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MOÇAMBIQUE
Ciclone Idai em Moçambique: A vulnerabilidade é construída e a tragédia possui responsáveis
João De Regina
Pamela Penha
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Na Unicamp estudantes moçambicanos organizam uma campanha de solidariedade as vitimas. Clique aqui para saber mais.

Vista aérea da cidade de Beira, em Moçambique, após ciclone Idai. Foto: Mike Hutchings/Reuters

“(...)o rastro de destruição é a melhor fotografia que se pode captar. Infraestruturas de todo o tipo foram arrasadas, desde habitação, comércio, indústria, bombas de combustível, hospitais, escolas entre outros.” Assim escreveu Rafel Bié, jornalista moçambicano, sobre a situação da cidade Beira, capital da província de Sofala e uma das principais cidades de Moçambique, após a passagem do ciclone Idai, no último dia 15 de março.

O rastro de destruição também passou pelo Zimbábue e Malauí, mas mais agressivamente na costa de Moçambique. Somente na Beira, segundo a Cruz Vermelha, 90% de seu território foi destruído, com danos imensuráveis, havendo falhas nos fornecimentos de energia e ficando sem comunicação. As principais operadoras de celulares Vodacom, Tmcel e Movitel ficaram sem nenhum funcionamento. Os acessos à cidade e, principalmente as zonas rurais afetadas, estão grandemente dificultadas devido às danificações nas estradas e os alagamentos. Ao menos 10000 pessoas ficaram sitiadas segundo o ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia.

Mesmo agora dez dias após a passagem do Idai a situação na Beira é dramática. O jornalista moçambicano Ruy Lamarques que se encontra na cidade, escreve um pouco sobre “a angustia depois da tragédia”:

“Um pouco por toda a cidade, menores vagueiam pelas ruas duma urbe onde só no sábado foi restabelecido parcialmente o fornecimento de água, sem nada que comer(...). A linha entre o inferno e o purgatório pode depender de algo tão simples como chover ou não. Há dezenas de milhares de pessoas nos centros de acolhimento, nas ruas e nos bairros alagados. Quando entrevistados todos dizem o mesmo ‘que não chova mais’. Mas a chuva não dá tréguas. Vem e vai.”

Segundo informações do governo moçambicano, estima-se que 531 mil pessoas foram atingidas por enchentes, deslizamentos e desabamentos provocados pelo ciclone. A cada dia o número de vítimas fatais aumenta, somente em Moçambique há registro de 446 pessoas, e, de acordo com o presidente Filipe Nyusi, esse número pode chegar a 1000. Nos três países já se soma mais de 700 mortes e estima-se que metade das vítimas sejam crianças. De acordo com jornalistas e informações que começam a chegar das zonas afetadas a situação piora. Com a professora de Sociologia do Centro de Estudos Africanos, Isabel Casimiro, nas áreas rurais e no interior:

“A situação é ainda mais complicada de sabermos o que se passa, pois está tudo inundado e não se consegue chegar com socorro. Sabe-se que as pessoas perderam tudo: casas, cultivos, bens. Agora ainda há resgates, mas e depois? As estruturas foram todas abaladas, como hospitais, que estão sem teto.”

Ainda que em menor grau outras províncias como Manica e Zambézia também foram atingidas e os dados ainda estão sendo registrados. Como se não bastasse o sofrimento e a destruição causada pelo ciclone a cidade da Beira começa a sofrer com o problema da especulação dos preços, principalmente dos produtos de primeira necessidade. E teme-se mais mortes e outras complicações devido ao risco de doenças que podem ser transmitidas por água contaminada o que fez a Cruz Vermelha anunciar que Moçambique está sobre uma bomba relógio.

Moçambicanos de toda parte do país se mobilizaram em redes de solidariedade para ajudar os desabrigados e famílias atingidas. E as missões de resgate e as chamadas “ajudas humanitárias” chegaram, mas não o suficiente para mudar o clima de abandono frente à destruição. Iniciativas em vários países exigiram e continuam exigindo de seus respectivos governos medidas que possam agir efetivamente para evitar ainda mais danos e mortes.

Um lago de 125 quilômetros de largura foi criado pela inundação causada pelo Idai.

Sobre “ajuda” e responsabilização

Como é muito comum, o impacto do ciclone Idai faz com que a noção de “tragédias naturais” seja amplamente usada nas mídias e na comunidade internacional. Muitas vezes, de forma a desresponsabilizar os poderes econômicos mundiais e ainda criar uma simbologia onde os países imperialistas aparecem como solidários e não responsáveis pela destruição. Porém, Moçambique é alvo de uma situação de vulnerabilidade, construída historicamente e reproduzida dia após dia, que não permite a utilização de palavras como acaso ou inevitabilidade.

Em Moçambique, a própria ideia de que não era possível estar preparado para o ocorrido não convence. O jornalista Abílio Maolela, para o jornal Carta de Moçambique, escreveu uma matéria que revia os boletins meteorológicos do Instituto Nacional de Metereologia (INAM) e aponta que estava claro não só os lugares que seriam atingidos pelo ciclone como já se previa que o impacto seria de “sinal vermelho”.

Também está claro que a chamada ajuda internacional não é suficiente e que os recursos destinados a Moçambique não devem ser encarados como “ajuda”, e sim como obrigação dos países imperialistas que historicamente possuem responsabilidade pelo colonialismo ou pela reprodução do subdesenvolvimento através dos mecanismos econômicos internacionais como a dívida pública e a ultra exploração do trabalho e da natureza.

Como aponta o economista moçambicano Carlos Nunes Castel-Branco, o impacto humanitário em Moçambique não deve ser dissociado do impacto econômico. Os dramas econômicos que se originarão devido à passagem do Idai são de dimensões enormes. A região atingida pelo ciclone concentra atividades econômicas estratégicas para o país, como o porto da Beira e a estrada férrea até o Zimbabwe. A reconstrução do país será um processo longo e é necessário a responsabilização dos agentes econômicos internacionais, como FMI.

A crise ambiental e a dívida internacional são duas questões que saltam aos olhos ao pensar a tragédia econômica em Moçambique. A primeira é que muitos ambientalistas estão a considerar Moçambique como uma nação vitima da crise ambiental contemporânea. Na divisão social do trabalho mundial os países que mais sofrem são os que menos causaram impactos ambientais. As matérias primas e as riquezas são expropriadas enquanto as consequências são exportadas pelo imperialismo para as nações de origem colonial.

Enquanto a dívida pública significa um verdadeiro saque pelo imperialismo. Desde 2016 que dívida externa moçambicana ultrapassa os limites impostos pelo Banco Mundial. Em 2018 a previsão era que a dívida poderia chegar em 102,5% do PIB nacional, enquanto se previa que a economia cresceria 3,5% no mesmo período.

Moçambique a alguns anos passa por uma crise relacionada ao que é chamado de “dívidas ocultas”. Um escândalo de corrupção feito através de dívidas contraídas secretamente por empresas públicas, supostamente sem o conhecimento das autoridades estatais ou do FMI, e cogita-se que mais de 700 milhões de dólares estão desaparecidos e que parte do dinheiro seja usado em esquemas de propinas.

Neste momento, algumas organizações da sociedade civil e movimentos sociais de Moçambique argumentam que o impacto do ciclone Idai é mais um argumento para se exigir que os países perdoem a dívida pública de Moçambique. Também há de se evitar que a tragédia atual signifique mais oportunidade para esquemas corruptos e de ultra exploração de povo Moçambicano. Por isso é necessário garantir controle popular e social sobre os recursos para reconstrução das regiões afetadas em Moçambique. Denise Namburete, ativista do Fórum de Monitoria do Orçamento, em Maputo: “Está na altura das autoridades moçambicanas serem transparentes relativamente à dívida odiosa e deviam genuinamente investir todos os seus recursos na salvaguarda das vidas do povo de Moçambique e na integridade da nossa nação”.

Não deixa de ser uma hipocrisia países e diversas organizações de ajuda humanitária, que enviam ajuda às vítimas do ciclone, fazerem parte de organizações que exigem o pagamento da dívida pública, ou condicionarem os recursos enviados a programas de austeridade. As pessoas estão nos telhados à espera de serem salvas por ajuda que muitas vezes não chega; o povo precisa de uma resposta de emergência agora mesmo para sobreviver a esta crise, Moçambique precisa de todos os seus recursos voltados à sua população e, não ter de pagar um centavo dessas dívidas.

 
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