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HOMENAGEM A TROTSKI
Leon Trotski em Xangai (passado e futuro de um encontro histórico)
Edison Urbano
São Paulo
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Como parte das homenagens ao grande revolucionário russo Leon Trotski, publicamos um breve artigo mostrando a força e atualidade de seu legado para pensar as vicissitudes da revolução proletária também do outro lado do mundo.

Nos limites deste espaço, queremos mostrar que o nome de Trotski está intimamente associado com o balanço das revoluções chinesas do século XX, e que o seu legado teórico e político estará tanto ou mais ligado aos novos impulsos revolucionários que aquele país poderá oferecer à luta internacional do proletariado no século atual.

O trotskismo possui raízes profundas na história da China no século XX

A relação do movimento trotskista com a história chinesa recente é profunda em um duplo sentido. De um lado, de um ponto de vista por assim dizer “externo”, a experiência revolucionária daquele país foi decisiva para a própria definição da fisionomia teórica e política do trotskismo como corrente internacional. Por outro lado, pensando “internamente” à própria tradição revolucionária chinesa, a chegada do trotskismo não poderia estar mais longe de ser uma mera “implantação” a partir de fora. Muito pelo contrário, e é por esse lado que iremos começar.

Por muitos anos, a historiografia oficial stalinista na União Soviética, e através da rede dos PCs ao redor do mundo, conseguiu deformar a história da revolução russa e do movimento comunista internacional para apagar o máximo possível a importância da Oposição de Esquerda dentro e fora das fronteiras russas.

Em uma série de países, foi preciso reescrever a história, falsificando-a muitas vezes para além de todo limite imaginável, para corroborar as versões oficias segundo as quais o trotskismo seria um corrente marginal, sem peso na classe operária, sem dirigentes importantes (além de Trotski), e que se reduziria a ser uma “quinta coluna” da burguesia para confundir os trabalhadores e difamar a “linha geral” da burocracia (que seria sempre a manifestação do “gênio tático” de Stalin, segundo a expressão consagrada pelo último Lukács [1]).
Um dos países mais interessantes para demonstrar a falácia desses relatos oficiais (para além da própria Rússia, é claro) é a China. Ali o trotskismo pode se orgulhar de ter tido entre seus iniciadores a flor e a nata do comunismo chinês, a começar do fundador do marxismo na China e primeiro secretário geral do Partido Comunista Chinês fundado em 1921, o camarada Chen Duxiu.

Chen Duxiu e as origens do marxismo chinês

Para entender a importância da adesão de Chen Duxiu à Oposição de Esquerda trotskista após a derrota da revolução chinesa de 1925-1927, é preciso ter uma ideia mínima da importância desse personagem na história da China do início do século passado.

Sem mudar o foco deste artigo, devemos resgatar brevemente a situação internacional da China naquela época. É sabido que a China é o país que possui a maior tradição contínua de uma civilização antiga até os dias de hoje. Ao contrário de outros grandes impérios do passado como Roma ou o antigo Egito, as dinastias chinesas constituem uma história contínua que remonta aos dois últimos milênios antes da era cristã, e sua sucessão levou a uma civilização própria que, até o surgimento da revolução industrial na Europa do século XVIII, possuía um desenvolvimento cultural, técnico e científico superior ao ocidental de muitos pontos de vista. A passagem do século XVIII para o XIX, com a expansão da revolução industrial na Europa e o avanço neocolonial das potências europeias (em primeiro lugar, da Inglaterra) na Ásia, a China foi surpreendida numa situação em que seria submetida militar e economicamente, sofrendo diversas invasões militares, sangrentas derrotas e humilhações nacionais das mais diversas. Na virada do século XIX para o XX, a China era um país de joelhos ante os imperialismos europeus e, já em certa medida, estadunidense. O livro “A imperatriz de ferro” da escritora chinesa Jung Chang (o qual merece uma análise à parte, em outro artigo), ou o filme “O último imperador” (dirigido por Bertolucci) são obras que retratam algo daquele momento, que combinava a humilhação de um império decadente, a espoliação imperialista e uma profunda agitação social, que em 1911 culminará com a chamada primeira revolução chinesa, que derrubou o império e introduziu uma república débil e fragmentada.

Com o pano de fundo dessa recém-instaurada república, incapaz de manter a coesão territorial, de expulsar o imperialismo ou de atender qualquer das demandas vitais das massas chinesas dilaceradas pela penetração escravizante do imperialismo, a década de 1910 será de enorme ebulição social. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, os sofrimentos da população chinesa se agravam ainda mais, o que é fácil imaginar quando lembramos que o território chinês era visto como um dos maiores “botins de guerra” a ser repartido entre as potências vencedoras na guerra. Quando esta termina e é assinado o Tratado de Versalhes entre as potências beligerantes, a indignação popular atinge um máximo: é que nem sequer aquelas terras que estavam sob o domínio da Alemanha, potência derrotada na guerra, foram devolvidas à soberania chinesa; pelo contrário, o governo “republicano” aceitou sem mais a passagem direta desses territórios para o domínio do Japão. O sentimento de traição pelo governo se somou então ao agravamento da condição de opressão colonial, e o resultado foi um enorme movimento de massas que marcou história e ficou conhecido como “Movimento 4 de Maio” (de 1919).

Esse movimento, encabeçado sobretudo por uma massa de estudantes, mas ao qual aderiam também setores da classe operária e da intelectualidade, combinava um amplo sentimento anti-imperialista, com outras reivindicações democráticas e de progresso social. Os historiadores são unânimes em estabelecer um laço profundo entre as consequências desse movimento e a constituição do Partido Comunista Chinês em 1921 – sob o impulso da revolução russa de 1917 e da política de expansão da III Internacional fundada por Lenin e Trotski. De certo modo podemos dizer que, nesse laço profundo, Chen Duxiu constitui exatamente o nó que dá base ao laço. Ele foi, junto a Li Dazhao, um dos principais intelectuais impulsionadores e dirigentes do movimento 4 de Maio, como parte da camada mais progressista e democrática da intelectualidade chinesa. Sua revista “Nova Juventude” marcou época por incorporar várias mudanças, não apenas no conteúdo progressista, contra o conservadorismo da filosofia confucionista oficial do império, mas também na forma, introduzindo diversas mudanças linguísticas no sentido de popularizar o acesso à cultura. Em seguida, Chen avança num curso de radicalização ideológica, na esteira do processo chinês e, sob o impacto da primeira revolução proletária triunfante na Rússia, adere ao marxismo. Chen cumpre então um papel fundamental na fundação do Partido Comunista Chinês, cujo primeiro Congresso, ocorrido em Xangai, o eleva ao cargo de dirigente máximo. Como veremos a seguir, e não à toa, esse mesmo personagem estará na origem do trotskismo chinês.

A segunda revolução chinesa e o surgimento da Oposição trotskista na China

A revolução chinesa que irrompe em 1925 e se prolonga até 1927 pode ser considerada a primeira revolução proletária na China, algo como um “1905 chinês”, porém já no contexto da revolução russa vitoriosa e posteriormente isolada. Os anos da segunda revolução chinesa são também os anos da consolidação do stalinismo na URSS, como reflexo do atraso econômico, do isolamento internacional e das derrotas da onda expansiva da revolução proletária na Europa central e ocidental. Apesar da oposição de Trotski (que então ainda era membro do órgão máximo de direção do PC russo, ainda que sofrendo enormes perseguições da maioria stalinista) a “linha geral” imposta por Moscou aos comunistas chineses levou a revolução naquele país a um beco sem saída, e os operários e camponeses comunistas a uma série de massacres. É que Stalin e seus agentes conseguiram impor ao jovem PC chinês uma linha suicida de dissolução no Kuomintang, um partido nacionalista burguês que, desde a morte de seu fundador, o doutor Sun Yat-sen, passou a ser dirigido pelo general anticomunista Chiang Kai-shek.

Apesar dos esforços dos operários e camponeses na China, que protagonizaram diversos levantamentos ao longo de dois anos em todo o país, com destaque para Xangai, no litoral leste, a cidade economicamente mais desenvolvida do país, e para Cantão, um importante centro industrial e comercial ao sul (onde fica a cidade de Hong Kong), apesar disso a linha imposta a partir do Kremlin levou os comunistas chineses a não cumprirem o papel de direção independente que a revolução necessitava para triunfar. Pelo contrário, as vacilações diante do Kuomintang ajudaram a que o general Chiang pudesse cercar, desarmar e massacrar milhares de operários e camponeses que estavam na linha de frente da revolução, em diferentes episódios.

A derrota foi tão profunda que uma nova onda ascendente da revolução teria que aguardar os sinistros acontecimentos da invasão japonesa nos anos 1930 e de tudo o que a Segunda Guerra Mundial causou ao povo chinês em matéria de violências e barbaridades.

Não à toa, foi o balanço estratégico da revolução chinesa de 1925-27 que ocupou um lugar central nas polêmicas dentro do PC russo e da Internacional Comunista. Mesmo no interior da Oposição de Esquerda, com o debate entre Trotski e antigos camaradas como Preobrazhenski e Radek, que acabaram capitulando ao stalinismo, o tema central é a China.

Em poucas palavras, foi a partir do balanço da derrota da segunda revolução chinesa que a teoria da revolução permanente ganhou sua generalização internacional e, assim, sua forma acabada, tornando-se um marco teórico e estratégico vital para todo o movimento que viria a desembocar na IV Internacional.

Por sua vez, vivendo na pela as consequências daquela derrota, a direção do inexperiente PC chinês sofreu todo tipo de crises e desgarramentos. Uma ala esquerda compreendeu as razões da derrota na linha absurda que deixou os comunistas, e com eles a classe operária e os camponeses, a reboque da burguesia nacional de Chiang. Outros, incapazes de romper com a “linha oficial” emanada do Kremlin, e tudo o que dela advinha em matéria de suporte financeiro, organizacional e até militar, num momento em que os comunistas eram literalmente caçados em todo o país, se dividiu entre duas alas “stalinistas”. Dessas duas alas stalinistas, aquela que preferiu ficar nas cidades e renovar a aposta na aliança com a burguesia foi incapaz de cumprir qualquer papel. A outra ala, encabeçada por Mao Tsé-tung (ou Mao Zedong na nova grafia oficial), a princípio por motivos de autodefesa, refugiou-se no campo e criou um exército de base camponesa, protagonizando posteriormente a célebre “longa marcha” que percorreu o território chinês numa retirada estratégica bem sucedida. No entanto, se a virada de Mao representou uma pronunciada mudança de estratégia militar, do ponto de vista da estratégia política, sua visão continuou sempre fiel ao novo “dogma” stalinista, que dizia que a aliança com a burguesia nacional era o ponto fundamental para a política comunista nos países atrasados (como a China). Por isso Mao manteve, mesmo nos momentos de maior perseguição sofrida pelos exércitos “nacionalistas” de Chiang, a linha de “bloco das quatro classes”, e só a contragosto e depois de ser deixado sem outra saída, tomou o poder em 1949. É claro que os problemas na estratégia de Mao antes de tomar o poder também cobraram seu preço após sua vitória, e é em parte por isso que nós consideramos que o Estado fundado na China após 1949 é um Estado operário burocraticamente deformado, desde a origem. Não podemos desenvolver aqui esse tema, de enorme importância para os marxistas revolucionários, mas podemos indicar, entre outros, os trabalhos de Juan Chingo (em particular o artigo “Mitos e realidade da China atual”) e de Matías Maiello e Emilio Albamonte (“Nos limites da ‘restauração burguesa’”).

Voltando ao momento que seguiu à derrota da revolução de 1925-1927, afogada em sangue dos trabalhadores, o que queremos ressaltar aqui é que, ao contrário dessas duas alas stalinistas, o posicionamento de Chen Duxiu e de muitos outros quadros importantes do PC chinês, como o jovem Peng Shuzi, foi de compreender que o problema estava na estratégia política ditada pelo Kremlin – e que em 1925 os comunistas chineses ainda não haviam suficiente clareza marxista para contrapor. A questão fundamental estava no balanço do beco sem saída a que a falta de independência política da classe operária tinha levado antes e durante a revolução. E por isso, a conclusão só poderia ser uma: a aplicação rigorosa das conclusões da revolução russa de 1917, adaptadas ao terreno chinês. Essa conclusão levou imediatamente a que Chen Duxiu e Peng Shuzi começassem, por conta própria, a aproximar-se das conclusões que Trotski iria tirar do mesmo processo. Quando na sequência do processo, em 1928, os comunistas dessa ala esquerda chegam a conhecer o balanço que o fundador do Exército Vermelho (Trotski) estava fazendo de toda a política levada a cabo na China, a identificação foi imediata. Assim, o nome de Chen Duxiu, que estava associado ao que de mais progressistas havia na intelectualidade chinesa pré-marxista, depois à fundaçao do marxismo e do partido comunista na China, agora se ligava, e seguindo suas próprias conclusões políticas e teóricas, ao que de melhor restava dessa tradição após a reação stalinista na URSS: a oposição de esquerda dirigida por Leon Trotski.

Desgraçadamente, como ocorreu em diversos países, o fato de enfrentar-se ao mesmo tempo contra o terror das tropas governamentais de Chiang, e com a hostilidade agressiva das alas stalinistas nacionais, não forneceu muito espaço para o desenvolvimento da Oposição de Esquerda, e mais tarde da IV Internacional, na China. O próprio Chen Duxiu viveu na prisão ao longo dos anos 1930, e morreu em 1942 numa situação de doença e isolamento político, afastando-se da IV Internacional por diferenças de caracterização sobre a Segunda Guerra Mundial. Mas o que importa aqui sobretudo é reafirmar aquela linha de continuidade revolucionária entre os movimentos progressistas chineses, a introdução do marxismo e a sua continuação na oposição trotskista, cuja derrota levou a revolução chinesa aos diversos impasses que, com diversos zigue-zagues burocráticos – sintetizados de um lado pelos arroubos de “voluntarismo burocrático” do tipo do “Grande salto adiante” (1958) de Mao, que levou a China à ruína econômica e à fome, e o caos generalizado da “Revolução cultural” (1966-1971) – até o processo de restauração capitalista aberto em 1978 e que segue até os dias atuais, com plena unidade (reacionária) de todas as alas da burocracia do PC chinês.

As contradições atuais e a renovação da hipótese “Trotski em Xangai”

Saltando toda uma série de capítulos fundamentais da história chinesa no século XX, cuja análise extrapolaria completamente os limites deste artigo, devemos enfocar diretamente o momento atual da China. Apesar de que lá o processo de restauração capitalista começou bem antes daquele da URSS, já em 1978, desenvolveu-se ao longo dos anos 1980, e adquiriu velocidade vertiginosa após 1992, apesar disso, esse processo assumiu um caráter muito mais contraditório lá do que na maioria dos países em que, ao longo do século XX, a burguesia foi expropriada, porém as revoluções ficaram presas no beco sem saída do stalinismo. É que ao contrário da URSS, onde a volta da propriedade privada capitalista veio acompanhada da implosão do regime de partido único, na China é o mesmo regime dominado pelo PC que se mantém no poder até hoje.

Em outras palavras, o capitalismo selvagem que leva a que milhões de camponeses migrem a cada ano para as cidades, sem nenhum direito social, em situação análoga aos africanos “sans papier” na França ou os latinos “ilegales” nos EUA, porém em seu próprio país, e que constituem o exército industrial de reserva que permite aos capitais imperialistas que penetraram na China impor ali, com reflexos para o conjunto da classe trabalhadora mundial, condições de trabalho e jornadas de trabalho que não deixam nada a dever à Manchester da primeira revolução industrial descrita por Engels no clássico “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”. A competição-cooperação entre os capitais imperilialistas estrangeiros e a burocracia todo-poderosa do partido único (que mimetiza os primeiros com seus tentáculos “imperialistas” sobre a África e a América do Sul) conferem à sociedade chinesa o contexto geral para o acúmulo sem precedentes das contradições de classe, dentro de um país onde a ideologia oficial é o “socialismo com características chinesas” e a filosofia de estado é já não um “marxismo” dogmatizado e apodrecido como na URSS, e sim um “confucionismo modernizado”.

Mas por isso mesmo, o potencial objetivo da classe operária mais numerosa do mundo, em concentrações industriais de dezenas de milhares como já não se vê na Europa, nos EUA e nos restante da periferia capitalista, precisa ser mobilizado, com todo seu descomunal peso de massas, sob as verdadeiras bandeiras do marxismo e do comunismo. Sob a bandeira vermelha da classe operária internacional, da expropriação das empresas imperialistas, do controle operário da produção e da planificação democrática da economia, sob a bandeira do fim de todos os privilégios burocráticos, do pleno direito aos benefícios sociais aos cidadãos chineses de todo o país, sob a bandeira da fraternidade entre os povos.

Não faz ainda muito tempo que, em meio ao “boom” de prosperidade que a restauração capitalista na China conferiu à burguesia imperialista à custa do suor, do sangue e dos suicídios em série dos operários chineses, um ideólogo tentou encontrar na China o baluarte para uma nova interpretação do liberalismo burguês de um Adam Smith. Passados já vários anos da eclosão de uma nova crise secular do capitalismo mundial, e num momento em que uma crise financeira assombrosa vem à tona na própria China, é hora de augurar um futuro de glórias para a revolução proletária internacional, e profetizar que, nessa nova volta da roda da história, os trabalhadores de todo o mundo poderão, mais cedo do que tarde, ver tremular em Xangai a bandeira de Leon Trotski, a bandeira da revolução mundial, a verdadeira bandeira do comunismo.


Notas

[1] Cf. por exemplo Pensamento Vivido, uma autobiografia em diálogo (Editora Ensaio), onde o filósofo húngaro explicita que, mesmo em 1970, isto é, após toda a campanha oficial de “desestalinização” promovida pela burocracia de Kruschev e cia., para ele (Lukács) tanto o papel de Stalin como “continuador” de Lenin, como a famigerada teoria do “socialismo num só país” seguiam merecendo sua aprovação.

 
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