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DEBATES NA ESQUERDA
Resistência/PSOL: auditar a dívida para não amedrontar o capital financeiro
Isabel Inês
São Paulo
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Em recente artigo publicado pelo Resistência (corrente interna do PSOL) defendendo a auditoria da divida pública, fica claro que há um debate aberto no PSOL sobre o problema da divida pública. Guilherme Boulos, candidato a presidente pelo PSOL, foi taxativo sobre sua opinião do tema da dívida: “O problema maior do Brasil francamente não é a dívida pública”. Esse debate se deu logo após o MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores) lançar nos locais de trabalho e estudo uma forte campanha pelo não pagamento da divida pública, ilegal, ilegítima e fraudulenta.

A auditoria da divida defendida pelo Resistencia é em síntese um mecanismo onde separaria a divida em uma parte “ilegal” e uma “legal”: ou seja, não haveria problema em pagar a parte considerada “legal” desse mecanismo de saque do capital estrangeiro, deixando apenas de pagar os juros, ou parte dos juros considerados “ilegais”. Esse programa é semelhante ao da Auditoria Cidadã da Dívida, com quem debatemos neste artigo.

O programa da “auditoria” da dívida naturaliza o mecanismo de roubo das riquezas envolvidos no pagamento da divida, na medida em que descarta de antemão seu caráter ilegal e fraudulento, para eleger o que vai pagar. Conforme o texto do Esquerda On Line “A auditoria da dívida vai ajudar a demonstrar as ilegalidades praticadas pelos grandes bancos e instituições financeiras, suspendendo e anulando as partes ilegais dessa dívida e devolvendo ao Estado brasileiro o controle sobre essas importantes operações financeiras.”

Essa é uma ideia irreal, qualquer pessoa que se debruçou minimante sobre o tema da dívida pública sabe que a altíssima rolagem da dívida não permite achar a parte “juros sobre juros” que crítica a auditoria. A dívida se renova constantemente, essa ideia de “auditar” não passa de uma fraseologia aparentemente mais radical para encobrir uma velha ideia, de uma esquerda que busca gerir o capitalismo. Separar uma parte “legal” e “ilegal” da dívida significa admitir seguir pagando essa fraude usada para subordinar todo o orçamento federal às exigências do saque estrangeiro. Essa dívida é herdada desde o Império, se aprofundou durante a Ditadura Militar (1964-1985) - que durante décadas enriqueceu empresas como a Odebrecht, converteu a dívida privada de diversas empresas em dívida pública para salvar os empresários, enquanto reprimia e assassinava jovens e trabalhadores. Após a ditadura, a dívida só aumentou, primeiro com os tucanos e depois, com destaque, nos governos petistas que em um momento favorável da economia aproveitaram para fazer os bancos lucrarem como nunca.

Mas se não bastassem esses elementos da realidade, a Resistencia faz questão de acalmar os mercados estrangeiros e a burguesia nacional: segundo seu argumento, trata-se “de uma iniciativa possível, mesmo nos marcos do regime político atual”. Justamente: a auditoria da dívida não traz nenhuma ruptura com a espoliação imperialista prevista na Constituição de 88.

A crer no artigo, a única posição conservadora nesse debate seria a de defender que “o pagamento da dívida é uma solução ao país”; a questão é que defender o pagamento de uma suposta parte “legal” da dívida é uma variante deste mesmo programa burguês (e não parte do programa da “esquerda socialista”, apesar das promessas da Resistência).

Ambas as posições admitem seguir pagando o roubo da dívida pelos banqueiros, e subordinar o orçamento federal a esse saque, que só pode terminar com a abolição completa da dívida.

Experiências no Equador e na Grécia

O texto se referencia em dois exemplos trágicos da história, a Grécia e o Equador. A Grécia é um dos principais exemplos recentes de como a dívida é usada para subordinar um país pelo imperialismo.

“Experiências de auditorias das dívidas públicas já foram conduzidas em outros países, como o Equador e a Grécia. Nos dois casos, independentemente dos seus resultados efetivos, é preciso indicar que essa iniciativa não significou uma ruptura com os agentes financeiros internacionais, o que demonstra se tratar de uma iniciativa possível, mesmo nos marcos do regime político atual. Lembramos, ainda, que a proposta da auditoria da dívida, longe de representar uma proposta de calote nos pequenos investidores, é um recurso previsto na Constituição Federal, e tem como objetivo atacar as ilegalidades na conformação do montante da dívida e nos juros aplicados sobre ela”, diz a Resistência. (grifos nossos)

Após 34 greves gerais e com uma dura luta do povo grego contra os planos de austeridade europeu, a Alemanha junto ao FMI e à União Europeia conseguiram impor planos duríssimos de ajustes que retirou direitos sociais e trabalhistas, usando o mecanismo da dívida como ameaça de descapitalização do país. Em 2015 houve a auditoria da dívida grega que serviu de “cortina de fumaça” para que o Syriza entrasse num acordo com a Troika e a Alemanha para aplicar os ajustes contra os trabalhadores gregos e privatizasse diversas empresas, a fim de pagar a dívida.

Isso ocorreu mesmo após um plebiscito popular onde a população grega se colocou amplamente contra os planos de austeridade, que o governo do neorreformista Syriza ignorou e foi sujeito de aplicar os ajustes, lembremos também que o modelo de plebiscito é o programa de “governo popular” de Boulos. O Syriza que entrou no poder contando com entusiasmo da esquerda reformista brasileira, mostrou como por fora de uma estratégia e programa que se enfrente com o capitalismo a partir de greves e da luta dos trabalhadores, esses governos acabam sendo eles mesmo ajustadores e aplicando os ataques, enquanto fazem um discurso popular.

Já no Equador fizeram o processo de auditoria em torno de 2007, descobrindo alguns contratos irregulares da ditadura. Reduziram um pouco a divida e renegociaram outro montante, mantendo a maior parte da dívida com os principais bancos. Isso ocorreu em um momento específico de crise econômica que permitiu renegociar os pagamentos, mas mantendo o fundamento de submissão e sem interromper o processo de endividamento. Já em 2015, Rafael Correi atrasou o salário dos servidores públicos justamente para pagar a divida, atacando os trabalhadores para honrar seus compromissos com o mercado. Ou seja, a auditoria nada mais é que renegociar a dívida, mas manter o endividamento e o pagamento subordinando toda a economia aos interesses imperialistas e mantendo intacto os lucros do capital financeiro.

E para tornar o exemplo ainda mais patético, não bastasse a realidade mostrar como a auditoria nos dois casos significou seguir os ataques, é que a Resistência diz que independe o “resultado efetivo” dos exemplos justamente para ignorar os ataques e principalmente a falência do Syriza, e que “essa iniciativa não significou uma ruptura com os agentes financeiros internacionais, o que demonstra se tratar de uma iniciativa possível”.

A Resistência faz um discurso para acalmar os mercados de que é possível fazer essa medida sem romper com a subordinação imperialista, termo inclusive que não existe no texto. Quererá repetir a experiência do Syriza?

Sem luta de classes e muito diálogo com o mercado, para o que se prepara a Resistência

Para a Resistência a solução do problema da divida não passa pela mobilização dos trabalhadores; em seu artigo a classe operária não é citada. O debate da Resistencia com outras alas do PSOL deixa claro como se afastam de uma estratégia revolucionária e se aproximam de uma “esquerda que busca administrar o capitalismo”. Por isso não há o debate de como organizar a classe trabalhadora, superar os freios das centrais sindicais petistas, para construir fortes correntes militantes com um programa de choque com o capitalismo e batalhar pelo não pagamento da divida pública, a estatização dos bancos e monopólio do comercio exterior, pela estatização sob controle operário da Petrobrás e todas empresas nacionais privatizadas.

Esse é o programa que o MRT defende, ligado a uma estratégia centrada na mobilização independente dos trabalhadores, pois não pode haver conciliação com os “marcos do regime atual”. Já para o falso marxismo da Resistência, o Estado aparece como um administrador quase imparcial, “Embora o Estado seja um importante indutor das ações econômicas, não é capaz, sozinho, de convencer os milhares de agentes privados a aumentarem seus investimentos”. No afã de tentar convencer keynesianos na campanha de Boulos e outros defensores de políticas burguesas adotaram sua fraseologia, teoria de Estado e ataram-se estrategicamente à gestão capitalista.

O Estado busca “convencer os agentes privados de aumentarem investimentos” garantindo reforma trabalhista e terceirização para que os capitalistas possam explorar mais e lucrar mais; ele privatiza, como Temer está fazendo com a Petrobras e o Pré-Sal. Isso justamente para garantir o pagamento da dívida pública, que na época imperialista do capitalismo, se transformou em um grande negócio e instrumento de dominação. Todas as privatizações são justificadas a título de produzir reservas para o pagamento da dívida, assim como o programa do “equilíbrio fiscal” (que significa ajustes antioperários) que o PSOL defende junto a PT, PCdoB, PSB e PDT no Manifesto Unidade para Reconstruir o Brasil é para garantir o pagamento da divida por via de cortes e ataques.

Mesmo num momento bom da economia, como na década petista, o estado garantiu altas taxas de juros para que os bancos lucrassem com a divida, e seguiu se endividando para financiar as chamadas “global players” nacionais. Isso porque na época imperialista, independente das distintas frações da burguesia, o capital financeiro subordina completamente o capital “produtivo”.

Mas para a Resistencia a divida “é um grande problema político, que está na raiz das limitações às ações do próprio Estado brasileiro”. A dívida não limita o Estado, ela é garantida e parte do Estado, e tão pouco é um problema político, mas sim parte da fase imperialista do capitalismo. Como Lenin exemplifica a partir de citação de Engels “Na republica democrática a riqueza utiliza-se do seu poder indiretamente, mas com maior segurança, primeiro pela corrupção pura e simples dos funcionários, depois pela aliança entre o Governo e a Bolsa”.

Ligado a toda essa deturpação do marxismo e do diálogo do possível nos marcos capitalistas, a Resistencia abandona o sujeito operário. Além do problema de criarem uma suposta burguesia produtiva desligada do capital financeiro, o resultado de defender um programa que é na prática é seguir pagando (nem que seja uma parte) da dívida e garantir os lucros empresariais é justamente descartar a mobilização dos trabalhadores como fator chave. Como seria possível defender um programa que mantém os lucros capitalistas e ao mesmo tempo fortalecer a luta operaria que é explorada para garantir esses lucros?

Isso mostra como o programa e a estratégia estão ligados e não há meio termo no capitalismo, uma estratégia revolucionaria deve levar a fortalecer a luta independente dos trabalhadores para se chocar com os capitalistas nacionais e com a subordinação imperialista, ou seja, lutar contra a exploração capitalista e isso precisa ter consequência programática. Manter parte do pagamento da divida é manter a submissão do país ao capital estrangeiro. É no que tange à dívida “resistir” mas permanecer dentro dessa espoliação e abrir mão de qualquer perspectiva socialista.

 
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