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SAÍDA DE FUNDO
A dívida e o futuro: o que significa a proposta de Nico Del Caño de “inverter as prioridades”?
Guadalupe Bravo
Lucía Ruiz

O problema da dívida é um tema inevitável nestas eleições na Argentina. Nenhum outro candidato à presidência além de Nicolás Del Caño faz esta proposta: inverter as prioridades para dar responder às necessidades sociais e dizer NÃO ao FMI. Mas o que isto implica concretamente?

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Mauricio Macri assumiu o governo prometendo “pobreza zero” e, durante seu mandato, aos níveis de pobreza subiram para 35% entre a população, segundo pesquisa da UCA (Pontífica Universidade Católica da Argentina). Foram pagos 258 bilhões de dólares da dívida, mas esta aumentou em outros 112 bilhões de dólares (uma taxa de 47% de aumento) e já totaliza quase 90% do PIB argentino. Em 2018, após as corridas cambiais, um novo pedido de empréstimo ao FMI foi feito e agora o rumo da economia está vinculado aos planos de ajuste da instituição.

Macri propõe seguir “pelo mesmo caminho, mas mais rapidamente”. Como sabe que isto vai na contramão de sua campanha eleitoral, posterga os ataques para depois de dezembro, numa aposta de que o equilíbrio instável do dólar não desmorone antes.

Alberto Fernández, da coligação Frente por Todos, questiona o endividamento de Macri para garantir a fuga de capitais, mas já assegurou em cada entrevista que fez nas rádios e na TV que seguirá pagando a dívida, como também diz nos spots de sua campanha. Ou seja, continuará seguindo a receita do FMI.

Dois a cada dez pesos argentinos do gasto público vão parar nas mãos dos especuladores da dívida, e isto tende a aumentar. Em sua campanha, Alberto não explica como fará para pagar os vencimentos da dívida e ao mesmo tempo melhorar as condições de vida dos setores populares.

O candidato da direita liberal, José Luis Espert, resgata velhas receitas conservadores e antioperárias, promovendo-as como algo novo e antissistêmico. Seu programa é levar até o final o plano de Macri, com as reformas da Previdência, trabalhista e tributária.

Nicolás Del Caño, o candidato da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT-Unidad, na sigla em espanhol), propõe “inverter as prioridades”. Diferentemente do resto, defende orientar os recursos primeiro pelas necessidades urgentes das maiorias sociais e dizer um “não” ao FMI.

O que implica inverter as prioridades a favor do povo trabalhador?

Durante os próximos quatro anos, os vencimentos da dívida comprometidos pelo governo Macri e pelo kirchnerismo totalizarão em torno de 166 bilhões de dólares, a um ritmo de 41,513 milhões de dólares por ano: 10% do PIB irá para as mãos do capital financeiro anualmente.

Trocando em miúdos, isto significa que cada habitante tenha que desembolsar 40 mil pesos por ano.

Inverter as prioridades significa propor abertamente que os fundos de riqueza produzida pelos trabalhadores da Argentina não sejam destinados ao pagamento da dívida usurária com o FMI e os especuladores, e sim para resolver as dívidas eternas com os setores mais negligenciados, com as mulheres e com a juventude.

• Os aposentados e aposentadas vivem em profunda miséria. O valor mínimo da aposentadoria de 11.528 pesos argentinos que metade dos pensionados recebe é tão baixo que implica terem de escolher entre comer ou comprar sua medicação. 70% dos aposentados recebe menos do que o estimado de 30.524 pesos.

A reforma da Previdência de 2017 foi um roubo aprovado com o apoio de um setor do peronismo no Congresso (que hoje integra as candidaturas das coligações Juntos por el Cambio e Frente de Todos) e que desde então fez cair o poder aquisitivo dos ativos em aproximadamente 12%.

Esta crueldade com os que trabalharam durante toda sua vida precisa acabar. O valor da aposentadoria deve ser o suficiente para cobrir suas necessidades (pelo menos para a camada de aposentados). Este é um primeiro passo na batalha para fazer com que se estenda a todos os pensionados a lei que garante que o valor da aposentadoria corresponda a 82% do salário recebido em atividade, e rechaçar todas as tentativas do FMI de impor uma reforma da previdência regressiva que aumente a idade mínima de aposentadoria.

A educação e a saúde pública, das quais dependem a ampla maioria da sociedade, sofreram enormes cortes a pedido do FMI para alcançar o “déficit primário zero” e liberar recursos para o pagamento da dívida.

O plano “Orçamento 2019” votado no ano passado implica um corte real de 10% dos investimentos em educação e de 2,2% na área da saúde, considerando uma inflação irreal de 23% em um ano (o que foi atingido em apenas seis meses).

Para se ter uma dimensão, com o dinheiro destinado a pagar um ano da dívida poderiam ser construídos 42 mil escolas ou 2.700 hospitais. Havendo tanta carência nesses serviços, o que impede que seja feito imediatamente um plano de obras públicas para garantir saúde e educação públicas e gratuitas?

Aumentar o orçamento da educação e da saúde permitiria melhorar o estado de abandono em que se encontram os hospitais nos quais é atendida a maioria do povo trabalhador, e evitar tragédias como a da escola em Moreno, bairro de Buenos Aires, na qual uma explosão por vazamento de gás provocou mortes em 2018. Garantiria também salários de acordo com a cesta básica para os trabalhadores da saúde e educação.

Emprego: o colapso econômico está destruindo empregos, aumentando as demissões e precarizando os postos de trabalho existentes. Pela primeira vez em dez anos, o desemprego voltou a superar os 10%. Contra o “modelo Rappi” que inventa “trabalhadores de plataforma”, é preciso batalhar pela melhoria das condições de trabalho, conquistar o piso permanente e estabilidade trabalhista, e acabar com o trabalho não-registrado do qual se beneficiam as patronais em detrimento de nossos salários e aposentadorias.

Apenas nos três primeiros meses deste ano, houve 11.587 demissões e 8.295 suspensões, segundo dados divulgados pelo CEPA (Centro de Economia Política), um aumento de 41% em relação ao mesmo período de 2018. A indústria é o setor mais afetado. Contra as manobras das patronais e as falsas medidas de prevenção de crise, uma medida fundamental a se defender é a proibição das demissões e suspensões, e que toda fábrica que feche as portas seja automaticamente estatizada e colocada sob gestão de seus funcionários.

Em resposta aos altos níveis de desemprego que afetam quase 2 milhões de pessoas, ao subdesemprego de milhares que encontram “bicos” de poucas horas por semana, aos chamados “inativos” que são trabalhadoras e trabalhadores que se ocupam das tarefas domésticas sem remuneração, é possível chegar a uma igual distribuição das tarefas e das horas de trabalho disponíveis, com salários que atinjam o valor de uma cesta familiar.

Pelo direito à moradia: a crise habitacional atinge quase três milhões de pessoas em todo o país, que vivem em assentamentos e alojamentos emergenciais. A desigualdade é aberrante. As urbanizações privadas na Área Metropolitana de Buenos Aires (AMBA) ocupam 20% do território urbanizado, mas abrigam menos de 2% da população, enquanto 10% moram em assentamentos informais que ocupam apenas 2% da superfície.

O crescimento demográfico requer mais de 100 mil moradias por ano, apenas para conter o crescimento do déficit habitacional. No entanto, os planos de construção de moradias sociais estão muito distantes deste número.

É necessário impulsionar um plano nacional de reconstrução de moradias e acabar com este déficit, rechaçar os grandes negócios e a especulação imobiliária. Para dar dimensão, vale comparar as quantias gastas no pagamento da dívida, com as quais seria possível construir 415 mil habitações do plano Procrear.

Fazer retroceder os “tarifaços”: nos últimos quatro anos, o aumento das tarifas nos serviços públicos superou 2.800% no caso da energia elétrica, 2.000% no fornecimento de gás e 500% no transporte. Estes reajustes usurários, que retroalimentam a galopante inflação, deterioram o poder aquisitivo dos salários.

Enquanto isso, um punhado de empresários das grandes empreiteiras recolhem lucros enormes. Os serviços são um direito, por isso é necessária sua estatização, sob o controle dos trabalhadores e usuários.

FMI: uma máquina de criar pobres

Alberto Fernández descreve em um tweet (e também em um spot de sua campanha) o alarmante crescimento da pobreza durante o macrismo. E remarca: “Mais de 4 milhões de argentinos deixaram de compor a classe média e passaram à pobreza desde que Macri se tornou presidente. Não podemos permitir mais 4 anos disto...”.

[Tradução do tweet de Alberto Fernández:
“3.470 novos pobres por dia.
24.290 novos pobres por semana.
104.100 novos pobres por mês.
1.250.000 novos pobres por ano.
4.100.000 novos pobres desde que Macri se tornou presidente.

Você imagina mais 4 anos assim?

Merecemos outro governo.”]

No entanto, este flagelo social que atinge 14 milhões de pessoas no país, sobretudo mulheres e crianças, não é patrimônio exclusivo da administração macrista. Sem negar que houve no último ano um salto de qualidade nas consequências dos ajustes e da recessão, sob o controle do FMI, durante toda a administração kirchnerista a pobreza não ficou abaixo dos 25%.

A pergunta é: qual é o plano de Alberto para diminuir a pobreza? Se mesmo nos momentos de bonança econômica, dentro de um contexto de maior estabilidade da economia internacional, e de crescimento em níveis chineses, que permitiram o enriquecimento de muitos setores como o agronegócio, as multinacionais e os bancos, a pobreza afetava milhões. E nem então estava vigente um plano de ajuste com o FMI.

Logo após o estrondo social na Argentina em 2001, a saída de desvalorização orquestrada entre o peronismo de Duhalde, a burguesia nacional e os sindicatos significou um ataque fenomenal às maiorias populares, tendo se chegado a um pico de pobreza de mais de 50% em 2002.

O Observatório da Dívida Social da UCA confirmou que no último trimestre a pobreza seguiu crescendo: chegou aos 35%, enquanto os níveis de indigência subiram para um pouco acima de 7%.

Os políticos tradicionais que respondem aos interesses dos poderosos, como Alberto Fernández, Mauricio Macri, Roberto Lavagna ou José Luis Espert, prometem o céu em suas campanhas. Que não te enganem: para dar uma saída de fundo à pobreza, é preciso ter em conta pelo menos dois pontos centrais.

O primeiro está ligado a um problema estrutural: romper com a dependência e o atraso do país que apenas beneficia ao capital financeiro, que aprofunda seu saque ao exigir o crescente pagamento de uma dívida interminável e através da especulação financeira. Inverter as prioridades, como propõe a FIT-Unidad, significa avançar no sentido de uma transformação social e econômica.

O segundo ponto é uma medida a ser tomada imediatamente e implica dizer “não” ao FMI, uma máquina de fabricar pobres. Seguir atados às suas exigências significa atar o futuro das grandes maiorias a anos de austeridade selvagem. Se não basta a experiência no ano de 2001, podemos ver à qual sorte foram deixados outros países endividados com o Fundo.

Apenas em um ano, as receitas de ajuste do FMI pioraram as vidas de milhões, aumentando a pobreza e o desemprego, enquanto a inflação deteriorou os salários. Geraram uma dívida para que os especuladores sigam realizando a fuga de dólares e para pagar a dívida anterior.

Acabemos com este roubo, tomemos de volta o controle de nosso futuro. Digamos “não” ao FMI, priorizando recursos para a saúde, educação, moradia e emprego.

 
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