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POLÍTICA
Criminalização do abuso de autoridade e atritos de Bolsonaro com forças policiais: disputas autoritárias dentro do regime
Yuri Capadócia

Esta semana a Câmara aprovou a toque de caixa a criminalização do abuso de autoridade, num recado direto da casta política ao autoritarismo judiciário, em especial à operação Lava Jato e seus procuradores. Com o projeto restringe-se parte do arsenal autoritário empregado em larga escala pela operação para perseguir e minar seus inimigos. Esse movimento acontece ao mesmo tempo que Bolsonaro entra em atrito com a PF, a Receita Federal e não termina de decidir que rumos quer imprimir a Procuradoria Geral da Repúblicas.

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Na quarta-feira (14) a Câmara dos deputados votou em regime de urgência o projeto de criminalização do abuso de autoridade. O projeto que estava travado a dois anos no Congresso foi votado a toque de caixa na Câmara, após sofrer alterações no Senado. Em menos de sete horas os deputados aprovaram o projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário, em votação simbólica – quando os votos individuais dos senadores não são registrados. Entretanto, a votação do pedido de urgência, que acelerou a tramitação do projeto, escancarou um amplo placar - 342 contra 83 - e o ímpeto dos deputados de impor mais uma recente derrota a desgastada Lava Jato.

Evidentemente, o alvo principal do projeto, que tipificou como crime 37 ações do servidor público com o intuito de prejudicar ou beneficiar alguém, foi o autoritarismo judiciário, particularmente, o arsenal arbitrário empregado em larga escala pela Lava Jato. Entre esses instrumentos autoritários, estão: obter provas por meios ilícitos; executar mandado de busca e apreensão em imóvel, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva, para expor o investigado a vexame; impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado; e decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem intimação prévia de comparecimento ao juízo.

Entretanto, tal qual a caixa de Pandora, uma vez libertados esses poderes autoritários do âmago do regime democrático burguês, eles não podem ser reconduzidos de forma pacífica ao seu aparente equilíbrio. Nesse sentido, o projeto não é de forma alguma um antídoto à degradação autoritária em curso no regime. Pelo contrário, o próprio projeto se insere como mais um capítulo nas disputas entre os diversos bonapartismos. Como podemos depreender analisando, não apenas o projeto em si, mas seus antecedentes e as reações a sua aprovação, como o desgaste atual da Lava Jato e os movimentos recentes das diversas alas do regime.

As disputas em torno dos espólios da Lava Jato

Apesar da demagogia de Rodrigo Maia, de que foi aprovado o projeto mais abrangente em torno do abuso de autoridade, na prática o alvo principal da casta política era restringir os superpoderes arbitrários do judiciário. Porém, mesmo dentro do Poder Judiciário, o projeto impacta de diferentes formas sob juízes e procuradores.

Em última instância, caberá aos juízes a aplicação e o arbítrio dessa nova lei sobre abuso de autoridade já que diversas definições são ambíguas e caberá a alguma toga definir se tal prisão foi ou não abusiva, todavia, os procuradores já partem de pesadas limitações impostas a sua atuação, como o impedimento de obtenção de provas por meios ilegais, a regulamentação para interceptações telefônicas. Todos esses procedimentos persecutórios, como exposto pela Vaza Jato, cotidianamente empregados pelos procuradores, sistematicamente realizados pelas polícias nas periferias, morros e favelas.

Há muitas especulações se e quais partes do projeto Bolsonaro vetaria, o Ministério da Justiça já se pronunciou pelo veto de boa parte do projeto. O presidente de extrema-direita não se comprometeu com Moro do que vetaria, para também não entrar em choque com a Câmara e os muitos votos à proposta, mas, ao mesmo tempo deixou claro que não vê que esse projeto pode afetar a atividade policial. Indicando que pode aceitar restrições ao MPF mas não as polícias, tratando-se de preservar base eleitoral e sólida de seu próprio projeto de bonapartismo em detrimento de outras bases que podem servir a outros bonapartismos. Veremos nos próximos dias o que será vetado

O impacto particular do projeto sob os procuradores se soma outras investidas em curso contra o MPF, que apontam a entidade como a ala mais fragilizada dentro do Partido Judiciário e junto dela seus braços armados e de inteligência (COAF, Receita, PF, etc). Dallagnol tornou-se a figura mais fustigada pela divulgação das mensagens em mãos do The Intercept, tanto que pode ser descartado a qualquer momento, como peça menor dentro do tabuleiro movimentado pelo imperialismo por meio da Lava Jato. Dentro do MPF ganham fôlego as ações movidas contra ele, como mostra das divisões que tomam a entidade em relação a Lava Jato, tão vivamente mostrada na imensa divisão que mostrou-se em seu processo eleitoral. Outro flanco do enfraquecimento do poder do MPF está no processo de sucessão de Raquel Dodge a frente da PGR. Bolsonaro já mostrou seu desprezo reiteradas vezes pela votação dos procuradores e a lista tríplice encaminhada, e segue em busca do candidato que mais se subordine a ele a frente da instituição.

Para além do Partido Judiciário, poderíamos expandir esse panorama de conflitos para todo o “Poder Pretoriano” (inquisitório que extrapola o judiciário propriamente dito e engloba seu braço armado associado porém diferenciado), como vemos na recente, e sem precedentes, intervenção de Bolsonaro sob a PF, com a demissão do diretor da PF carioca Ricardo Saadi. O diretor da PF-RJ aparentemente foi demitido como bode expiatório devido às investigações em curso sobre o caso Queiroz, que a partir do senador Flávio Bolsonaro, aponta diversas ligações do clã Bolsonaro às milícias, e inclusive um aparente envolvimento no assassinato da deputada Marielle Franco. O presidente não se limitou a demitir Saadi como disse que não aceitaria a nomeação do substituto Carlos Henrique Oliveira. Frente a isso, toda a cúpula da PF insinuou que pediria para deixar os postos se houvesse interferência do presidente na Superintendência do Rio. Movimento similar também está acontecendo na Receita Federal, outra fonte de dor de cabeça ao clã presidencial.

A intervenção tão direta de Bolsonaro sob a PF marca uma inflexão no processo de esvaziamento e subordinação de Moro. Desde que os vazamentos da Vaza Jato estouraram, a relação Bolsonaro-Moro inverteu-se, tendo o ministro “indemissível” encolhido de âncora do governo Bolsonaro para um apêndice ao resguardo das asas do presidente.

Mais uma restrição aos poderes de Moro que já havia sido atropelado também pelo STF, que acolheu sob sua arbitrária proteção as mensagens obtidas pelos hackers, possuindo toda a munição ofertada pelo conteúdo das mensagens para colocar Moro, Dallagnol e a Lava de Jato à sua mercê.

A fricção entre os bonapartismos

Nesse contexto, a criminalização do abuso de autoridade aparece como a iniciativa do Legislativo, particularmente da casta política, para entrar na disputa junto com Bolsonaro e o STF em torno de quem conquista maior margem de manobra para disciplinar e subordinar a enfraquecida Lava Jato e suas forças armadas e de inteligências associadas mas diferenciadas. Uma corrida das diversas alas do regime e seus projetos autoritários em torno de quem detém os espólios da Lava Jato.

Aprovado o projeto pelo Congresso, agora ele será encaminhado à sanção presidencial. Bolsonaro terá o poder de decidir o quanto crava o punhal e segue fazendo sangrar os superpoderes autoritários dos juízes e, principalmente, procuradores. O corpo mole do PSL, partido do presidente, como resistência ao avanço do projeto - o partido não orientou seus deputados a votarem contra o pedido de urgência - pode ter sido justamente para ofertar ao presidente essa oportunidade de decidir quais freios impõe e o quanto se separa da Lava Jato, ou como mínimo, como se localiza para ter ascendência própria sobre parte da toga, da PF e Receita.

Na base bolsonarista, a confusão entre Bolsonaro e Lava Jato é grande, tendo essa base impulsionado nas redes sociais campanhas contra o projeto e pedindo o veto ao projeto, numa mostra do vínculo entre o projeto do que poderíamos chamar de “bonapartismo imperial”, do presidente, e a Lava Jato. Uma marca dos limites para essa separação, assim como a necessidade que possui Bolsonaro do arsenal arbitrário da operação para impor-se perante o Congresso. A chave desse movimento é o quanto consegue Bolsonaro subordinar e tomar para si esses poderes autoritários, como a intervenção direta na PF é uma demonstração.

A aprovação do ataque da reforma da previdência nos dois turnos da Câmara, o ponto pacífico de todas as alas do regime, parece ter feito retroceder a conjuntura dos enfrentamentos com os “de baixo” para um momento de maior disputas no “andar de cima”. Bolsonaro buscou fortemente capitalizar a vitória, se rearmando de sua metralhadora de declarações reacionárias e incitando sua base; Rodrigo Maia também não quer perder seu protagonismo, depois de tomar para si e o Legislativo a responsabilidade sob o projeto da reforma da previdência agora já busca encaminhar o próximo ataque com a reforma tributária; a entrevista de Dias Toffoli maximizando seu papel de árbitro durante a conformação do pacto que esfriou os ânimos permitindo encaminhar a votação da reforma, mostra como o STF também não está disposto a perder protagonismo na aprovação da agenda de ataques econômicos. Por isso, todos os poderes se colocam em rota de colisão em disputa dos espólios da enfraquecida – mas não morta, bom ressaltar – Lava Jato.

A aprovação dessa nova Lei de Abuso de Autoridade está longe de representar um fechamento dessa caixa de Pandora aberta dos projetos autoritários em disputa, é justamente mais um signo desse confronto. Não se trata nem de tomar lado nem por outro lado de ficar passivamente mirando suas fricções confrontos, mas desenvolver uma saída independente dos trabalhadores. A única saída para os desmandos do autoritarismo, seja ele o de Bolsonaro, o de Moro e seu tirânico decreto 666, das diferentes alas do judiciário, é um programa que confronte de fato os superpoderes e privilégios dessa instituição sem legitimidade, impondo que cada juiz e procurador seja eleito por sufrágio universal, com cargo revogável, e ganhando o mesmo salário que uma professora, que cada caso de corrupção seja julgado por júri popular, e que se enfrente com todos autoritarismos que permeiam esse novo regime que vão erguendo sob os escombros do pacto de 1988.

 
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