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USP
Estudante de Letras é baleado hoje em frente ao prédio de aulas
Letícia Parks

Mais uma triste consequência do elitismo da maior Universidade Pública do país. Estava a caminho de casa na noite de hoje quando me deparei com uma muvuca em frente ao prédio da Faculdade de Letras. No chão estava Alexandre.

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Estava a caminho de casa na noite de hoje quando me deparei com uma muvuca em frente ao prédio da Faculdade de Letras. No chão estava Alexandre. Demorei a ver por conta da quantidade de gente, mas depois de algum tempo percebi que a camisa ensanguentada de Alexandre devia-se a um tiro que havia levado na barriga após uma tentativa de assalto.

A cena, provável primeira experiência com a violência de muitos jovens que estavam lá, nos deixou todos muito chocados e sensibilizados e obviamente nos leva a refletir sobre um tema polêmico e fruto de muita repercussão midiática nos principais meios de mídia do país. Afinal, o que fazer para “proteger” os mais de 7800 hectares (o equivalente a 470 campos de futebol) pertencentes ao território da USP?

Duas concepções de segurança

De um lado no debate está o governo do Estado de SP a Reitoria da USP, representados pela figura de Zago, atual Reitor da Universidade. Para estes, a saída para garantir a segurança mora no aumento do efetivo policial e na adoção de um modelo de policiamento – a Koban – inspirado em um modelo de polícia comunitária adotado pela primeira vez no século XIX, no Japão. O modelo já foi implementado na maior potência repressora do mundo, os EUA, e as denúncias de abuso de poder e vigilância permanente são parte do repertório adquirido na experiência com a Koban.

Nas palavras do próprio Secretário de Segurança Pública, Alexandre Morais, “Num contato mais pessoal, [o policial] visita todos os diretórios acadêmicos, passa a conhecer cada um dos diretores da unidade, diretor do diretório, passa a conhecer visualmente as pessoas, sempre o mesmo grupo”, no Jornal do Campus, Agosto 2015.

Não é tão difícil notar a medonha proximidade entre a Koban e os históricos P2 que conviviam entre estudantes e trabalhadores para garantir que a cara dos ativistas fosse posteriormente reconhecível e encontrada na multidão. Muitos dos “marcados” compõem as listas de mortos e desaparecidos da Ditadura Militar. Na ocasião da luta contra a assinatura do convênio com a PM, em 2011, Lincoln Secco diria que “A violação da nossa autonomia tem sido justificada pela necessidade de segurança e a imagem da FFLCH manchada pela ação deliberada dos seus inimigos. (...) É inaceitável que um espaço dedicado à reflexão, ao trabalho, à política, às artes e também à recreação de seus jovens estudantes seja ameaçado pela força policial. Uma Universidade tem o dever de levar sua análise crítica ao limite porque é a única que pode fazê-lo.”

De outro lado estão os grupos de pesquisa de violência e movimentos estudantis, de professores e trabalhadores da USP levantando uma nova e importante discussão não apenas para a Universidade mas para toda a sociedade, exercendo seu papel de espaço de debate crítico e atividade política, como já dizia Lincoln. Independente das posições distintas, é ponto de vista comum que a polícia não resolve o problema de segurança da USP que hoje nos organizamos pelo direito de livre expressão e autonomia universitária, possíveis apenas sem a presença da polícia militar no campus – conquista inclusive alcançada a partir do combate e fim da ditadura militar.

A polícia, além de colocar em risco a autonomia universitária, está associada diretamente a recentes e escandalosos casos de violência, como foi a chacina de Osasco que matou 19 jovens, dentre eles uma jovem menor de idade. Dentro da USP, apesar de circularem entre 80 e 120 policiais por dia, a taxa de roubos e outros casos de violência aumentou em 55% desde a assinatura do convênio, uma óbvia comprovação de que a presença da polícia em nada contribui para a diminuição ou cessar da violência em nenhum espaço da sociedade, tampouco na USP.
Universidade segura é Universidade aberta e viva!

Em contrapartida ao programa de segurança apresentado pela Reitoria, nos parece que tratar da questão da violência por ela mesma diz respeito a reproduzir uma lógica equivocada de como lidar com o conjunto dos problemas sociais. Ao invés de tratar a causa, busca-se tratar o sintoma, como se fosse possível que rabo abanasse o cachorro!

Reconhecemos que o problema da violência – em especial a violência contra mulheres, um “clássico” da vida universitária no Campus do Butantã – são os mais latentes sintomas de uma realidade social doente, baseada na miséria de muitos e na riqueza de poucos, na profunda desigualdade social e, não poderia deixar de dizer, na proteção dos verdadeiros criminosos que roubam todos os dias milhões dos cofres públicos, relegando a imensa população a uma miséria maior ainda e a uma crescente escassez de serviços e direitos públicos. A única presença do Estado se dá nos mecanismos repressores, esses sim existentes aos montes e capazes de todo tipo de manobras para garantir o livre exercer de suas “funções”.

Um exemplo concreto disso se deu hoje: enquanto Alexandre agonizava no chão da entrada do prédio de Letras, fomos informados por telefone que o SAMU levaria mais de uma hora para chegar e que o Hospital Universitário (onde ele se encontra agora em situação estável junto a sua família) não dispunha de ambulâncias para fazer o resgate! Ao mesmo tempo, choviam viaturas da Polícia Militar e da Guarda Universitária, que certamente vem recebendo mais financiamentos do que os serviços mais básicos dos quais a população necessita.

Há um fator comum impossível de ignorar no baleamento de Alexandre, nas mortes de Victor Hugo e Felipe Paiva e no recente estupro de uma estudante na Praça do Relógio: um lugar deserto é mais propenso a qualquer tipo de violência ou de agressão. Enquanto todos esses casos ocorrem e a resposta da reitoria é tratar o sintoma da doença-elitismo, nós entendemos que é preciso combate-la.

Abrir a Universidade, derrubar seus muros, preenche-la de vida. Iluminar os espaços escuros, preencher os currículos de educação anti machista, racista ou LGBTfóbica. Parar de ameaçar com processos administrativos os que lutam com por igualdade de gênero (como ameaça o Reitor Zago desde o ato de mulheres realizado no dia 24) e dar espaço para que os coletivos de mulheres, negros, LGBTs e entidades estudantis e de trabalhadores possam se autoorganizar para determinar os rumos dos processos contra estupradores e garantir, sob seus próprios meios e submetido apenas às suas próprias decisões, como serão punidos.

Segurança não se faz com mais policiamento. Segurança é universidade aberta e viva.

Toda a solidariedade à família de Alexandre.

 
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