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ARTE REVOLUCIONÁRIA
O compromisso da arte revolucionária independente com a história
Afonso Machado
Campinas

De olho nos 80 anos da publicação do Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente de André Breton e Leon Trotski, estamos diante de uma importante tarefa histórica: reabilitar os laços políticos entre arte e revolução.

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Tarefa aparentemente ingrata visto que o veredito político da maioria dos intelectuais é de que a Revolução social seria hoje inviável. Para outros intelectuais habitantes do mesmo saco de conformistas, a arte seria apenas uma salada de manifestações esteticamente pueris e semelhantes às mercadorias mais caras (e mais banais).

Obviamente este é o tipo de gente que olha para os fatos políticos e culturais como um amontoado de fenômenos sem direção. Aos olhos destes a história não tem rumo porque não existiria processo, não existiria norte, não existiria ruptura política.

Somente uma estratégia política revolucionária construída pela classe trabalhadora poderá arrancar as atividades intelectuais e artísticas da pasmaceira, retomando o fio da meada da história. A consciência fragmentada do proletariado sugado até a última gota pelo capitalismo de serviços (além é claro daqueles operários que pertencem aos setores clássicos do mundo do trabalho) deve ser abalada por uma vivência cultural que profana os templos da mercadoria. Quer dizer, paralelamente à criação de um programa político revolucionário, a classe trabalhadora necessita também de um conjunto de atividades artísticas que prepara subjetivamente a Revolução socialista. Errou feio quem subestimou tais atividades como produção de figuras e narrativas estereotipadas. Para ser revolucionária a arte não pode existir enquanto ferramenta que ilustra mecanicamente as resoluções políticas de um partido. Existe em nossa época uma relação bem mais profunda entre manifestações artísticas e Revolução social.

Faz mais de um século que o capitalismo esmaga florescimentos estéticos. Toda e qualquer manifestação artística digna de atenção nos últimos cem anos, que causa impacto na vida social, entra de alguma maneira em choque com a ordem estabelecida, seja no âmbito moral, seja no aspecto político mais imediato.

Ideologicamente falando somente grandes peças comerciais importam para o capital: são aquelas pretensas obras de arte que procuram harmonizar ilusoriamente a infraestrutura e a superestrutura (e aqui cabem tanto séries e filmes hollywoodianos quanto anúncios de mercadorias que exigem todo “ requinte artístico “). Logicamente não podemos deixar de mencionar também no cenário da cultura contemporânea, a absorção/neutralização de formas artísticas que algum dia já foram transgressoras e os modismos de tipo pós-moderno que infestam instituições culturais. O que esta situação toda revela? Será que o capitalismo estetizou a vida a ponto do homem, da arte e da mercadoria serem 3 em 1? A verdade é que a impotência artística/intelectual hoje expressa o esgotamento de uma cultura que se reproduz artificialmente até a exaustão. Façamos com que os artistas medrosos passem a suar frio: somente a Revolução socialista poderá, nas palavras de Breton e Trotski, abrir caminho para uma nova cultura. Não é exagero afirmar que o Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente(1938) permanece como um “ Ás “ na manga no jogo de cartas contra o conformismo artístico/político.

Talvez o principal motivo para que o manifesto de Breton e Trotski não descanse tão cedo no silêncio e no sossego dos arquivos da história recente, é que se por um lado a arte não pode resolver sua crise e assegurar seu desenvolvimento diante dos grilhões do sistema capitalista, por outro a arte que participa do preparo da Revolução social não pode estar submetida ao controle político. Para jornalistas e historiadores que alugam teorias para quem paga mais caro, o conceito de arte revolucionária ainda é sinônimo de Realismo Socialista. Todo processo de falsificação da história, de distorção dos fatos políticos e padronização estética, exprime dentro do stalinismo cultural a fabricação de um conto de fadas de muito mau gosto. Mas o que os mesmos jornalistas e historiadores ocultam(e dependendo de alguns casos até desconhecem) são as manifestações artísticas revolucionárias distintas do jdanovismo.

Por uma questão de ordem: o marxismo não precisa pedir desculpas pelos erros do stalinismo cultural na medida em que este último nunca representou o ponto de vista do materialismo histórico nas questões artísticas. O paradigma histórico da Revolução russa de 1917 foi vital para gerações de escritores e artistas cientes do beco sem saída que é a civilização capitalista: tais artistas entregaram-se com paixão à causa revolucionária. Entretanto, o stalinismo cultural apropriou-se deste evento histórico e o revestiu artisticamente de imagens mentirosas: um verdadeiro batalhão de escritores, pintores, escultores, historiadores, jornalistas e cineastas da ex-União Soviética falsificou na cara dura os eventos presentes no interior da Revolução russa, a ponto da imagem e dos feitos de Trotski, por exemplo, serem sistematicamente apagados. O assassinato da memória e a manipulação de fatos históricos nada tem a ver com a arte revolucionária. Por ser necessariamente independente a arte revolucionária está comprometida com a verdade interior do artista e com a verdade da própria história. A atual geração de artistas e militantes de esquerda possui uma tarefa histórica que não é pequena... Nada menos do que recuperar as imagens da Revolução socialista, assaltar a imaginação atrofiada com manifestações e ideias que fazem os trabalhadores sentirem que estão a bordo da locomotiva da história. Expressar a revolta social através da arte e logo transmitir a sensação de que a sociedade está em movimento, implica em posturas artísticas independentes. Mas eis que surge um perigo de tipo relativista: a frase “ Toda licença em arte “, presente no manifesto de Breton e Trotski, não implica na defesa de qualquer bobagem, não designa um vale tudo justificável à luz da independência artística.

Se obviamente não podemos estabelecer regras, padrões estéticos e muito menos censurar quem quer que seja por se expressar artisticamente, existe o pressuposto revolucionário: a liberdade e a verdade da diversidade exigem a Revolução, sem a qual a pluralidade artística não pode se desenvolver plenamente, existir plenamente. Claro, toda manifestação artística tem o direito de existir (como sabemos, é o debate e não a censura que lhe confere sentido/interpretação).

Todavia o engajamento político e a pesquisa estética são pressupostos daqueles que defendem a arte revolucionária. Mas como isso se revela artisticamente? A arte que trabalha pela Revolução surge primeiramente como um protesto contra a sociedade de classes: este protesto é elaborado interiormente, isto é, mediante a psicologia de um individuo(ou indivíduos) que é afetado pelas contradições sociais.

Logo a expressão artística, fruto de uma deformação do real na criação de uma nova realidade(a realidade da obra de arte) reivindica, muitas vezes de uma maneira que não é tão óbvia, a Revolução. Para que isto ocorra e a arte dê a sua contribuição ímpar para emancipar o homem, o artista precisa sentir profundamente a necessidade histórica da Revolução socialista.

A livre associação entre artistas revolucionários que apresentam concepções estéticas especificas e a educação estética do proletariado caminham lado a lado. Tanto a sondagem dos fenômenos do inconsciente realizada pelo Surrealismo quanto a denúncia política realizada pela arte social, fazem parte da arte revolucionária independente ainda metaforizada num aperto de mão entre André Breton e Diego Rivera. Se vários são os projetos artísticos que militam a seu modo por uma nova sociedade, existe ao mesmo tempo a necessidade dos trabalhadores assimilarem a herança cultural(se faz necessário buscar dentro deste patrimônio cultural as tradições que comunicam artisticamente a luta revolucionária).

As armadilhas históricas do stalinismo contribuíram para que o capitalismo dançasse e espezinhasse sobre os erros do movimento operário. É nosso papel remover as mentiras do stalinismo e resgatar as imagens revolucionárias da história. O artista de esquerda não é um fabricante de mitos políticos, não é um adulterador dos fatos históricos. Que as imagens libertárias da Revolução social sejam expressas por aqueles que olham o passado a fim de abrir picada pelas futuras estradas da humanidade.

 
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