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5 ANOS DE JUNHO 2013
Qual o interesse do PT em transformar Junho de 2013 num "movimento de direita"?
Isabel Inês
São Paulo

A história ao ser contada diversas vezes pode ser transformada de acordo com os interesses de seus interlocutores. Há 5 anos das Jornadas de Junho, que foi o maior levante de juventude da história do Brasil pós ditadura, vem se transformando na boca dos petistas no “ovo da serpente” do fascismo e o início dos movimentos de direita que surgiram em 2015 no pré golpe.

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A história ao ser contada diversas vezes pode ser transformada de acordo com os interesses de seus interlocutores. Há 5 anos das Jornadas de Junho, que foi o maior levante de juventude da história do Brasil pós ditadura, vem se transformando na boca dos petistas no “ovo da serpente” do fascismo e o início dos movimentos de direita que surgiram em 2015 no pré golpe.

Como se o complexo Junho de 2013 fosse a abertura de uma linearidade de movimentos de direita contrários “aos avanços sociais petistas”. Essa é a história na boca do Lula e de intelectuais petistas como Marilena Chauí. O que é inquestionável entre todos é que Junho de 2013 mudou o Brasil, desde esse ano os tempos se aceleraram e mais nenhum ano foi isento de “acontecimentos novos e impactantes”. Ou seja, Junho muda a correlação de forças entre as classes sociais que perdura até hoje expresso ainda na dificuldade do governo Temer implementar a reforma trabalhista, ou a dificuldade da burguesia passar seu projeto econômico nas eleições, pelo rechaço popular, que abriu em Junho e segue, aos cortes sociais, ataque aos trabalhadores e ao regime político privilegiado.

Junho de 2013 foi um levante de massas, seguindo a onda de levantes internacional como ocorreu na Espanha com o 15M, nos EUA com o Occupy Wall Street, no Mexico com o Yo Soy 123, na Primavera Árabe e levante estudantil no Chile, todos são resultado da crise do capitalismo aberta em 2008 expressando o descontentamento social com o neoliberalismo, a carestia de vida e a desigualdade. Contudo carregando nas costas o peso de anos sem processos revolucionários, desorganização e fragmentação da classe trabalhadora, assim os movimentos - pesando algumas diferenças - eram marcados por uma composição social policlassista, sem direção clara e sem métodos de luta tradicionais, desligado das estruturas de produção e estudantis. Primavam por grandes atos convocados na internet.

Essa foi a marca de Junho, o esgotamento de um contentamento social de massas alimentado pelo consumo, mas que se chocava com a possibilidade do PT de responder as aspirações que o próprio petismo demagogicamente colocava. Só o credito não era mais suficiente para conter as massas, que aspiravam direito sociais de qualidade, como saúde, educação, transporte, e uma melhoria estrutural das condições de vida. Sabendo que em a crise econômica começava a atingir o Brasil. Por isso as principais demandas de Junho foram por saúde, transporte e educação, além do forte rechaço a violência policial, mais expressa no Rio de Janeiro com o canto emblemático “cade o Amarildo”, que abriu um grande desgaste popular com a violência cotidiana policial contra a população pobre e negra.

Junho foi o rompimento do petismo com sua base social, ou seja, Junho foi o resultado desse descontentamento e desse rompimento entre “representantes e representados” que já se gestava e que após estourar em manifestações de massas abriu uma nova etapa no Brasil, de crise orgânica, onde o governo e as direções tradicionais já não podiam dominar com os mesmos métodos de antes.

A crise orgânica, termo extraído dos escritos do marxista italiano Antonio Gramsci, é justamente uma crise do Estado em seu conjunto (econômica, social e política) quando um grande projeto da burguesia entra em crise, no caso o projeto de conciliação petista e da ilusão de um desenvolvimento gradualista, como desenvolvem Juan del Masso e Fernando Rosso,

“A “grande empresa” falida do PT se sintetiza no mito do país de classe média, que vem se desmoronando há tempos, e com maior agudeza desde o segundo governo de Dilma. A aposta ao avanço gradual para tirar o país da pobreza, fazer do Brasil uma grande nação, com direitos sociais, sem lutas populares, sem questionar a propriedade privada e mediante a “gestão” social-liberal do Estado capitalista”.

Uma hegemonia petista possível devido a um momento específico da economia que permitiram ao PT implementar um esquema econômico que, ao mesmo tempo em que sustentava políticas como o Bolsa Família, financiava o desenvolvimento dos “global players” e garantia ao capital imperialista lucros recorde, assim como o monumental pagamento da dívida pública de cerca de 13 trilhões juntando os governos do Lula e Dilma. Mantendo a subordinação ao imperialismo e o saqueio nacional. Por isso Lula falou sua celebre frase, “os banqueiros nunca lucraram tanto”.

Lula nos palanques eleitorais direciona seu discurso contra a direita que não quer ver o “pobre viajando de avião ou entrando na universidade”, contudo esse discurso falacioso esconde como o PT enriqueceu a grande burguesia, mas também como expandiu o trabalho precário, e quando a situação começou a piorar no governo Dilma e o capital financeiro começa a pressionar pelas reformas, o PT atende a essa pressão atacando principalmente a educação. Contudo as reformas petistas não foram tão rápidas quanto o capital gostaria.

Dessa forma, a hegemonia petista entra em crise, Junho escancara a incapacidade do PT de conter sua base social e se dá o rompimento dessa base que anteriormente passiva, em 2013 entra em ação.

Junho seria o ovo da serpente (ou do pato)?

A filosofa petista Marilena Chauí falou à revista Época em 2016, “afirmou sua "preocupação e ansiedade" com o momento. Ela relacionou as manifestações atuais e os protestos nas cidades brasileiras em junho de 2013. "Quando em junho de 2013, o movimento do passe livre foi vitorioso, eles foram agredidos por uma corja de jovens enrolados na bandeira do Brasil e que gritavam ’Meu partido é meu país’", afirmou. "Fiquei apreensiva e escrevi sobre isso. Tinha um caldo de cultura fascista".

O discurso petista que Junho pariu um pato fascista na Paulista é justamente funcional a encobrir o descontentamento social com o PT expresso em Junho, se por um lado esse discurso hoje cumpre um papel eleitoral, ou seja, da volta a “democracia petista” frente ao suposto “avanço do fascismo”. O principal objetivo é encobrir e impedir a luta de classes e os trabalhadores como sujeitos, porque Junho abriu caminho para entrada em cena de um novo movimento operário, que teve em Garis e Rodoviários de 2014 vitórias objetivas e subjetivas com a superação de suas direções burocráticas, mas anos depois, em 2017, vivemos a maior greve geral em 100 anos no Brasil. Fatos que o PT não cita justamente porque vão em cheio contra a politica burocrática petista nos sindicatos.

Marilena Chauí destaca como um dos fatos marcantes para entender Junho é justamente que ele rompe o modo tradicional das manifestações até então, dirigidas por sindicatos e movimentos sociais. “Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas.” Movimentos por muitas vezes dirigidas pelo próprio petismo com a estratégia de “pressão parlamentar”, mas nada que rompesse com a institucionalidade burguesa.

O PT e as esquerda reformista educada no “modo petista de militar”, que separa as demandas sindicais das políticas, e impede que a classe trabalhadora se coloque a frente das demandas da população. Para manterem seus privilégios dentro dos aparatos sindicais, eles tem ódio da espontaneidade, daquilo que sai dessa rotina sindical adaptada a fazer uma greve ou outra para “pressionar”, mas tudo por dentro dos limites do capitalismo e traindo qualquer expressão mais radicalizada. Por isso as burocracias sindicais são as principais eixos de sustentação do regime político, impedindo que a crise que passamos seja resolvida em chave operária e popular.

Chauí desenvolve como o neoliberalismo produziu a “fragmentação, terceirização e precarização do trabalho (tanto industrial como de serviços), dispersando a classe trabalhadora, que se vê diante do risco da perda de seus referenciais de identidade e de luta - refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituição pelas ONGs, cuja lógica é distinta daquela que rege os movimentos sociais - surgimento de uma nova classe trabalhadora heterogênea, fragmentada, ainda desorganizada que, por isso, ainda não tem suas próprias formas de luta e não se apresenta no espaço público e, por isso mesmo, é atraída e devorada por ideologias individualistas como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a ideologia do “empreendedorismo” (da classe média), que estimulam a competição, o isolamento e o conflito interpessoal, quebrando formas anteriores de sociabilidade solidária e de luta coletiva.”

Realmente esses pontos são resultado do neoliberalismo, contudo o PT é um fator fundamental nas direções sindicais frente ao neoliberalismo, pois elas são quem mantém a fragmentação e desmoralização operaria. Terceirização que inclusive se aprofunda no governo Lula/Dilma. E Junho rompe com essa forma tradicional, composto por uma juventude de classe média mas também por essa nova classe operaria que Chaiu cita.

O PT cria a base social que depois se vira contra ele, mas ela não é de direita, pelo contrario, ela é a juventude e uma nova classe trabalhadora frustrada frente aos seus anseios sociais. Junho não foi só pelo transporte e contra a corrupção e os políticos, mas também e talvez principalmente pelas demandas de saúde e educação. Demandas populares que atinge principalmente a população mais pobre.

O peso ao elemento da corrupção de da crise política dado por Chauí em Junho, era também para não assumir como o petismo manteve a precarização das demandas sociais no país, ainda que expandiu as universidades, vou via precarização dos prédios e em cima do trabalho terceirizado, por exemplo. Mas também porque evita o tema popular e coloca “mais lenha na fogueira” do discursos do fascismo, já que “contra a corrupção” e “contra todos os políticos”, ainda que sejam demandas de massas, são facilmente assimiladas pela direita. Fato que realmente vimos anos depois através da Lava Jato e dos atos contra a Dilma.

“Isso, porém, embora explique a recusa, não significa que esta tenha sido motivada pela clara compreensão do problema por parte dos manifestantes. De fato, a maioria deles não exprime em suas falas uma análise das causas desse modo de funcionamento dos partidos políticos, qual seja, a estrutura autoritária da sociedade brasileira, de um lado, e, de outro, o sistema político-partidário montado pelos casuísmos da ditadura. Em lugar de lutar por uma reforma política, boa parte dos manifestantes recusa a legitimidade do partido político como instituição republicana e democrática.”, Dilma tentou um discurso para conter Junho, sobre Reforma Política, contudo longe de ser uma grande chave democrática, é na realidade também uma pauta da direita para restringir ainda mais o número de partidos, e aprofundar a restrição eleitoral a esquerda.

Se esta correto que o “rechaço aos partidos” amplo e indiferenciado gerou em Junho expressões a direita, como quando partidos de esquerda foram impedidos de seguir com bandeiras na manifestação, isso é fruto de anos sem processos de luta que resultou num atraso subjetivo, nesses anos o autonomismo e antipartidarismo tinha expressão mundial como no 15 M. Para quebrar essa estratégia falida, é preciso contrapô-la a estratégia da luta de classe com greves e manifestações operárias que rompam com a institucionalidade. O oposto de uma reforma política restritiva.

A encruzilhada petista e sua negação da luta de classes

O PT junto ao PCdoB e outros partidos atuaram por via dos sindicatos que dirigem para derrotar as greves operarias em 2017 e desmoralizar os trabalhadores. Esse papel criminoso cumprido por esse partido é o verdadeiro responsável pelo fortalecimento da direita, Junho foi um processo de descontentamento social, de rompimento com as direções tradicionais, sejam partidos políticos ou sindicatos, que abriu espaço para novos processos de luta de classes, e houve um significativo aumento das greves pós 2013. Ignorar esse fator, e o papel consciente das direções sindicais burocráticas em derrotar qualquer processo.

Ligar diretamente junho de 2013 ao fortalecimento da direita pós golpe é tentar anular a possibilidade da classe trabalhadora e a luta de classe ser um fator de hegemonia desse descontentamento com o PT e o tradicional, que surgiu em Junho. Quem fortaleceu a direita foi o próprio petismo que não só se aliou a partidos de direita para garantir a chamada “governabilidade”, como ao não lutar contra o golpe em 2016, a trair as greves em 2017, a permitir que se passasse a reforma trabalhista sem luta, permitiu que as forças surgidas com Junho fossem em parte atraídas pela direita. O país se polarizou, mas o PT impediu que fossem os trabalhadores uma saída a esquerda, e permitiu que a direita se fortalecesse com Bolsonaro sendo o candidato mais forte, no caso de uma eleição sem Lula.

É a prova que o PT tem mais medo da luta de classes, do que de fortalecer a direita. Isso porque sabe que sua base vem justamente do seu peso sindical e do papel histórico cumprido em re-estabilizar o regime democrático burguês. Que até hoje o petismo busca se localizar como “partido responsável do regime que pode re-estabilizar a crise em prol da burguesia. Não por acaso até FHC citou isso em recente entrevista a Isto É, dizendo “Eu não me refiro tanto ao lulopetismo, do risco do PT voltar a governar, porque a gente já tem experiência do que é o PT no poder. Não acredito que eles quebrem as regras e rumem para o viés autoritário.”

O próprio discurso do Lula em sua prisão esse ano foi a síntese da estratégia institucional desse partido, retomando seu papel traidor em todos os momentos políticos decisivos das décadas de 1980 a 1990, o PT rememorou sua estratégia de conciliação e subordinação da luta de classes dos trabalhadores. Sendo um pilar do regime da “Nova República” instalado em 1988 e uma das principais válvulas de contenção da luta de classes para que os capitalistas lucrassem “como nunca” na década de 2000, o PT deixa claro novamente que sua defesa é a de governabilidade burguesa, não a batalha contra os ataques golpistas nessa democracia degradada.

Lula segue preso, desde então não houve qualquer reação petista. Esse fato esperado mostra a encruzilhada desse partido, que mantém grande expressão eleitoral posto o fato de que um grande setor da sociedade vendo os ataques do governo Temer, acaba se referenciando no PT como menos pior. Contudo o PT vende um projeto eleitoral impraticável na situação econômica atual, mas além dessa mentira eleitoral, o petismo ao trair e impedir a luta de classes impediu que os trabalhadores pudessem dar uma saída independente a crise.

Tornar Junho de direita é o discurso que visa apagar a referência em Junho, no ano de 2018 é tentar impedir que um movimento operário muito mais experimentado veja na luta, rompendo suas direções burocráticas, e se aliando com jovens e a população mais oprimida e explorada, a possibilidade um novo levante de massas que mude o país, mas dessa vez com organização desde as bases, com a experiência de uma greve geral e com um país em uma crise política muito mais profunda. Essa hipótese de hegemonia operaria é o que mais teme o PT e toda a burguesia.

 
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