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MARXISMO
Casa Marx RJ debateu “Marxismo, revolução e estratégia no século XXI” com Matías Maiello do PTS
Redação

Matías Maiello é co-autor do livro “Estratégia Socialista e Arte Militar” com Emílio Albamonte, publicado em espanhol e proximamente em português.

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Se realizou na Casa Marx, na quarta feira (18), o evento “Marxismo, revolução e estratégia no século XXI” com Matías Maiello, Co-autor do Livro "Estratégia Socialista e Arte Militar" junto a Emílio Albamont. Matías é dirigente do Partido de Trabalhadores Socialistas (PTS), da Argentina, organização-irmã do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), no Brasil, ambos os grupos que impulsionam a rede internacional de diários do Esquerda Diário. A mesa foi mediada por Simone Ishibashi, doutoranda da UFRJ em Economia Política Internacional e editora da Revista Idéias de Esquerda.

Estiveram presentes dezenas de trabalhadores de diversos locais de trabalho, e estudantes da UFRJ, UERJ, PUC-RIO, professores da UFRJ, professores da rede pública estadual e municipal entre outras categorias do movimento operário e de secundaristas. O evento foi impulsionado pelo Movimento Revolucionário de Trabalhadores e sediado na Casa Marx, na Lapa, no centro do Rio.

Assista a atividade na Íntegra:

Abaixo a fala de Matías Maiello:

Palestra sobre Estratégia Socialista e Arte Militar

O livro Estratégia socialista e arte militar, que escrevemos junto com Emilio Albamonte, é um livro que aborda a questão militar, analisa os problemas da inssurreição, da guerra civil, das duas guerras mundiais e o que se chamou de “guerra fría”, mas não é esencialmente um livro de estratégia militar, mas sim de estratégia em um sentido mais amplo, incluindo em primeiro plano a estratégia política.

Trata-se para nós de um tema de primeira importância. Em um sentido, podemos dizer que não se pode entender o marxismo do século XX sem estudar estratégia.

O general prussiano Carl Clausewitz, como muitosjásabem, é um dos principaisclássicos do pensamento estratégico que segue vigente até hoje.

Não por acaso, o jurista alemão Carl Schmitt dizia que os cadernos de Lênin sobre a obra de Clausewitzeram “um dos documentos mais extraordinários da história universal e das ideias”. Ou no caso de Ernesto Laclau e ChantalMouffe, também não é casual sua afirmação de que o marxismo do século XX “repousa sobre um imaginário que depende em grande medida de Clausewitz”.

Em Estratégia Socialista e Arte Militar partimos dessa consideração para abordar um conjunto bastante amplo de debates que atravessaram e atravessam o marxismo. Como seria imposível resumí-los em uma palestra, vou me concentrar em situar as coordenadas mais gerais do livro e apresentar o tipo de problemas estratégicos que o livro trata de pensar e assinalar qual é sua atualidade.

Reforma ou Revolução

Para começar quería colocar uma citação do dirigente do Podemos, do Estado Espanhol, Pablo Iglesias, que me parece ilustrativo para a discussão. Como sabem, em 2015 chegou ao governo na Grécia a coalizão Syriza, que se apresentava como um partido de reformas do capitalismo que se opunha aos planos de ajuste da Troika. No entanto, quando chegou ao poder se transformou em aplicador desses mesmos ajustes que dizia rechaçar.

Perguntaram para Pablo Iglesias se o Syriza teria que ter tomado medidas “duras” contra a Troika, ao invés de terminar aplicando o ajuste que em teoría diziam combater. A isto, Pablo Iglesias respondeu o seguinte, cito literalmente:

“O problema que se deve verificar é se alguém a partir de um Estado pode se colocar semelhante desafio (…) se nós estamos governando e vamos fazer algo duro, de repente temos boa parte do exército, do aparato da polícia, todos os meios de comunicação e tudo contra você, absolutamente tudo.”

É interesante essa reflexão porque marca claramente doiscaminhosentre os quais a estratégiadeve escolher.

Essa é a primeira pregunta estratégica que temos que responder.

Pode escolher um primeiro caminho que consiste em se ater aos marcos do que está instituído e atuar dentro dos limites impostos pelo capitalismo, combinando-o, isso sim, com um discurso “de esquerda”. Ou um segundo caminho: ir além dos limites das instituições, atacar os interesses capitalistas e enfrentar o Estado burguês, para o qual, efetivamente, tenho que me preparar para enfrentar toda uma série de forças materiais que vão se colocar para enfrentar ess aperspectiva.

No primeiro caso, quando escolhemos respeitar os limites impostos pelo regime político e pelo capitalismo poderíamos dizer que, em um sentido forte, não há estratégia, se a entendemos como a entendia Clausewitz. Ou seja, não há estratégia do ponto de vista da utilização dos combates táticos parciais com o fim de dobrar a vontade do inimigo, ou, como dizia Trotski, como “a arte de se colocar no comando”. O que temos em seu lugar é a administração, com um discurso “de esquerda”, dos interesses dos capitalistas.

Isso termina como o Syriza, aplicando o ajuste, apesar de ter feitoum referendo onde 60% votou por enfrentar a Troika e rechaçar o ajuste. Syriza tinha um programa mais de esquerda do que o que finalmente fez, contudo, a crise capitalista limita as opções reformistas. A alternativa é: ou enfrentar ou se submeter aos ditames do capital, há cada vez menos espaço para alternativas intermediárias, como ocorreu em algum sentido na América Latina durante a década que está aproximadamente entre 2004 e 2014 graças ao ciclo de crescimentoeconômico excepcional que beneficiou a região e que jánão existe mais.

Hoje na América Latina, nos últimos anos temos muitos exemplos do que estou assinalando. Sem ir muito longe, aqui no Brasil Dilma ganhou as eleições de 2014 dizendo que não ia ajustar e terminou ajustando. Algo semelhanteocorreu no Equador o actualmente na Nicaragua. Em todos esses casos, o resultado político é que os governos pós-neoliberais terminam fortalecendo as alternativas de direita e o próprio imperialismo.

Não é por acaso que isso ocorre.Tem a ver com as condições impostas pela crise capitalista. Ou seja, eu posso dizer, como entendo que Guilherme Boulos defende aqui que “a dívida pública não é o maior problema do país”. Posso ignorar que a dívida pública é um dos mecanismos privilegiados de saque imperialista e que então basta colocar alguma taxa ao capital financeiro, e que fazendo isso garanto não ser preciso enfrentar a polícia, o exército, os meios de comunicação e tudo o que dizia Pablo Iglesias.

Posso fazer um discurso com isso, mas é uma alternativa falsa. Em situações como a atual e ainda mais se a crise se aprofunda, só tenho duas alternativas de fundo: tomar medidas “duras”, como o não pagamento da dívida pública e enfrentar os fatores de poder que apontava Iglesias,,ouentão me resignar ao que fez o Syriza, ou seja, descarregar a crise sobre os trabalhadores mas com um discurso “de esquerda”.

O trabalho da estratégia

Então, se tomamos o caminho de aceitar o enfrentamento com os capitalistas, é evidente que para fazê-lo é necessário uma força material (e “moral”, diríamos com Clausewitz). Entãochegamos a umasegunda pergunta estratégica fundamental: Que tipo de força social e política é necessário articular? Tenho que construir uma força capaz de encarar esses enfrentamentos, começando pela construção de um partido revolucionário para esses combates. Trata-se de um trabalho estratégico que, obviamente, não posso começar no dia do “assalto ao Palácio de Inverno”, no dia da revolução.

Além disso, esse “trabalho da estratégia” coloca por si mesmo toda uma série de problemas. Clausewitz tinha uma frase muito ilustrativa a respeitodisso, dizia que “na estratégiatudo é simple, mas nemtudo é fácil”. Que queria dizer? Que uma vez definido o curso estratégico que vou seguir, depoistenho que fazê-lo efetivamente. Quando passo da “guerra no papel” para a realidade aparecem os problemas. Aparece a fricção, como a chamava Clausewitz, porque o terreno da ação é o terreno da incerteza, do azar, do medo. Essa observação é fundamental para termos uma aproximação realista da estratégia.

“Estratégia de desgaste” e “estratégia de abatimento”

Então, diretamente ligada à anterior, se coloca uma terceira pregunta estratégica fundamental: como formar uma força revolucionária nas condições que acabamos de descrever? Essa é uma pregunta que atravessou a história do marxismo.

Por exemplo, vários de vocês conhecem ou ouviram falar da discussão em torno das categorías de “guerra de posição” e “guerra de manobra” que se toma a partir da obra do revolucionário italiano Antonio Gramsci. Muitas vezes essa discussão se vulgariza, por exemplo, quando se afirma que a “guerra de posições” consiste em conquistar determinados espaços dentro do Estado capitalista para a partir daí motorizar reformas. Esse não é de forma alguma o pensamento de Gramsci, questão que desenvolvemos no livro em contraponto com o acadêmico marxista Peter Thomas.

Essa discussão entre “guerra de posição” e “guerra de manobra” tem seu antecedente em uma discussão anterior menos conhecida e muito importante. Me refiro ao debate da segunda década do século vinte sobre a “estratégia de desgaste” e a “estratégia de abatimento”.

Quem introduz esses termos no debate é Karl Kautsky, que era o referencial teórico da Segunda Internacional. Os tomade um historiador militar chamado Hans Delbuck. Delbruck, a partir de umasérie de observações deixadas por Clausewitz para revisar sua obra, elabora uma concepção onde há dois pólos da arte da estratégia: por um lado, a “estratégia de desgaste”, quandoo objetivo são conquistas limitadas nas fronteiras, e, por outro lado, a “estratégia de abatimento”, quando o objetivo é diretamente abater o inimigo.

¿Para que Kautsky retoma isso? Para discutir contra Rosa Luxemburgo. A discussão é a seguinte. Em 1910, emumasituação marcada pelas lutas operárias e mobilizações democráticas de massas, Rosa afirmava que se devia fazer agitação sobre a necessidade de uma greve geral política. Kautsy se opõe, dizendo que não era correto arriscar a organizaçãosocialdemocratanessasbatalhas e que a chave passava por obter uma grande votação nas próximas eleições.

Então o que estava colocado para Kautsky era uma “estratégia de desgaste”. A que se referia? Kaustky explicava da seguinte forma, cito textualmente: “A ciência moderna da guerra diferencia dois tipos de estratégia, a estratégia do abatimento e a estratégia de desgaste. A primeira reúne suas forças de combate rapidamente, para ir ao encontro do inimigo e lhe infligir golpes decisivos (…) Na estratégia de desgaste, pelo contrário, seu chefe evita todo combate decisivo: busca manter o exército inimigo em constante alerta por meio de manobras de todo tipo, sem lhe dar oportunidade de estimular suas tropas através de triunfos”.

Rosa Luxemburgo lhe responde que toda sua elaboração sobre a “estrategia de desgaste” era o fundamento para uma orientação que consistia em “nada mais que parlamentarismo”. Ainda que depois se demonstrou que estava certo isso que Rosa dizia, nesse momento ainda não era exatamente assim, pelo menos em relação ao que Kautsky efetivamente dizia. Kautsky continuava afirmando que no momento indicado era necessário passar para uma “estratégia de abatimento”. Já Rosa Luxemburgo, obviamente, não era antiparlamentarista, não estava aí o problema.

A diferença era que Rosa sustentava que a socialdemocracia devia cumprir um papel de vanguarda no desenvolvimento das tendências mais avançadas da luta de classes nesse momento, e não simplesmente esperar as eleições.

O que Rosa Luxemburgo está discutindo é algo que em que incorre até os días de hoje grande parte da esquerda, inclusive a que se reivindica socialista, de entender a política somente como intervenção eleitoral uma vez a cada dois anos, e a luta exclusivamente como luta sindical. Rosa, sem negar a intervenção nas eleições, não separa a intervenção política da intervenção na luta de classes. O que para Kautsky são duas estratégias supostamente complementares, para Rosa são duas estratégias alternativas que se opõem entre si.

Classe, partido e direção

Bem, aquí chegamos a um dos problemas fundamentais do esquema de Kautsky das duas estratégias. Para compreendê-lo, é interesante a explicação que Lars Lih, um acadêmico marxista norte-americano, apresenta da visão de Kautsky.

Segundo Lih: “Kautsky explicava que a estratégia de ‘desgaste’ (a habitual prática do Partido Socialdemocrata da Alemanha de enérgica educação socialista e organização) era apropriada para umasituação normal, nãorevolucionária, enquanto que a de [estrategia de] ‘abatimento’ (greves políticas de massas e outros meios não parlamentares de pressão) era conveniente para uma situação verdadeiramente revolucionária.”

Mas, é possível durante toda a etapa prévia eludir as principais batalhas seguindo a rotina sindical e eleitoral, como dizia Kautsky, e, de repente, quando a situação se torna revolucionária combater decididamente? Não, não é possível. Trata-se de uma ideia inaplicável na realidade, e, não por acaso, para Kautsky nunca chegou a hora da “estratégia de abatimento”.

Por que? Porque a realidade é muito mais complexa. Em primeiro lugar porque não podemos reduzir a realidade somente à existência de situações claramente “não revolucionárias” ou claramente “revolucionárias”. Não apenas porque além disso há situações contrarrevolucionárias ou reacionárias mas porque a realidade está cheia de situações transitórias, de um degradê de situações intermediárias, híbridas, que não estão claramente definidas. E é justamente nesses momentos “transitórios” em que a atividade do partido revolucionário é fundamental.

Clausewtiz se enfrentou com um problema parecido no terreno da teoría militar. Ele dizia que a guerra era umcamaleão, que sob o mesmofenômenoguerreiroestavamcompreendidas desde as guerrasnapoleônicas, que Clausewitz tendia a assimilar à categoría de “guerra absoluta”, até guerras onde praticamente não se disparava um tiro, nas quais não se passava da “observação armada”. Se existe toda essa gama de guerras, ¿comoabordá-las entãoem sua complexidade? Essa é a pregunta que se faz Clausewitz.

Clausewitz responde que se é verdade que a guerra é um camaleão, por trás dessa heterogeneidade sempre há três elementos que estão presentes, que chamou de “estranha trindade”. Essa estava composta por: o impulso elementar ou ódio que atribuía ao povo, o cálculo de probabilidades que atribuía aos generais e ao exército, e a política que atribuía ao governo. Em toda guerra estão presentes estestrês elementos emuma determinada relação.

Do ponto de vista do marxismo se pode estabelecer um tipo de analogía muito produtiva com aquela “trindade”, com muitas diferenças importantes. Não vou desenvolver as diferenças aquí por uma questão de tempo, mas os convido a lê-las no livro. A analogía que pode se estabelecer é entre aquela “trindade” e a interação que existe entre classe, partido e direção no marxismo revolucionário.

Ou seja, toda situação se caracteriza, do ponto de vista subjetivo, por uma determinada relação entre classe, partido e direção. É desde esse ponto de vista que é possível nos orientarmos em uma situação concreta.

Por exemplo, na Argentina houveuma importante ação de luta de setores de massasemdezembro do ano pasado,comenfrentamentoscom a polícia na Praça do Congresso onde estavam movilizados uma parte dos sindicatos, a Frente de Esquerda, o do qualfazemos parte, e organizações de desempregados contra a reforma da previdência. Essaaçãocolocouem xeque o governo de Macri, contudo, nos meses posteriores parecía que não acontecia quase nada. Muitos se perguntavam como é possível que depois de uma importante ação como essa, que parecía abrir uma situação pré-revolucionária, não tenha acontecido nada. Depois, no mês de maio quem passou a ofensiva foram os capitalistas, dando uma espécie de golpe de mercado para impor seus interesses. Ainda que tenhamocorrido as mobilizaçõesmuito importantes pelo direito ao aborto, ainda não há um nivel de luta como o que houve em dezembro, a pesar da crise ser muito superior. Inclusive a paralisação geral da CGT que houve em 25 de junho, a pesar de sua contundencia, não teve maiores efeitos.

Como explicar uma situação assim? Bem, não de pode explicar nem pela situação econômica em si mesma, nem pela espontaneidade ou não da ação de massas em si. Para entender o que ocorre temos que ver, por exemplo, a importante ação da burocracia sindical para frear toda luta séria do movimento operário, e a ação do kirchnerismo para evitar a luta com o argumento de esperar as eleições de 2019.

Contudo, depois, quando a direita avança, não faltam pessoas de pseudo-esquerda que dizem “o problema é que os trabalhadores não querem lutar”, “A correlação de forças não permite” e coisas do tipo, abstraindo a atitude de suas direções. Mas para entender o que acontece temos que ver o quadro de conjunto. O movimento de massas, a classe, seus partidos e suas direções, como cada um atua.

Seguramente vocês podem ver o mesmo aquí no Brasil. Como aconteceu, por exemplo, depois da histórica paralisação geral de vinte e oito de abril de 2017, que depois não teve continuidade. Ou no papel da direção de Lula e do PT em diluir a resistência ao golpe de Temer, e inclusive sua passividade diante da própria prisão de Lula. Também poderia se pensar algo semelhante para explicar o avanço de direitistas como Bolsonaro ou a simpatía que despertaram os caminhoneiros que pediam a intervenção militar. Tudo isso parece muito difícil de explicar sem levar em consideração o papel totalmente passivizante da direção do PT e da CUT, e de grande parte da esquerda que se adapta a eles.

O que se complementa extraordinariamente com aqueles setores que se dizem de esquerda e se dedicaram a apoiar os golpistas, à Justiça da Lava Jato e as mobilizações de direita.

A conclusão é clara: a passividade não surge do nada, há muitos atores que contribuem de diferentes formas para construí-la.

O papel ativo do partido revolucionário

Com isso quero dizer que, longe de qualquer automatismo ou fatalismo, a ação ou inação das forças políticas existentes é parte determinante da evolução da situação. E nesse mesmo sentido é determinante a existência ou não de uma força revolucionária, assim como é determinante para a situação a ação ou inação de uma força revolucionária realmente existente na medida de suas forças.

Nesse ponto encontramos uma grande coincidência entre Lênin e Rosa Luxemburgo. Que dizia Rosa frente a Kautskyem 1910? Que o partido socialdemócrata devia agitar a questão da greve geral e buscar desenvolver os elementos mais progressivos da luta de classes e não se limitar a esperar as eleições. Entre ambas atitudes havia uma grande diferença. Porque a própria situação de conjunto mudava se a socialdemocracia alemã de então, que era um partido muito grande, impusionava o processo de lutas buscando ligar as lutas operárias com o movimento político que questionava o regime.

Diante da colocação de Kautsky de que não se deveria agitar a grevegeral porque nãohaviasituaçãorevolucionária, ¿que responde Luxemburgo? Que essa resposta é abstrata, porque não se pode pensar se avançam os elementos pré-revolucionários da situação por fora da ação da própria socialdemocracia. E efetivamente tinha razão. As eleições finalmente chegaram em 1912 e a socialdemocracia teve um desempenho espetacular, foi o partido mais votado com mais do dobro de votos que o segundo, e ganhou 110 cadeiras. Mas, pouco tempo depois estourou a Primeira Guerra Mundial, então toda essa enorme força que a socialdemocracia havia conquistado no parlamento não serviu de nada para as massas. O partido havia tirado o centro de gravidade da luta de classes, já não era uma organização preparada para o combate na luta de classes.

Em 1914, a direção socialdemocrata traiu e votou no parlamento os créditos para que o imperialismo alemão encarasse a guerra, mas, além disso o partido estava desarmado políticamente para enfrentar na luta de classes uma situação catastrófica como a guerra. Esse foi o resultado, como afirmava Rosa Luxemburgo, de seu desenvolvimento por fora dos principais combates que colocava a luta de classes. Demonstrou, por sua vez, a impossibilidade daquela passagem repentina da “estratégia de desgaste” à “estratégia de abatimento” que Kautsky sugeriu anos antes.

Uma inovação fundamental de Lênin

Então, indicamos que havia uma grande coincidência entre Lênin e Rosa Luxemburgo em relação à necessidade de que o partido revolucionário desenvolva, na medida de suas forças, os elementos mais progressivos da luta de classes em uma situação determinada. Mas também temos que assinalar uma grande diferença entre Rosa e Lênin que tem a ver com os novos fenômenos que surgiram a partir do século XX.

Havia uma enorme distancia entre a luta política que se desenvolvía na socialdemocracia naquele momento e outras discussões fundamentais que atravessaram o movimento revolucionário previamente, por exemplo, a que ocorreu na Primeira Internacional entre Marx e Engels com Bakunin e os anarquistas. A discussão entre Marx e Bakunin era uma luta político-ideológica, essencialmente.

Mas a luta política que se expressava no debate Kautsky-Luxemburgo não era simplesmente uma luta político-ideológica, mas havia surgido uma força material enorme: as burocracias política e sindical no movimento de massas – que daí em diante se transformamemum elemento com muito peso na história do movimento operário. Ou seja, não era apenas uma luta político-ideológica, mas também um enfrentamento entre forças materiais.

A relação é explícita, Kautsky se opunha a Luxemburgo porque não queria se indispor com a burocracia sindical socialdemocrata. Por que? Porque a partir de 1906 (no Congresso de Mannheim) a burocracia sindical havia imposto ao partido a proibição de agitar a greve geral sem seu consentimento. Não estamos falando de uma proibição por parte do Estado, mas sim diretamente vindas dos próprios dirigentes sindicais. Dessa forma, a posição de Luxemburgo de agitar a greve geral se chocava diretamente contra a burocracia. A isto se deve acrescentar que, junto com a burocracia sindical, havia se desenvolvido no partido socialdemocrata também uma burocracia política à qual não convinha o desenvolvimento da luta de classes porque afetava a “unidade da oposição”, ou seja, as boas relações com a oposição liberal-burguesa e uma possível colaboração parlamentar com ela.

Em síntese: as lutas de estratégia no seio do movimento operário, já desde o principio do século XX não eram apenas lutas político-ideológicas, mas sim lutas onde se enfrentam forças materiais.

E aquí chegamos à diferença entre Lênin e Rosa Luxemburgo. Nesse ponto, Lênin fará uma inovação fundamental, que marcará uma diferença muito importante com Luxemburgo. Rosa e Lênin estavam de acordó em que a chave de um partido revolucionário passava por desenvolver os elementos mais avançados que oferecia a luta de classes em um determinado momento, mas a isso Lênin agregava uma questão fundamental: assinala que para isso são necessárias correntes revolucionárias no interior das organizações de massas. Lênin se dá conta de que é indispensável uma força material de combate que possa enfrentar não só ao Estado, mas também a burocracia no interior das organizações de massas (sindicais, políticas, sociais) como condição para poder desenvolver efetivamente as tendencias mais avançadas da situação.

Esse era um elemento central para a definição do partido revolucionário como “partido de vanguarda” e como “partido de combate”. Na concepção de Lênin o partido revolucionário devia organizar correntes próprias no interior das organizações de massas junto com os setores mais conscientes. Devia fazê-lo para enfrentar com êxito a força material das burocracias sindicais para contribuir para desenvolver os elementos mais avançados que oferece uma situação determinada da luta de classes.

Duas estratégias enfrentadas

Como conclusão dessa discussão das estratégias de desgaste e abatimento podemos dizer que não são duas estratégias complementares, para alternar quando a situação se torna revolucionária. Ou seja, não é que em situações que não são revolucionárias possa me dedicar exclusivamente a concorrer às eleições e participar das campanhas salariais uma vez por ano, e depois quando a situação se torna revolucionária ser o mais combativo de todos.

Analisamos o exemplo da socialdemocracia porque não é um exemplo isolado, é a história de todos os partidos que terminam sendo partidos de reformas.

Esse mesmo resultado podemos ver, por exemplo, nos anos setenta no Chile. A Unidade Popular conseguiupactuarcom a Democracia Cristã para chegaraogoverno, contudo, quando veio o golpe de Pinochet (a quem o próprio Allende havia nomeado comandante-em-chefe) a classe operária estava desarmada, sobretudo políticamente, a pesar de que havia dado grandes passos, como o desenvolvimento dos cordões industriais, entre outros.

O mesmo ocorreu, por exemplo, na Espanha dos anos trinta. Se fosse pela passividade da Frente Popular, que era uma frente de conciliação de classes, o golpe de Franco em1936 teria triunfado, e depois a própria Frente Popular foi decisiva para derrotar a insurreição de Barcelona em maio de 37.

Como dizíamos antes, também o que podemos ver em pequena escala atualmente na Grécia.O governo do Syriza não é mais do que um novo capítulo ilustrativo sobre aonde levam as opções estratégicas de reformar o capitalismo em momentos de crise.

Depoisdessas derrotas, a explicação, sempre é a mesma: que “as massasnãolutaram”, que “não resistiram”, que “a correlação de forças não permitia” e coisas do tipo, quando na verdade as situações não vão se formando somente através da ação das massas, mas também através da luta de programas e estratégias, da ação de seus partidos e direções, que à medida que as situações se tornammais agudas, são cada vez mais determinantes.

A arte de vencer

Os momentos catastróficos, de crises, de guerras, são uma marca distintiva do capitalismo, que cedo ou tarde eclodem. Hoje vivemos em um mundo cada vez mais convulsivo. Estamos diante do progressivo esgotamento do ciclo globalizador, como vemos com Trump e o crescente nacionalismo das grandes potências que tendem a se chocar. Vemos isso atualmente nas guerras comerciais protagonizadas pelas principais potências do mundo. Temos que nos preparar para uma etapa de maiores enfrentamentos entre potências, que cedo ou tarde colocarão um horizonte de novas guerras em grande escala, as causas estruturais que levaram à crise capitalista de 2008 estão longe de terem se apagado, pelo contrário.

Nossa região não é alheia a isso. Nossos países tampouco, nem a situação do Brasil nem a da Argentina estão alheias a este mundo convulsionado. As situações mudam e em determinado momento se agudizam e chegam aos enfrentamentos fundamentais entre as classes. Isso é uma constante na história. Como vimos aqui no Brasil oufinais dos 70, ou na Argentina em meados dos 70, ou mesmo na Argentina em 2001. A questão é se naqueles momentos foi possível articular uma força capaz de dar uma saída revolucionária à situação. E isso se decide, em boa medida, muito antes. Não se trata somente de “resistir” ou de enfrentar ataques, mas sim da possibilidade de vencer.

Mas, claro, para isso, como diría Pablo Iglesias, é necessário enfrentar todos os fatores de poder que defendem a propriedade dos capitalistas, e que fazem que hoje em todo o mundo apenas 8 grandes milionários tenham a mesma riqueza que 3,5 bilhões de pessoas.

A classe trabalhadora tem um enorme peso social para poder vencer, mas, mais do que nunca é essencial o trabalho da estratégia. Hoje a classe trabalhadora a nível mundial se ampliou como nunca antes na história. Longe do mito do fim do trabalho, nas últimas décadas centenas e centenas de milhares de pessoas em todo o mundo, começando por países como a China e a Índia, se proletarizaram nos serviços, na industria, no transporte e em múltiplas atividades que hoje são assalariadas e antes não eram.

No entanto, a pesar da classe trabalhadora ter adquirido esse enorme peso social a nível global, que nem o próprio Marx teria imaginado, a classe trabalhadora também se encontra enormemente fragmentada. Fragmentada como nunca antes emsuahistória, entre trabalhadoresprecários, “informais”, desempregados, subempregados, etc. Por sua vez, o capitalismo se vale de todas as formas de opressão racial, de gênero, de nacionalidade, para fortalecer a exploração dos trabalhadores e trabalhadoras.

Novas forças

As burocracias não só a dos sindicatos como também as burocracias ou semi-burocracias dos chamados “movimentos” cumprem a função de garantir aquela divisão, onde cada um deve se limitar a lutar por um interesse fragmentado.

Hoje também contamos com renovadas forças que podem passar por cima dessas burocracias e revitalizar o movimento operário.

Em primeiro lugar o enorme movimiento de mulheres que vem se desenvolvendo nos últimos anos em nível internacional. Na Argentina, por exemplo, está protagonizando a luta pelo aborto legal, seguro e gratuito. Dezenas de milhares de mulheres tomaram as ruas por seus direitos. Então nos perguntamos: um movimento assim com a força que tem, não pode ir muito além da luta contra o aborto e que as mulheres sejam as protagonistas também da luta contra o saque que quer impor a burguesia argentina sobre as massas?

Hoje as mulheres constituem a metade da classe trabalhadora, e na Argentina a enorme maioria em muitos sindicatos, como da Educação, Saúde e nos serviços, etc. Não podem essas mulheres trabalhadoras ser a vanguarda para por em pé um novo movimento operárioque lute por terminar com a exploração e a opressão? Cremos que sim, que depende justamente da luta de estratégias e de programas. Hipóteses estratégicas como essa tem que ser pensadas em cada país, segundo suas condições e particularidades, e desde já os trabahadores e trabalhadoras negras têm grande peso aqui, ou na Europa também os trabalhadores imigrantes.

Longe de liquidar a ideia de classe trabalhadora como dizem muitos pós-modermos, a ampliação da classe trabalhadora e sua maior heterogeneidade a fizeram potecialmentemutíssimo mais forte. Mas, como dizíamos, depende da possibilidade de adotar uma estratégia e um programa socialista revolucionário.

A importância da discussão estratégica se reduz justamente a colocar as lutas cotidianas em função de construir uma força revolucionária capaz de, nos momentos críticos, tomar o poder, derrotar os capitalistas e abrir um horizonte superior para a humanidade. Isso, obviamente, implica ir além de somente participar nas eleições, da rotina sindical, ou das lutas parciais tal qual são. Como dizia Trotski, “Entendemos por tática na política – por analogía com a ciência bélica – a arte de conduzir as operações isoladas [ou seja, eleições, lutas parciais, etc.]; por estratégia, a arte de vencer, ou seja, de se tomar o poder.” Para isso a estratégia é útil, não apenas para lutar, não apenas para resistir, mas, sobretudo, para nos propormos vencer.

 
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