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GREVE ESTUDANTES DA USP
Que lições podemos tirar da greve estudantil da USP?
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
Victoria Santello

Terminada a greve estudantil na Universidade de São Paulo, escrevemos nesse texto algumas reflexões e lições sobre esse processo fruto do debate coletivo que estamos fazendo na juventude Faísca - Anticapitalista e Revolucionária

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O ano de 2018 foi marcado por diversos acontecimentos que abalaram o país a nível nacional. Somente no primeiro semestre, a 5º vereadora mais votada da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, foi assassinada por ser uma mulher negra, de esquerda e da periferia que lutava contra a violência policial no RJ. Foi marcado pelo ataque do judiciário brasileiro golpista que retirou o direito do povo decidir em quem votar com a prisão arbitrária de Lula, dando continuidade ao golpe institucional. Porém, também aconteceram exemplos de luta, principalmente com a imponente greve dos professores e servidores municipais de São Paulo, que conseguiu vencer o SAMPAPREV (reforma da previdência que Dória queria implementar em São Paulo) com a força da mobilização de mais de 90% da categoria de professores em greve, e a luta dos professores e estudantes da rede particular de ensino de SP. Contudo, a participação do movimento estudantil nesses diversos acontecimentos, a nível nacional e municipal, foi aquém do esperado.

As Universidades públicas de todo o país vêm sendo sistematicamente atacadas pelo projeto golpista do governo Temer, que tem como objetivo sucatea-las para privatiza-las, entregando ainda mais a produção do conhecimento nas mãos de empresários. Na USP, foi aprovado, no ano passado, os Parâmetros de Sustentabilidade Econômico Financeiro da USP (chamada de PEC DO fim da USP) que congela por 5 anos a contratação de funcionários e corta os gastos da universidade, assim como no governo federal com a aprovação da PEC 55, que estabelece um teto nos gastos públicos. Como parte desse projeto privatista, a reitoria também cortou cerca de 500 bolsas de auxílio moradia, mantendo as vagas de moradia muito abaixo da demanda, enquanto os blocos K e L que eram pra ser do CRUSP, não são devolvidos; cortou e até hoje não pagou o salário dos trabalhadores na greve de 2016, (mesmo tendo perdido na justiça); não repassa a verba de 48 milhões que a universidade recebeu para o Hospital Universitário, único hospital que atende a população da região. Além de não reconhecer a derrota na justiça que impunha a reabertura da Creche Oeste e segue com uma dura política de ataques aos estudantes, professores e trabalhadores da USP, alinhada com os interesses do governo do estado Alckimin/Márcio França e o projeto golpista de educação.

As direções do movimento estudantil da USP, em sua maioria nas mãos do petismo, como é a gestão Nossa Voz do DCE (Balaio, Levante e UJS) e outros centros acadêmicos como o CAELL, CAVC, CALC, XI de agosto entre outros e também os dirigidos pela esquerda como o CEUPES (Juntos, Rua, Afronte, PCB, Vanguarda Socialista) e o CAPPF (Afronte e Vanguarda Socialista), porém, não organizaram os estudantes para que participassem ativamente de nenhum desses debates. O DCE não colocou seus quase 300 diretores em todos os campis da USP para construir assembleias em cada curso, rodas de conversas, mesas, panfletagens, para que pudessem se informar, politizar e organizar os estudantes para tirar ações.

Os responsáveis por promover os debates e organizar os estudantes são as direções de nossas entidades estudantis. O DCE (da gestão Nossa Voz, composto pelo PT, UJS e Levante Popular da Juventude) chamou nossa primeira assembleia geral do ano apenas no final de abril, não permitindo dessa forma que os estudantes pudessem ter um espaço democrático básico para debater todos os acontecimentos do país e da universidade, se colocando como um entrave para mobilização. Não promovendo as ações e os espaços necessários para que os estudantes se organizassem contra os ataques da reitoria e dos governos, como sujeitos políticos e um fator na política nacional do país. Os CAs dirigidos pelo PSOL, PCB e Vanguarda Socialista também cumpriram esse mesmo papel e, assim como o DCE, chegou a votar diretamente contra o início da greve nos cursos em que dirigem defendendo que ainda não havia acúmulo necessário. Sendo que foram eles mesmos que ao não organizaram o debate desde o início do ano com a base dos cursos, são eles os responsáveis pelos alunos estarem apoiando apenas passivamente a mobilização, sem que pudessem se sentir sujeitos da contrução da greve.

A greve da USP começou em meio ao fim do semestre, logo após a reacionária mobilização dos caminhoneiros que só serviu para arrancar dinheiro da saúde e educação para os empresários do agronegócio e dos transportes. O que serviu para aprofundar ainda mais a conjuntura reacionária, marcada pelo avanço dos ataques e a desmoralização da juventude e a classe trabalhadora devido a luta não dada contra os ataques, graças as traições das centrais sindicais da CUT e CTB. Poucas semanas antes de começar a copa do mundo e já tendo os professores e trabalhadores em greve, sem debates prévios sobre as pautas, pois o DCE não criou espaços de discussão. Totalmente por fora dos debates nacionais que influenciavam diretamente conjuntura do país. Ainda assim, diante dos profundos ataques à educação pública, os estudantes, demonstravam muita disposição para enfrentar esses ataques. A aprovação da greve nos cursos e a assembleia acirrada que votou greve demonstraram que um setor dos estudantes estavam politizados e queriam se mobilizar apesar do burocratismo da gestão do DCE, que durante toda a greve, apesar do discurso demagógico de massificar, agia no sentido contrário. Ao mesmo tempo em que não promoviam espaços de debate e democracia de base, sentando seis vezes com a reitoria sem sequer comunicar os estudantes, antes de realizar uma única assembleia geral; proporcionaram uma enorme burocratização das assembleias e do comando de greve; não dando informes dos cursos e dos demais campis e sem divulgar direito as atas e informes do que vinha acontecendo em nossa greve, como forma de permitir que os estudantes tivessem ciência do processo de construção da greve e fossem sujeito ativo na decisão dos seus rumos.
O eixo votado da greve era por permanência e acesso e contra o arrocho salarial dos trabalhadores da USP. Porém não houve debates a fundo sobre qual a permanência que queremos. Nós da faísca defendemos permanência para toda a demanda, com bolsas no valor de um salário mínimo, ao contrário dos R$400 que a reitoria paga; defendemos mais verbas para a educação através da taxação das grandes fortunas. A falta de espaços para debater e o esvaziamento da greve impediram que as diversas posições se expressassem. Isso possibilitou que o DCE manobrasse e levassem apenas aquilo que defendiam para uma possível reunião de negociação com a reitoria. Tudo isso com apoio ativo de correntes como Afronte, Rua, Juntos, PCB, Vanguarda Socialista que blocaram em praticamente todas as assembleias com a chapa Nossa Voz , colaborando com a burocratização dos nossos espaços de deliberação, e votando inclusive contrários ao repúdio do aumento do teto salarial da burocracia. Repetem na USP a mesma unidade que fazem nacionalmente com partidos e burocracias sindicais que servem apenas de freio para as lutas dos trabalhadores, como é o caso do Manifesto para Reconstruir o Brasil assinado pelo PSOL, junto ao PT, PDT e o golpista PSB.

A massificação da luta e a unificação com outros setores em greve era mais do que necessário. Tanto a concepção burocrática da gestão Nossa Voz de que eles poderiam resolver os problemas dos estudantes pelas vias institucionais se sentando com a reitoria e a burocracia acadêmica, quanto o discurso que uma vanguarda reduzida que diz que não importa se somos poucos, mas somente o discurso radical e combativo por fora do conteúdo, são parte de uma concepção que não parte em primeiro lugar de entender nossas entidades estudantis como ferramentas fundamentais para a auto-organização dos estudantes e que, por fora de uma estratégia consciente de unificar a vanguarda mais ativa com a base passiva, não levarão a vitórias.

A vitória de uma mobilização está diretamente ligada com a correlação de forças do movimento. E não apenas de reuniões a portas fechadas com a reitoria como a gestão Nossa Voz defende. Por isso não massificaram a mobilização, por ilusão de que é possível arrancar migalhas da reitoria e porque o PT almeja ser parte da própria burocracia acadêmica, como já é em várias universidades pelo país. Tem ilusão na mesma reitoria que ataca a Universidade, que procura de todas as maneiras privatizar e manter a USP cada vez mais elitista para que as empresas lucrem com o conhecimento produzido lá dentro. A reitoria e o Conselho Universitário são responsáveis por implementar o projeto golpista para a educação que é completamente oposto à uma universidade pública a serviço dos trabalhadores e do povo pobre.

O movimento estudantil deve ser a antítese dessa Reitoria racista e elitista, tendo independência dela, do conselho universitário e dos governos que querem acabar com a educação pública. Por isso, é necessário que nossas entidades se coloquem a altura do desafio de resistir aos ataques. Um movimento estudantil aliado aos trabalhadores que lute por permanência para toda a demanda; em defesa do Hospital Universitário; contra o arrocho salarial dos trabalhadores; por mais contratação de funcionários; exigindo a abertura do livro de contas, e mais verbas para a educação pública, mas para uma universidade radicalmente diferente. Por isso também precisamos nos colocar contra o filtro social que é o vestibular para que todos tenham acesso à universidade e tenham direito de estudar; contra a estrutura de poder da universidade, pelo fim da reitoria e do Conselho Universitário com seus membros da FIESP, FECOMERCIO e os burocratas acadêmicos. Precisamos de um movimento estudantil que lute por esse programa e para impor uma assembleia estatuinte livre soberana e democrática, estabelecendo um governo de estudantes, professores e funcionários, com maioria estudantil. Pois só assim teremos uma universidade realmente a serviço dos trabalhadores e da população.
O fim da greve foi decretado pela assembleia geral e pelas assembleias de curso, sem vitórias concretas para o movimento. Porém, ao contrário do que diz a gestão Nossa Voz, não é porque os métodos estão desgastados e a greve vem se tornando ineficaz e sim por erros e concepções das direções. A greve é um método histórico e já trouxe diversas vitórias para o ME e para a classe trabalhadora. Esse discurso corrobora para que os estudantes não participem do ME e não se enxerguem como uma categoria capaz de ser um fator nas lutas, se aliando com os trabalhadores na defesa de seus direitos. A concepção petista, passa longe de fomentar a autoorganização e coloca que atuar politicamente passa somente por votar nas eleições.

No próximo semestre teremos um grande desafio de seguir batalhando contra a burocratização das nossas entidades estudantis, buscando retomar o seu papel como ferramentas fundamentais para a organização pela base dos estudantes. Como entidades que busquem em primeiro lugar se aliar com os trabalhadores e não com a reitoria e a burocracia acadêmica. Precisamos levar os debates políticos para o conjunto dos estudantes, combatendo a separação entre a vanguarda, que quer se mobilizar ativamente, e a massa dos estudantes extremamente politizada pela conjuntura nacional que atravessa o país.

Nós da Faísca - Anticapitalista e Revolucionária convidamos a todos os estudantes a debaterem conosco essas lições, para que possamos nos preparar para lutar em defesa da educação pública, contra os projetos de precarização e privitização da reitoria e dos governos, que seguem pagando a ilegal e ilegítima dívida pública que equivale ao orçamento anual de 200 USPs, enquanto congelam os investimentos em saúde e educação. Mas também porque acreditamos que o movimento estudantil pode voltar a ser um ator fundamental na luta de classes, frente ao fato que o próximo governo, independente de quem for eleito, vai buscar descontar os custos da crise nas costas dos trabalhadores e da juventude. Tendo na sua linha de frente as mulheres, como expressão desse fenômeno internacional, que expressa sua força em lutas a como a maré verde que incendiou a Argentina na luta pela legalização do direito ao aborto e que pode incendiar toda a América Latina na luta pelos nossos direitos. Chamamos a todos os estudantes a debaterem conosco essas lições e a construir uma corrente militante no movimento estudantil, que defenda esse programa e essas ideias como parte de nos prepararmos para os novos embates que estão por vir.

 
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