Por trás do glamour e do brilho das vitrines que ostentam peças de R$ 800,00 nos grandes templos capitalistas como os shoppings Cidade Jardim e JK Iguatemi está uma realidade que escancara os bastidores: os lucros da marca são calcados em base ao trabalho análogo ao escravo.
Uma investigação de auditores fiscais do trabalho em São Paulo descobriu que, em pelo menos duas das 25 oficinas de costura que produzem exclusivamente para a marca, os trabalhadores são submetidos à condições análogas à escravidão. E segundo os agentes da investigação, as mesmas condições se apresentam nas demais 23 oficinas. Tais indícios serão ainda investigados no decorrer da operação.
As oficinas que produzem com exclusividade para a marca são terceirizadas e localizam-se em imóveis bastante degradados que são também o local de moradia dos trabalhadores e suas famílias que costuram para a marca e dividem o mesmo imóvel. O que se aplica é um esquema de divisão de pagamento chamado “um terço”: um terço do valor da peça fica com o trabalhador, outro terço vai para as despesas da casa, divididas igualmente entre todos, e o último terço para o “dono da oficina”, ou seja, aquele que assume a negociação diretamente com a empresa.
Veja vídeo produzido pelo The Intercept Brasil sobre o caso:
Em suma: dos R$ 9 que a Amissima paga para a oficina por peça, R$ 3 vão para o costureiro. O que sobra deste valor é destinado para as despesas da casa e para o dono da oficina, que na maioria das vezes é também migrante nas mesmas condições.
A rotina de trabalho obviamente é duríssima, normalmente sendo a jornada de trabalho das 8h às 22h. Os únicos intervalos são feitos para as refeições, realizadas inclusive no mesmo local. Quem mais tempo avança nas horas de trabalho e costura mais peças ganha mais. (Os trabalhadores) “estavam submetidos a uma jornada não menor do que 13 horas de trabalho diárias, mas habitualmente de 14 horas”, pontua o relatório dos auditores sobre as jornadas exaustivas, um dos elementos que caracterizam o crime, segundo o Código Penal. Os costureiros eram submetidos a 70 horas de trabalho por semana – no mínimo.
E os “pagamentos” eram feitos de acordo com a produtividade e ainda passando pelo crivo da qualidade, ao que descaradamente a empresa atrela ao “prêmio”. É mais um dos absurdos odiosos do caso, já que os trabalhadores esclareceram que o “prêmio” é o valor do pagamento integral pela costura da peça, que visa garantir à marca que as peças sejam entregues no prazo e sem defeitos. Ficar sem “prêmio” significa, portanto, ter descontado cerca de 15% por peça, mesmo depois de refazer o serviço e entregar o produto como o cliente pediu. “Para mim, não tem prêmio. Só desconto”, disse um dos trabalhadores resgatados. Segundo os depoimentos e dados recolhidos na investigação, cada trabalhador recebia cerca de R$ 900 por mês – o piso da categoria para oito horas de trabalho diárias é de R$ 1.450,02. Além de abaixo do piso, o salário era pago sem regularidade e somente depois do pagamento da Amissima pelo lote. Os funcionários também não recebiam FGTS, férias ou décimo terceiro e muito menos nenhum adicional por horas extras.
Em duas dessas oficinas oficinas, foram encontrados 14 costureiros bolivianos sem carteira de trabalho assinada, e alguns deles sequer tendo documentos brasileiros. E constatou-se ainda que não se trata de algo novo, já que alguns dos trabalhadores estão submetidos à tal situação há anos, datando o mais antigo dos casos de 2012.
A medida tomada de imediato é uma autuação do Ministério do Trabalho, que obrigou a Amissima a pagar R$ 553 mil em indenização aos trabalhadores, por conta de 23 irregularidades encontradas na operação.
Ainda entre as linhas e tecidos, encontra-se uma quantidade signitificativa de analgésicos, antiinflamatórios e cintas ortopédicas que estão sob cadeiras sem encosto, regulagem ou simplesmente quebradas.As instalações elétricas contavam com lâmpadas pendendo do teto. Foram também encontrados extintores de incêndio vencidos – alguns há 15 anos. E no meio de todo o caos, crianças brincando pelo chão.
Bolsonaro vem para dar legitimidade a absurdos como este. Desde a reforma trabalhista de Temer, as grandes empresas e marcas se veem cada vez protagonistas de exploração e degradação total das mínimas condições de trabalho, visando manter seus lucros e por meio de total exploração de cada milésimo de vida dos trabalhadores, fazer com que estes não tenham sequer as condições mais elementares de uma vida digna. Com a extinção do Ministério do Trabalho, o campo estará aberto para que se aprofundem ainda mais ataques como este.
Recentemente inclusive a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo relatou “profunda preocupação com a política de descontinuidade da política de enfrentamento ao trabalho escravo, especialmente quanto às ações de fiscalização coordenadas pelo Ministério do Trabalho.” Hoje já se tem uma série de burocracias a serem enfrentadas para que se consolide o combate a regimes de trabalho análogos à escravidão. Tecnicamente, para que isso ocorra é preciso que existam graves violações a direitos fundamentais. Jornada exaustiva, condições degradantes e submeter os funcionários a riscos de saúde ou de vida, por exemplo.
Não podemos mais permitir nenhum tipo de exploração e degradação das condições de vida dos trabalhadores. É inaceitável que continuemos nessa engrenagem brutal de exploração para que os capitalistas e as grandes marcas e empresas suguem nossas vidas para que suas vitrines continuem repletas e gerando seus lucros, marcados por suor e sangue dos trabalhadores. É urgente que em cada local de trabalho e estudo sejamos uma força imparável de trabalhadores, mulheres, negros, LGBTS, jovens e estudantes e que juntos, exijamos que as centrais sindicais saiam de nossa covarde imobilidade para que sejam diversos os comitês de luta conformados e espalhados por todo o país. Assim, nos organizaremos contra cada ataque de Bolsonaro, da extrema direita, dos capitalistas e do imperialismo para que sejam estes a pagarem pela crise.