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ARTE E CULTURA
Acumulação cultural primitiva e tradição artística revolucionária
Afonso Machado
Campinas
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Enquanto isso, na "sala da justiça", os paranoicos heróis da extrema direita vigiam todos os artistas, professores, jornalistas e estudantes do Brasil. A Liga dos intolerantes acredita piamente na existência de uma conspiração secreta no interior da cultura, em que comunistas "infiltrados" disseminam suas ideias "diabólicas".

Se os nazistas dos anos de 1930 tachavam as pessoas inteligentes, emancipadas, críticas e revolucionárias de agentes do "Bolchevismo cultural", de umas duas ou três décadas pra cá, a classificação usada pela extrema direita é "Marxismo cultural". Pessoas que fingem ser intelectuais promovem assim uma nova caça às bruxas.

Francamente, essa gente não nos interessa na medida em que nenhum debate cultural é possível entre aqueles que não entendem nada de cultura. O grilo no entanto é quando trabalhadores caem nestas lorotas macarthistas.

Não existe nenhuma conspiração sorrateira. De nossa parte, o que existe é um combate declarado à cultura dominante: uma luta aberta contra o sistema capitalista. Já se escreveu aqui sobre isso no artigo "Abaixo o rótulo de Marxismo Cultural!". Volta-se agora, aqui, a mencionar o tema, não para repetir o óbvio, ou seja, discorrer sobre as patologias dos anticomunistas, mas para um alerta: se os militantes de esquerda não organizarem um trabalho sistemático de acumulação cultural primitiva junto aos trabalhadores, estes últimos tendem a aceitar todo um processo ideológico reacionário de destruição do pensamento crítico.

Ao sair em defesa de uma sociedade justa, sem exploração e sem alienação, na qual os trabalhadores terão condições materiais e educativas para desenvolverem suas potencialidades intelectuais, sua personalidade, seus sentidos humanos, é necessário (apesar da atual conjuntura política desfavorável,) expor a necessidade de construirmos uma nova cultura. Obviamente que esta última não envolve decretos ou proclamações artificiais: do ponto de vista histórico, uma nova cultura só poderá se desenvolver no seio dos trabalhadores, a partir de um longo processo de assimilação das conquistas culturais do passado.

Todavia, a questão clássica de que a cultura revolucionária seria construída apenas após a conquista do poder político pelos trabalhadores, precisa ser imediatamente repensada: apesar da falta de recursos materiais, se faz necessário a partir das poucas ferramentas que temos, construir contextos em que seja disseminada uma tradição revolucionária da cultura. Tal iniciativa se complementa ideologicamente com a militância política que visa organizar os trabalhadores para lutarem pelo socialismo.

Mas apenas uma visão revolucionária da cultura? Em termos literários, por exemplo, não é vital que um trabalhador brasileiro conheça a poesia de Homero, a dramaturgia de Shakespeare ou a prosa de Eça de Queiroz? Se consideramos a necessidade histórica da acumulação cultural primitiva(a expressão foi utilizada por Trotski durante os primeiros anos do governo soviético), ou seja, um processo em que os trabalhadores devem assimilar criticamente as tradições culturais do passado, logicamente devemos defender o fato de que a luta do proletariado em termos culturais consiste na apropriação dos mais variados patrimônios da cultura produzidos por diferentes sociedades, em diferentes épocas.

Entretanto, vivemos num contexto particularmente grave da história do movimento dos trabalhadores: o significado de palavras como socialismo é desconhecido por muitos operários e constantemente deturpado em redes sociais. É preciso insistir na disputa ideológica e na formação política. Precisamos disseminar junto aos setores políticos mais avançados da classe trabalhadora, as referências artísticas e literárias que exprimem uma perspectiva política combativa e claramente tendenciosa. Hoje uma das missões da educação literária é revelar a luta de classes em verso e prosa, formando leitores e escritores da classe trabalhadora.

A dialética no interior da acumulação cultural primitiva apresenta nos dias que correm um novo dado histórico: toda arte contestadora do século passado, toda modernidade expressa por exemplo no furacão das vanguardas e nas diversas formas de rebelião poética, formam hoje uma tradição, ou seja, a tradição revolucionária nas artes. Os destinatários históricos das obras e análises referentes a tal tradição, não são os esnobes e os diletantes. É dever da militância de esquerda propor e debater a organização, definição e divulgação de uma tradição artística revolucionária, cujo objetivo é educar a sensibilidade do proletariado e fornecer elementos estéticos que inspirem releituras, que propiciem a produção de uma nova arte. É preciso que este processo de assimilação seja expresso na cultura popular.

Longe de ser uma prática anacrônica ou idealista, esta concepção já está em certo sentido sendo discretamente vivenciada, experimentada. Uma professora, que pede para não ter o seu nome mencionado aqui, me relatou que ao ler e debater recentemente a poesia de Maiakóvski com um grupo de jovens trabalhadores, conseguiu uma façanha: tais jovens, interessados em poesia e Rap, estão rabiscando por conta própria versos a partir da estética futurista do poeta soviético. Existem assim poemas políticos sendo gerados hoje. Quer dizer, a linguagem de Maiakóvski atende às necessidades expressivas de poetas trabalhadores da atualidade.

Outros exemplos de práticas artísticas enraizadas na tradição revolucionária nas artes? Pensemos na influência que Brecht ou Piscator exercem em coletivos teatrais politizados na cidade de São Paulo. Pensemos nos grafiteiros que bebem no muralismo de Diego Rivera. Estas e outras influências artísticas disseminadas por toda essa militância cultural, devem ser cada vez mais apropriadas, retiradas das mãos de uma elite intelectual. O ambiente desta tradição artística revolucionária deve ser os sindicatos, as casas de cultura, as praças e a imprensa operária.

Não importam as patéticas intimidações que as forças políticas conservadoras possam realizar sobre a vida cultural. Não precisamos escrever nossos textos clandestinamente e dissemina-los pelo mimeografo. A era digital e as contradições econômicas e culturais das cidades capitalistas, tornam a tradição artística revolucionária um fenômeno que não pode ser freado.

 
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