa”. A tradução para o português claro é simples: vamos transformar a paixão dos trabalhadores em uma máquina perfeita de ganhar dinheiro. Os especuladores saem felizes, os banqueiros fingem serem amantes benevolentes do time e os burocratas ficam aliviados por receberem uma mesada fixa do mercado financeiro. Com isso, todos estarão satisfeitos, menos uma esquecida maioria: a esmagadora massa de trabalhadores e do povo pobre que é deliberadamente afastada das decisões sobre o rumo do Botafogo.

Assim como Flamengo e Fluminense, a histórica do alvinegro carioca é marcada por um contraste entre o apoio popular e a estrutura elitista da democracia interna do clube. Popularizado pela atuação de grandes craques negros no século XX diante de públicos de mais de cem mil trabalhadores no Maracanã, o Botafogo manteve mesma política de restringir a direção do clube aos filhos da burguesia do Rio de Janeiro que data desde os seus primórdios racistas na República Velha.

Nascido praticamente nos quintais das mansões dos grandes barões do café na então capital do Brasil, esteve marcado por uma exclusão marcante de negros tanto dos quadros sociais quanto dos gramados. Nesse sentido, a doutrina do racismo científico propagada pela República oligárquica influenciava até mesmo quem poderia participar dos campeonatos de futebol oficiais e que contava com o apoio, tal como das outras equipes vizinhas de bairro e de classe, do Botafogo.

Hoje, apesar dos frequentes episódios de insultos preconceituosos durante as partidas, o negro não é mais proibido de entrar em campo, mas é impossível dizer o mesmo sobre sua presença na direção dos clubes. A razão disso se encontra nos preços restritivos cobrados para se associar oficialmente aos quadros sociais dos times mais populares entre os trabalhadores brasileiros, chegando a custar mais de R$ 15.000 para que o povo pobre que compõe as torcidas possa votar ou ser eleito.
O efeito mais claro dessa política de exclusão é a tal “modernização” que vem tomando conta do futebol nacional. Ingressos que comprometem o orçamento familiar, estádios em que uma água custa oito reais e agora, com a aprovação do fim da folha de ponto em pequenas e médias empresas, um momento de lazer que não caiba sequer entre os intervalos de jornada de trabalho. Tudo isso faz com que sentar na arquibancada venha se tornando um privilégio para poucos, algo que os “cartolas que dominam os clubes nunca fizeram questão de esconder.

Contudo, é preciso reconhecer o salto qualitativo representado pela entrega total do futebol do Botafogo aos herdeiros do maior banco do País. Mesmo que o comportamento da burocracia seguisse uma tendência rumo a traição terminal da base popular do time, trata-se agora de um transformar uma banca de negócios dos empresários de plantão ávidos a depredarem o patrimônio do clube para lançar o clube definitivamente nas mãos do mercado financeiro. Com isso, extingue-se por completo o fino liame que ligava a pressão da arquibancada com os zigue-zagues dos presidentes para substituí-lo por fim pela pressão única dos dividendos dos acionistas.

Diferentemente do que é pregado pelos comentaristas esportivas da Globo, a probabilidade da privatização gerar um fim melancólico é muito maior do que a chuva de vitórias e alegrias prometidas e um exemplo disso é o Figueirense. Após o clube catarinense ter sido transformada em uma empresa, a maioria das ações foi comprada por um holding de investimentos chamada “Elephant” e os seus sócios, um dos quais acusados de lavagem de dinheiro na CBF, fizeram ouvir as mesmas promessas de investimentos e pagamento de dívidas que agora os banqueiros fazem ao Botafogo.

Bastou apenas um ano para a farsa vir à tona. O dinheiro injetado pelos empresários não chegou nem no mínimo para cobrir os pagamentos anuais do clube e os salários estão atrasados desde julho. Por fim, a crise entre os funcionários se agravou de tal maneira que no dia 20 de agosto os jogadores se recusaram a entrar em campo.
Desse modo, fica evidente que o Botafogo não será comprado para virar uma máquina de lavar dinheiro (conforme as frequentes investigações sofridas pelos clubes-empresas europeus) de bilionários do petróleo ou magnatas russos que se apossaram das ruínas da propriedade coletiva soviética, mas sim em uma máquina de fazer dinheiro da covarde burguesia nacional que tem que explorar até o fim as paixões da classe trabalhadora brasileira para alimentar os clubes que servem de brinquedo para a burguesia imperialista.

O cenário retratado não é apenas um ameaça para os torcedores alvinegros, mas para todos os clubes cariocas. Afinal, em conjunto com a sede por lucros dos irmãos Sales, Rodrigo Maia vem promovendo de forma intensa nos últimos meses um projeto de lei que obriga todos os clubes brasileiros a se transformarem em sociedades por ações.

A ideia do parlamentar é ir ainda mais fundo do que o ensaio que será feito no Botafogo. A ideia do presidente da Câmara dos Deputados é entregar o os clubes diretamente para o controle do capital estrangeiro. De acordo com ele, “o futebol brasileiro precisa de mais capital, capital estrangeiro”, sendo necessárias as mudanças uma vez que “um clube associativo não vai atrair capital privado nenhum”, pois “a forma de administração é primária, primitiva, atrasada, que não gera eficiência, que não gera transparência”.

Ao contrário do que é afirmado por Rodrigo Maia, a venda para investidores privados gera ainda menos transparência, uma vez que todas as informações cruciais da gestão viram segredo comercial. O caso do Figueirense é fundamental para demonstrar que administração privada não é sinônimo de sucesso, mas sim de lucros para poucos.

O caminho para reverter a situação de crise atual é complexo, mas seu pontapé inicial é simples. Basta dar poder de participação aos trabalhadores e do povo pobre que compõe de forma majoritária as torcidas que se instaurará um controle nunca antes visto sobre a administração do clube. Não há soluções prontas, mas também não há dúvidas de que somente por meio de uma autêntica democracia de base é que a solução escolhida será a mais legítima. Afinal, não se trata de um método infalível para garantir vitórias nas quatro linhas, mas sim para alcançar conquistas inestimáveis no campo onde acontece a principal partida da vida: a luta de classes.

 
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