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"MILAGRES" DA MEDICINA
Anvisa libera empresa alemã para lucrar no Brasil com “aplicativo contra depressão”
Fernando Pardal

Mais um "milagre médico" contra a depressão foi regularizado para uso no país. A Anvisa deu sua autorização para que o aplicativo "Deprexis" seja comercializado, prometendo melhoras online contra uma das doenças mais difundidas na atualidade.

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A Gaia AG, empresa alemã responsável pelo desenvolvimento e comercialização do aplicativo de combate à depressão "Deprexis" está ciente de que qualquer pessoa com o mínimo de bom senso poderá questionar a efetividade de resolver um problema psíquico de tamanha gravidade interagindo com um computador. Por isso, em seu site eles incluem vídeos de seu CEO dando uma "entrevista" esclarecendo os grandes benefícios e o "rigor científico" que "provou" a eficácia do Deprexis.

Os onze estudos clínicos envolvendo mais de 6.000 pacientes foram suficientes para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela fiscalização de medicamentos no Brasil, desse seu aval classificando o Deprexis como de "baixo risco". Extrapola os limites desse artigo a discussão sobre a forma e os critérios como tais estudos são conduzidos. Nos limitamos a remeter à discussão que apresentamos aqui sobre como toda a nossa psicofarmacologia, ou seja, os tratamentos ainda hoje hegemônicos e utilizados massivamente mundo afora, são respaldados em resultados "científicos" manipulados a serviço de lucros milionários.

Não podemos afirmar nesse momento que os estudos que "provam" eficácia do Deprexis sofrem dos mesmos vícios, mas podemos nos questionar sobre o tipo de concepção de saúde e doença mental que embasa a tentativa de curar a depressão com base na interação com um celular ou um computador.

A assustadora predominância das doenças psíquicas, entre as quais de destaca a depressão, nas últimas décadas é alarmante. As teorias "científicas" hegemônicas afirmam se tratar de problemas neuroquímicos, decorrentes de alteração nas taxas de neurotransmissores no cérebro dos que padecem dessas doenças. A primeira pergunta que deveriam tentar responder tais "cientistas", mas que sequer tentam, é porque então teria a população mundial passado a sofrer tão drástico aumento nesses "desequilíbrios químicos".

Contudo, os métodos "científicos" do capitalismo não prezam por questões de ordem tão "filosófica", mas vão atrás dos "resultados". Assim é o Deprexis, que se orgulha de se basear em métodos "comprovados" como a Terapia Cognitivo Comportamental, o Mindfullness e a terapia baseada em aceitação. Métodos que, tal como a psiquiatria contemporânea, desprezam a noção de inconsciente e preferem coisas mais quantificáveis. Eles treinam comportamento, aplicam rotinas, adequam formas de se encarar as coisas. Como numa máquina quebrada, eles tentam ajustar os parafusos soltos.

Portanto, o Deprexis - cuja versão para teste disponível em seu site eu explorei brevemente - se baseia em perguntas e respostas que dão um caminho "personalizado" a partir de como o paciente se sente. A primeira pergunta é expressiva dessa forma "individualizada" que o software apresenta a seu usuário: "Se você pudesse se recuperar da depressão e viver melhor, o que isso significaria para você?"

De forma "personalizada", o usuário pode responder uma das seguintes opções:

  •  Voltar a apreciar as coisas.
  •  Sentir a energia dentro de mim - ser forte e motivado.
  •  Ter mais sucesso - parar de me sentir um fracassado.
  •  Sentir menos estresse.
  •  Ter relacionamentos melhores.
  •  Ter paz interior - aceitar as coisas que aconteceram comigo.
  •  Sentir-me normal de novo, como as outras pessoas.

    A visão do psiquismo e da subjetividade humana, os problemas, angústias e conflitos se veem reduzidos a listas de escolhas. Pergunta e resposta te levam ao caminho da "cura", como na psiquiatria, em que uma lista de tantos sintomas previamente catalogados na "bíblia" dos psiquiatras, o DSM-V, te indica qual patologia te impede ser "normal", abrindo caminho para que o médico te administre a substância que irá regularizar seus neurotransmissores. A lógica por trás das perguntas e respostas e dos exercícios do Deprexis parece bem semelhante, mas ainda mais estupidificante. Para não ser injusto, informo que a versão completa do aplicativo só pode ser acessada com a autorização de um médico (sem falar na taxa de 990 reais que dá acesso aos três meses de uso do Deprexis).

    O fato de que a solidão desempenhe um importante papel no sofrimento psíquico de milhões nos dias de hoje é ironicamente reforçado pela ideia de que a interação com um computador que te dá respostas "amigáveis" e treina seu comportamento poderá te ajudar. As estatísticas dos estudos disseram, não cabe a nós questionar.

    No final da sessão de teste, um pôr-do-sol me foi exibido por 3 minutos e 20 segundos, com mensagens relaxantes. E depois, o Deprexis me perguntou como tinha me sentido com aquilo.

    Mas eu não me sentia calmo como deveria após o pôr-do-sol do Deprexis. Me sentia um pouco furioso de pensar que a Gaia AG irá lucrar milhões vendendo essa perspectiva de melhora para tantas pessoas que estão em busca de uma vida melhor, enquanto as monstruosas causas do adoecimento mental de bilhões, como a miséria, a desigualdade, a opressão, a solidão, entre tantas outras - em sua maioria ligadas direta ou indiretamente ao capitalismo e sua barbárie cotidiana - seguirão vigentes e permitindo que esses "milagres" continuem rendendo tanto lucro a seus donos.

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