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MP 841: Aumento da repressão e sucateamento do Fundo Nacional de Cultura
Débora Torres
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Imagem : Trupe Lona Preta Foto de Ricardo Avellar

Que a cultura é um dos setores que menos recebe recursos já estamos cansados de saber e sentir na pele. Nunca recebeu mais que 0,04%.

Também já está na cara que a política cultural há muito é regida pelas leis de mercado. Como exemplo, vê-se a Lei Rouanet, que através de renúncia fiscal, concede aos grandes empresários isenção de impostos, e simultaneamente, entrega-lhes o poder de decidir o que “patrocinar” ou não, colocando a arte na engrenagem da mercantilização e, ao mesmo tempo, promovendo a divulgação e propaganda de marcas e produtos. Assim, delimita-se já que quaisquer iniciativas que não se enquadrem nos moldes da indústria cultural não cabem nessa lógica de mercado e portanto, devem ser descartadas, ignoradas e apagadas.

O que houve de avanço em relação a administração de verbas públicas (Fundo Nacional de Cultura e reajustes orçamentários do MinC) apenas deram certa sensação de inserção para alguns coletivos, fazendo inclusive com que estes pautassem suas lutas sempre em torno das questões orçamentárias para que conseguissem permanecer em atividade. Há no entanto, diversos coletivos e linguagens que ficam ainda extremamente à margem de quaisquer possibilidades de materializar suas elaborações.

Exemplo prático foi a PEC 150/2003, que previa a ampliação da verba da cultura com base no piso mínimo de 2% da LOA (Lei Orçamentária Anual). Não passou de devaneio. De lá pra cá, diversos coletivos e trabalhadores da cultura já se organizaram em frentes e movimentos lutando para quebrar essa lógica de que o que cabe à cultura são as migalhas. E a luta tem sido consolidar o SNC (Sistema Nacional de Cultura) que tem como principal função mudar a maneira como se distribuem hoje os recursos para a cultura. A ideia é que parte da verba do FNC seja diretamente destinada aos estados e municípios, que deverão ter políticas culturais pautadas pela própria população e coletivos de arte. Assim, seria dado um passo fundamental para o enfrentamento dessa lógica mercantilista que impera hoje e que controla o que circula ou não de acordo com os ditames das grandes empresas e grandes marcas, como vemos ocorrer com a lei Rouanet.

Inti Queiroz, da Frente Única de Cultura, relatou em seu blog: “Desde 2005 estamos tentando implantar o Sistema Nacional de Cultura, que tem como projeto alterar o modelo de financiamento à cultura no Brasil, revertendo parte da verba do FNC para a distribuição via fundo a fundo para estados e municípios, aplicado a políticas culturais construídas pela população. Essa verba do novo FNC também sairia dos tais 3% das loterias. Porém a lei de regulamentação do SNC ainda está em trâmite no congresso e o FNC permanece relacionado ao modelo de renúncia fiscal da Rouanet.

Com o golpe em 2016, as prioridades de políticas culturais do MinC mudaram. Deixaram o SNC de lado, andando a passos de tartaruga e priorizaram novamente a renúncia fiscal, também conhecida como Lei Rouanet e o audiovisual.

Com essa MP 841, tomamos outro golpe, porém desta vez vão mexer também com a indústria cultural que dependia dos recursos das loterias para incentivar seus projetos.

Quer dize, a MP 841 não apenas destrói qualquer possibilidade de continuarmos a construção de um Fundo Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, mas também mexe com as verbas que até então estavam sendo absorvidas pelo mercado da cultura.

Isso pode gerar um efeito cascata sem precedentes no setor como um todo. Ainda que eu ou você não tivéssemos acesso direto a essas verbas, o setor cultural mais voltado ao mercado sendo também afetado vai causar um desmonte total no setor. Musicais, peças teatrais, festivais de música, todos serão afetados. Ocorrerá uma diminuição drástica no número de projetos incentivados e com isso uma diminuição equivalente nos postos de trabalho de produtores, técnicos, e artistas em todo país. Menos verba no mercado da cultura = Menos gente trabalhando com cultura.

Depois de tudo o que aconteceu, praticamente só tinha nos restados as leis de incentivo fiscal. Se nos tirarem isso também não sobra quase nada; Terra devastada.

Trabalhar com cultura daqui um tempo só se for por amor, porque dinheiro não vai ter...
Se você trabalha com cultura, mesmo que ache que não tem nada a ver com isso, tem que começar a se preocupar.

A situação é extremamente grave.
Essa MP tem que ser repudiada agora e sem dó.”

Ou seja, agora o que já era absurdo fica ainda pior, pois disputam essa migalha do bolo não só os que já sofrem o sucateamento e exclusão por não serem atrativos para as prateleiras da indústria cultural , mas os rótulos e lixos das vitrines capitalistas também sofrerão com a MP 841. Com menos verba, até mesmo as peças campeãs de bilheteria e os musicais com os globais no elenco e os queridinhos da Rouanet serão afetados. Menos verba, menos projetos circulando, logo, menos gente trabalhando, como analisa acima Inti.

Óbvio que isso tudo é também reflexo do golpe institucional de 2016, que fez e faz recair sobre a classe trabalhadora sucessivos ataques. E com a cultura não foi diferente: cortes de verbas, sucateamento de programas de incentivo, sobretudo nos projetos que atendem as periferias e nas obras, linguagens e coletivos que produzem conteúdo anticapitalista. Precisamos decididamente compreender que não há como desligar a luta pela cultura e pela emancipação da arte da luta de classes.

Se é evidente a relação do sucateamento da cultura com os desdobramentos do golpe de 2016 é óbvio também que este cenário é reflexo de anos e anos de conciliação e reformismo. Não podemos mais deixar de aprofundar nossas análises no sentido de compreender o que nos trouxe até aqui. E para refletir profunda e verdadeiramente sobre a questão, precisamos falar sobre a armadilha do reformismo e conciliação.

Durante anos e anos o petismo assumiu sua identidade com sua política que em nada enfrentou os ditames imperialistas. E esta é apenas uma de suas mil faces. Faz parte do DNA do PT, com total respaldo (ou servindo-se como prato principal abundantemente) das burocracias sindicais, apagar quaisquer fagulhas de auto organização operária. Em nada apontar para uma verdadeira luta pela independência de classe, e ao mesmo tempo, dar os braços a burguesia e caminhar de mãos dadas, trilhando um caminho rumo a efetiva conciliação.

Quando se abre espaço para o aprofundamento da lógica de consumo , quando se alimenta ainda mais a indústria cultural com leis que incentivam a renúncia fiscal por exemplo, abre-se espaço para que a lógica burguesa consolide cada vez mais suas vontades e sua identidade, que obviamente nada tem a ver com a independência de classe e com a luta contra os absurdos abjetos do imperialismo e do capitalismo.

Agora Temer recolhe até as migalhas, não só da cultura, para alavancar ainda mais a repressão e aprofundar os ataques à classe trabalhadora e ao povo pobre. E este aspecto é extremamente grave e escancara ainda mais a intenção de aprofundamento do projeto golpista com a criação de mais uma ferramenta de controle e repressão, nomeada “solenemente” de Fundo Nacional de Segurança Pública. Nada mais é que garantir ainda mais recursos para reprimir mais, para calar ainda mais vozes. E sucateando a cultura, lança ainda mais neblina nessa cortina de fumaça que a burguesia lança sobre a realidade, buscando mascarar a realidade para manutenção de seus privilégios.

Não à MP 841. Que ocupemos os espaços, que nossas vozes se levantem e não só por isso. Lutemos ombro a ombro com cada trabalhador e trabalhadora para destruir o capitalismo. Somente assim e erguendo as bases de uma nova sociedade teremos “direito não só ao pão mas também à poesia”.

Confira abaixo a nota oficial publicada pelo Ministro da Cultura:

“Publicada hoje no Diário Oficial da União, a Medida Provisória 841, que cria o Fundo Nacional de Segurança Pública, reduz drasticamente a participação do Fundo Nacional de Cultura na receita das loterias federais. O percentual, que era de 3%, poderá cair a partir de 2019 para 1% e 0,5%, dependendo do caso. Trata-se de uma decisão equivocada, que não tem o apoio do Ministério da Cultura.
O investimento em segurança pública é obviamente crucial neste momento crítico que o país vive. O combate à violência urbana, porém, não deve se dar em detrimento da cultura, mas também por meio da cultura, assim como do esporte e da promoção do desenvolvimento. Além de seu valor simbólico e potencial transformador, a cultura é um vetor de inclusão e crescimento econômico.
As atividades culturais e criativas representam atualmente 2,64% do PIB, geram um milhão de empregos formais, reúnem 200 mil empresas e instituições e cresceram entre 2012 e 2016 a uma taxa média anual de 9,1%, apesar da recessão. Estão, portanto, entre os setores que mais contribuem para o desenvolvimento do país. O investimento público nesta área retorna multiplicado, na forma de aumento da arrecadação tributária.
A cultura já faz muito e pode fazer ainda mais pela superação da barbárie cotidiana em nossas cidades. Trata-se de uma poderosa arma contra a criminalidade e a violência, por seu elevado potencial de geração de renda, emprego, identidade e pertencimento. Reduzir os recursos da política cultural é na verdade um incentivo à criminalidade, não o oposto. Mais cultura significa menos violência e mais desenvolvimento.
A MP mostra-se ainda mais equivocada diante do fato de que há meses o MinC apresentou a proposta de outra MP, que destinaria diretamente a projetos culturais, pela Caixa Econômica Federal, o equivalente a 3% dos recursos arrecadados com as loterias, evitando assim contingenciamento e desvio de finalidade. Exatamente como acontece com o percentual que cabe ao esporte, graças à Lei Agnelo-Piva, de 2001."

 
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