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Do Brasil para os Estados Unidos: Luta por direitos trans
Redação

Na sequencia da eleição de Bolsonaro, o MRT faz chamado à comunidade LGBT dos Estados Unidos por um novo movimento LGBT socialista, classista e internacionalista. Companheira trans dos EUA responde ao chamado de Virginia Guitzel.

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Queridas lésbicas, homens gays, bissexuais, comunidade transgênera dos Estados Unidos, me chamo Virgínia Guitzel, sou uma mulher trans de 25 anos brasileira. Sou parte de um grupo muito pequeno de pessoas trans no Brasil que não esteve na prostituição. Sou uma parte ainda muito menor que conseguiu adentrar uma universidade. E uma parcela ainda menor que se organiza politicamente numa organização revolucionária chamada Movimento Revolucionários de Trabalhadores. Mas ainda tenho dois anos, pelas estatísticas que dizem que nossa expectativa de vida é de apenas 27 anos.

Isso me mostrou que o sistema capitalista não pode ser reformado. Precisamos destruí-lo; precisamos nos organizar e transformar toda nossa dor e ódio em revolução. É por isso que eu milito no Movimento Revolucionário de Trabalhadores.

Como vocês devem saber, estamos enfrentando Bolsonaro, que não é apenas um direitista que fala contra a nossa vida abertamente, mas é um herdeiro da ditadura militar que defende tortura e nos seus discursos diz que vai nos exterminar. Essa enorme polarização já resultou em muitas mortes, a primeira foi do capoeirista Mestre Moa do Katendê e em seguida três travestis, uma inclusive da minha cidade. É contra todos os símbolos de resistência que Bolsonaro diz que quer "acabar com os ativismos".

Essa semana tivemos uma conquista pequena mas muito significativa, aprovamos Cotas Trans na universidade Federal do ABC. Em meio ao medo, desespero e agonia que vivem as LGBT brasileiras, demarcamos uma posição. Isso vai aumentar o acesso de mulheres trans trabalhadoras como eu à universidade. Conquistamos essa pequena vitória graças a organização de pessoas trans e da esquerda dentro e fora da universidade.

Eu nunca estive nos Estados Unidos mas eu sinto que estamos conectados na nossa luta contra a opressão e a exploração. Sinto uma ligação ainda mais profunda ao ver os ataques do governo Trump contra os oprimidos. Nosso presidente-eleito, Jair Bolsonaro, é conhecido como o “Trump dos Trópicos.” Apesar de muitas diferenças, como o fato dos Estados Unidos ser um país imperialista e o Brasil semicolonial, eu sei que estamos enfrentando muitos ataques em ambos os países.

Essa semana eu li sobre a proposta do governo Trump de apagar as identidades trans e criar um registro nacional da genitália de cada um. Isso abre as portas para ainda mais discriminação institucional contra pessoas trans, inclusive habitacional e empregatício. Essa é a situação que eu vivo aqui, assim como tantas outras pessoas trans pelo mundo todo, inclusive nos Estados Unidos.

É como dizia Néstor Perlongher em Sexo y revolución "Para aprisionar o ser humano ao trabalho alienado é necessário mutilá-lo reduzindo sua sexualidade aos genitais". O que Trump pretende fazer é precisamente isso. É isso que está sendo exigido de nos no Brasil assim como nos Estados Unidos, cada vez mais sob a crise econômica internacional. Maior exploração, mais opressão, mais miséria para a grande maioria, tudo isso para manter o lucro dos capitalistas. Menos tempo para sermos humanos, menos tempo com nossos companheiros, amigos e família (de escolha). No Brasil, a maio parte das pessoas trans que não estão na prostituição trabalham no telemarketing. A mutilação descrita por Perlongher se faz tão presente nesse trabalho alienante, sua obsessão com a velocidade, com os números, e os resultados – tão distante do humano e tão longe do aprazível.

Como o capitalismo é global, assim deve ser nossa organização. É por isso que eu escrevo essa reflexão.

Tantos dos nossos irmãos e irmãs LGBTs estão amedrontados. Eu imagino que muitos de vocês estejam também Mas como uma revolucionária, eu tenho o dever de combater a paralisia do medo. Bolsonaro quer que andemos de cabeça baixa, sem fazer brilhar o nosso orgulho que com muita luta conquistamos. Eu penso em Stonewall, quase cinquenta anos depois, e eu sei que Marsha e Sylvia devem ter sentido medo também. Mas assim como elas, eu sei que o único caminho adiante é com a luta. Esta na hora de ir para rua, de organizar nosso ódio. É o momento de novas Marshas, novas Sylvias, novas personalidades que façam história e um novo movimento LGBT que encare criticamente o caminho que nos foi imposto desde o surgimento da AIDS, o crescimento de um Pink Money nunca antes visto, e uma ilusão de uma possibilidade de um capitalismo LGBT-friendly que cada dia mais deixa de fazer sentido. É o momento de forjar algo novo.

Que retomemos o melhor da tradição do movimento pela libertação sexual e das nossas identidades orgulhosas, retomemos a combatividade de Stonewall nos Estados Unidos, da organização aliada a classe trabalhadora de Lésbicas e Gays Apoiam os Mineiros da Grã Bretanha, e da enorme audácia da Frente Homossexual de Ação Revolucionária da França que buscou construir um partido internacional da revolução socialista.

Saudações solidárias,

Virginia

Resposta da companheira trans Tiffany K dos EUA

Meu nome é Tiffany e eu sou uma mulher trans nos Estados Unidos. Tem sido um mês difícil para nossa comunidade, com a projeto de lei de apagamento trans e a confirmação do estuprador Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal Federal norte americano. Também sentimos o impacto da vitória de Bolsonaro no Brasil e do crescimento do direita ao redor do mundo. Parece haver muitos motivos para perdermos a esperança, mas eu li recentemente a poderosa carta da Virginia às pessoas trans nos Estados Unidos. Isso me inspirou a escrever uma resposta aos meus irmãos e irmãs do Brasil.
As pessoas trans são uma minoria oprimida nos Estados Unidos assim como no resto do mundo. Nos Estados Unidos, quarenta por cento das pessoas trans sofrem tentativas de suicídio; temos uma chance quatro vezes maior de estarmos em situação de rua; muitos de nos somos forçosamente sujeitos ao trabalho sexual e outros ramos altamente precarizados; e existe uma epidemia de violência individual e estatal particularmente contra mulheres negras trans. 2018 tem sido o ano mais mortífero. A opressão transfóbica tem claros contornos raciais nos Estados Unidos, onde mulheres trans negras e latinas são marginalizadas. É difícil para todas as pessoas trans conseguirem emprego, mas é muito mais difícil para mulheres trans negras e imigrantes que estão sujeitas à enorme violência estatal pelas mãos da policia e da sociedade como um todo.

Segundo reportagens, Trump vem tentado apagar a existência de pessoas trans, ao aplicar uma estreita definição de gênero, que é imutável e determinado na nascença. Eu não tenho dúvida que Bolsonaro tomará medidas semelhantes quando assumir o cargo.

Tudo isso está diretamente relacionado ao estado capitalista que requer a unidade familiar burguesa e a divisão sexual do trabalho. A igreja e a sociedade como um todo nos diz que gênero é biológico; que mulheres cis são biologicamente propensas a assumir o trabalho domestico não remunerado. Mas nós, pessoas trans de esquerda, sabemos que nada disso é determinado biologicamente e que o trabalho não remunerado e a família burguesa são centrais ao capitalismo.

Pessoas trans também são em sua grande maioria parte da classe trabalhadora e frequentemente provem dos setores mais oprimidos da classe. Esquerdistas trans nos Estados Unidos, logo, entendem que a luta trans é uma forma de luta de classe. Mesmo que o Partido Democrata erga uma ou duas figuras trans como símbolos, nos sabemos que acabar com a transfobia significa destruir o capitalismo.

Assim como a Virginia, eu entendo que não podemos simplesmente reformar o capitalismo e a transfobia. O estado capitalista moderno pertence singularmente à burguesia. Não podemos simplesmente o preencher do conteúdo de classe que quisermos. Como colocou a grande poetisa Audre Lorde, “as ferramentas do senhor jamais irão derrubar a casa do senhor.” O estado burgues e seus constructos ideológicos (o que inclui gênero) são impostos sobre nos e existem para nos oprimir.

Nos Estados Unidos, temos acompanhado a terrível repressão das pessoas trans e outros povos oprimidos no Brasil. Temos visto as ações de monstros como Bolsonaro e nos colocamos ao seu lado nessa luta. Sendo que estamos no centro do imperialismo, sabemos da importância de lutarmos em solidariedade com países oprimidos e saqueados pelos capitalistas do nosso país, e pretendemos acompanhar e apoiar a sua luta.

Eu não faço isso por empatia. Eu sei que o internacionalismo é uma necessidade estratégica. Mas eu também sei que a derrubada da classe capitalista imperialista, uma classe mais bárbara do que qualquer outra classe dominante que a precedeu, é essencial para ambas as nossas lutas nos Estados Unidos e no Brasil. **Enquanto mulher trans e trabalhadora, estou convencida de que nossa revolução deve ser internacionalista, caso contrario, fracassará. O capitalismo e a transfobia são internacionais, logo nossa resistência deve ser internacional também. Existem muitas diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos: o Brasil é uma semicolonia e os Estados Unidos imperialista, por exemplo. Mas uma vitória do proletariado em um país é uma vitória do outro também.

Hoje nos Estados Unidos comemoramos o Dia da Memoria Trans: um dia de luto e memória dedicado aos nossos mortos. Contudo, também é um dia para comemorar a resiliência da nossa comunidade e nossa rica historia de rebelião. Não há muito do que se orgulhar na historia norte-americana, mas eu me orgulho do legado da luta trans e de mulheres trans negras e latinas como Sylvia e Marsha. E mesmo hoje, a pesar de todos os horrores que enfrentamos, ainda lutamos. Como disse a Virginia, o papel dos revolucionários não é de se entregar à desesperança; é de lutar com toda a força que temos.

Ambas as nossas classes dominantes buscam nos destruir. Eles não conhecem a nossa força coletiva. É essa força que será a ruína de Trump, Bolsonaro e todos os opressores capitalistas.

Saudações camaradas,

Tiffany K.

 
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