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ANÁLISE
O caminhão e o dólar: o "mercado" e atores patronais como novos fatores de instabilidade
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

Cada pesquisa eleitoral leva a altas e baixas na bolsa. Cada nova demanda patronal por subsídios abre novos posicionamentos de outros setores. Olhando tudo isso e o crescente déficit fiscal, banqueiros como o Santander e a XP Investimentos falam em alto e bom som que não há opção fora o povo se preparar para reforma da previdência e outros ataques. Querem que naturalizemos que toda a economia nacional está submetida a pagar a dívida e enriquecer seus donos e controladores. Querem, tal como o banqueiro Shylock de Shakespeare, meio-quilo de carne como garantia dos títulos da dívida. Em nosso caso, o peso em carne mede-se em anos de aposentadoria.

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Foto: Paulo Whitaker

Violentas oscilações no dólar, uma variação grande nos títulos da dívida que chegaram a ter sua venda no mercado secundário suspensa por dois dias. O “mercado” está fazendo seus votos rumo a outubro e para além das urnas. Como disse o tradicional jornal de finanças britânico, o Financial Times quanto mais turbulência, maior chance das reformas antipopulares serem aprovadas. Este movimento especulativo e político, por parte das finanças, acrescenta mais uma onda de instabilidades na economia e na política nacional.

Na economia o que já estava amargo ficou ainda mais. Até alguns meses atrás havia bancos que projetavam entre 2,5 e 3% de crescimento do PIB, agora a maioria já crava – com algum otimismo – algo entre 1,5 e 1,8%. Com os números anteriores, a população já não sentia que mudava o quadro de persistente desemprego, acometendo sobretudo os jovens, os negros, as mulheres. Agora, sob impacto das tendências internacionais de saída de capitais dos países ditos “emergentes”, o quadro se agrava com toda a incerteza eleitoral e início de disputas entre frações da burguesia, cada uma buscando mais lucros através de subsídios estatais e, portanto, do conjunto da situação fiscal do país como ficou gráfico em meio ao conflito em torno dos combustíveis.

Ainda que apareçam as claras dificuldades da economia nacional, jogando fora qualquer vã esperança de algum crescimento econômico, não parece avizinhar-se – como maior possibilidade, salvo em um aceleramento da crise internacional - uma quebradeira generalizada na economia. O que é o cenário mais provável – por enquanto – é sim uma tendência a estagnação-recessão combinada a inflação puxada pela alta do dólar (já que da gasolina ao pão, passando pela carne e frango muito do que consumimos é “dolarizado”). Mas, mesmo sem um tendência imediata a uma crise aguda, o que se vê é o “mercado” determinando sua vontade de armar instabilidade para colher lucros.

Foi só com uma injeção bilionária de dólares por dia que o Banco Central conseguiu na sexta-feira aplacar a sede dos especuladores e investidores e reverter toda a desvalorização da semana. Mesmo assim o real é a terceira moeda no mundo que mais se desvalorizou frente ao dólar no ano.

A burguesia nacional – e sobretudo estrangeira, já que mais de metade das transações na Bovespa é, oficialmente “não residente” – quer certeza que seus lucros não somente serão mantidos como aumentarão. Todos prognósticos burgueses dão conta de aumento da tendência à crise fiscal – ou seja gastos maiores do que a arrecadação. A resposta que eles oferecerem a este cenário de crise fiscal é de renovados ataques à classe trabalhadora, tal como privatizações, reforma da previdência e agressivos cortes na saúde e educação.

O problema é agravado por duas constatações que complicam os cálculos para a burguesia. Setores dela mesma batalham por aumentar seus lucros via subsídios estatais – dificultando a política de contenção de gastos e cortes de direitos dos trabalhadores, como ficou patente em meio ao movimento de caminhoneiros. E, soma-se a isso, o que ficou gráfico em uma pesquisa conduzida pelo instituto IPSOS, que constatou que 57% dos brasileiros não votariam em um candidato que defendesse a reforma da Previdência, bem como 61% não votariam em quem defendesse a privatização da Petrobras.

Parte dos planos da burguesia para garantir a continuidade do saque do país via dívida pública não parece levar a sucesso eleitoral, e isso motiva editorial atrás de editorial dos grandes jornais, cobrando dos candidatos de “centro” que falem a verdade e a importância dessas reformas, como fez o Estadão neste domingo.

A crise dos combustíveis e abertura de uma fresta na caixa de Pandora da crise brasileira

A tentativa de Temer de aplacar a crise aberta pelo movimento dos caminhoneiros abriu mais uma fresta da Caixa de Pandora das contradições que se acumulam na crise brasileira. Parte dos demônios seguem na caixa, mas o que já saiu de 2013 para cá inquieta o chamado “mercado”. Mas isso também precisa inquietar os trabalhadores. Cada nova crise que não desperte uma ação e um programa independente por parte dos trabalhadores e dos oprimidos, que se choque com todo saque imperialista e toda a burguesia nacional, é mais um pontinho para as patronais se atreverem mais e mais em busca dos seus lucros.

Só partindo dessa visão que liga as batalhas que os trabalhadores não deram graças ao papel ativo de suas direções em contê-los, trair as lutas, as greves gerais, que se entende como tivemos patronais incentivando a desabastecer o país. Só olhando para a atuação consciente do PT, da CUT e demais centrais sindicais permitindo até mesmo que Lula fosse arbitrariamente preso sem qualquer esboço de resistência, que se entende como chegamos a este momento atual. O mesmo país que um ano atrás tinha um vozerio por uma greve geral contra as reformas e podia com esta ação contribuir a derrubar Temer, vê agora seu reflexo em um espelho distorcido. Dias atrás escutava-se o mesmo vozerio, só que detrás de um movimento que tinha os caminhoneiros como aríete mas era aplaudido e incentivado pela associação dos latifundiários da soja -a Aprosoja.

A resposta de Temer era notavelmente instável e está indo pelos ares, por pressão e choradeira de cada setor burguês e uma guerra de medidas judiciais. O acordo que combinava mudança no frete e no diesel, mantendo o preço da Petrobras variando de acordo com o mercado internacional para favorecer a privatização, implicava em fortes ganhos para as transportadoras e para setores do agronegócio que constam com frotas próprias (como os gigantes da soja) e que consomem muito Diesel na produção (como também o caso da soja e de outros grãos como o milho). Quem realmente ganhava com isso não eram os caminhoneiros, mas a soja e as transportadoras, que poderiam aumentar seus lucros cobrando das empresas a “tabela do frete” pouco se importando para as condições de trabalho dos caminhoneiros.

Por outro lado, várias indústrias e aqueles setores do agronegócio que não tem frota própria nem consomem muito diesel em colheitadeiras e outras máquinas se viram prejudicados. Claro que esse “prejuízo” é altamente relativo, já que todo o setor foi beneficiado com isenções de impostos e empréstimos subsidiados para a Safra 2018/2019 que somam a fortuna de R$ 193 bilhões. Trata-se de uma choradeira patronal enquanto fazem rios de dinheiro. Uma inicial disputa burguesa para ver como aumentar seus lucros.

O relativamente amplo acordo da burguesia que vimos durante o golpe institucional, unindo-se em promover ataques mais duros contra a classe trabalhadora do que o PT já fazia, não parece dar conta mais de agradar a todos. No campo demandam mais diesel barato, mais isenção de impostos, empréstimos subsidiados. Nas indústrias chiam com o que foi dado aos transportes e à soja, nos bancos chiam com a situação fiscal do país dando tanto a uns e outros. Estamos diante de um momento ainda inicial mas mesmo assim visível de divisão entre a burguesia.

Combina-se a inicial divisão dos de cima com a persistente insatisfação dos “de baixo”.

Múltiplas pesquisas, múltiplas dúvidas do mercado

O “centro golpista” precifica estes problemas na política e no mercado financeiro. Até outubro há muita água para correr debaixo da ponte. Cada pesquisa eleitoral aponta algo de diferente da outra, evidentemente há possíveis manipulações metodológicas, mas estas possíveis fraudes são facilitadas pela incerteza e descrédito dos políticos e das instituições que existe entre a população.

Enquanto um DataPoder360 cravava uma tendência a segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, a Datafolha aponta uma boa chance de Marina Silva ir contra o reacionário. Os resultados dos diferentes cenários de segundo turno das duas pesquisas também não batem, enquanto no Datafolha Ciro e Marina batem Bolsonaro, no DataPoder360 acontece o contrário.

Em uma pesquisa encomendada pela XP Investimentos, nota-se que se for dito ao eleitor que Haddad é apoiado por Lula, este empata e tem chance de suplantar Ciro como opção de centro-esquerda a se enfrentar com Bolsonaro. Esta evolução possível de Haddad é consistente com o que mostra o Datafolha, que constata, além disso, que gritantes 45% dos 30% de votos de Lula virariam votos nulos se persistir essa continuidade do golpe institucional que é negar a possibilidade de quem queira poder votar nele, direito que defendemos incondicionalmente ao mesmo tempo que não votaríamos em seu programa de conciliação de classes.

Uma das únicas coisas que é consistente em todas pesquisas é como Alckmin não consegue sair de 6 a 8% apesar de quase todos brasileiros o conhecerem. Também nota-se em todas pesquisas como esta eleição será a campeã de votos nulos, e será ainda mais assim se Lula não estiver na urna.

A dificuldade de Alckmin somada a bronca popular que não aceita a reforma da previdência faz o “mercado” tentar atuar para impor sua política de uma maneira ou outra. Buscam achar um candidato viável ou, alternativamente, conseguir maiores mostras de Ciro, Bolsonaro, ou Haddad que implementarão privatizações e alguma reforma da previdência. De Bolsonaro já conseguiram a promessa de privatização da Petrobras e tudo que seu olhar alcançar, além da reforma da previdência. De Ciro e Haddad ao menos a promessa de “responsabilidade fiscal” e de algum ataque a nossas aposentadorias. E todos 3 prometem seguir o principal mecanismo de submissão ao imperialismo e saque das riquezas nacionais: a crescentemente mais cara, maior e sempre ilegítima dívida pública.

A recente pesquisa Datafolha, cravando Marina em segundo lugar deve abrir novas movimentações do “centro” buscando que coalizão é possível. Mas ela dá repetidas mostras de privilegiar os interesses de seu partido, a Rede, do que unir-se. O mesmo aparenta fazer Álvaro Dias do Podemos. Diferentes analistas da centro-esquerda e da centro-direita, como Nassif e Maringoni, apontam, cada a um à sua maneira, as dificuldades do centro e como parece improvável a união das forças do “centro golpista”. FHC tentou emplacar uma união do centro que reuniu uma quantidade de figuras que cabiam em duas ou três kombis, para lamento do Estadão em editorial do último sábado. O DEM, escudeiro fiel dos tucanos dá mostras de embarcar com Ciro, e o PSB coqueteado por Ciro e pelo PT aparenta também escolher o oligarca do Ceará, sem ainda fechar as portas ao partido de Lula.

As tremendas dificuldades do “centro” impor um candidato pode levar a novas instabilidades não somente na política mas com grandes implicações na economia e abrir caminho a questionamentos do próprio regime que não valeria continuar a proscrição do direito da população votar em Lula? Até o momento o judiciário aponta em manter essa medida autoritária de continuidade do golpe, mas há novas instabilidades no ar e como afirmamos, muito chão até outubro.

Este cenário, olhado como um todo, guardada toda distância até outubro – com Copa no meio – aponta que os planos de agressiva submissão ao imperialismo e de ataques à classe trabalhadora terá continuidade com todos os principais candidatos, mas não da maneira que gostaria a Bovespa e Wall Street.

Cientes dessa dificuldade do “centro”, combinado ao ataque especulativo à moeda, a dívida e aos juros, setores burgueses vão buscando como acomodar Ciro e Bolsonaro a seus interesses. Enquanto a XP Investimentos mostra que quase metade dos investidores aposta em um vitória de Bolsonaro, um peso-pesado do neoliberalismo, a ex-tucana e voz-ativa do Instituito Millenium ligado à Globo, Monica de Bolle, defendeu Ciro Gomes em matéria recente, e Steinbruck, magnata da CSN, vice-presidente da FIESP e membro do golpista PP de Maluf parece rumar a ser vice de Ciro.

FHC e Lula duas vozes diferentes da mesma preocupação com a estabilidade

Mas estas inquietações do “centro” e do “mercado” não atendem somente a uma política deles, também são, por sua, vez uma resposta a uma correlação de forças dada no que temos tratado como crise orgânica. FHC em artigo ao Washington Post escreveu quase a definição letra a letra de como Gramsci define esta crise (apesar de FHC falar de “condições revolucionárias” toda ênfase está no perigo bonapartista que acompanha esta crise como sombra):

“nenhuma revolução aconteceu no Brasil. No entanto, estamos assistindo as condições revolucionárias nos quais vingadores estão se preparando para cortar as cabeças dos de cima e dos poderosos e são aplaudidos pelas massas. Se a história nos serve de guia, o fim de jogo tende a ser a chegada de um líder providencial, um salvador carismático ou homem-forte que chega para colocar um fim à anarquia na terra.” [tradução nossa]

FHC e todas agências de risco notam que há uma inquietação social que atua mesmo em meio a uma situação reacionária. A correlação de forças de fundo não terminou de mover-se definitivamente à direita mesmo passados dois anos do golpe institucional. Lula, também nota esta instabilidade e oferece seus serviços a burguesia como “pacificador”. A ênfase em pacificar o país, ou seja buscar coesão dos trabalhadores com quem os explora, consta em sua última carta lida no lançamento de sua pré-candidatura. A pacificação do país aparece ali misturada a uma retórica neodesenvolvimentista que oculta como os governos do PT cortaram direitos e gastos sociais, promoveram privatizações e seguiram religiosamente o pagamento da dívida, mantendo a subordinação e saque do país pelo imperialismo.

O cenário atual, mesmo com todas mostras reacionárias da situação como patronais e setores que queriam “intervenção militar” terem “parado o país”, e que a instituição mais respeitada pela população veste verde-oliva (mas mesmo o Exército perde popularidade como mostrou a Datafolha), as debilidades da burguesia em construir uma estabilidade persistem. O que se oferece à classe trabalhadora é uma oportunidade e um perigo ao mesmo tempo.

Para que a resposta a essa crise não seja de novas medidas de continuidade do golpe, de mais desemprego, mais cortes na saúde, na educação e de nossas aposentadorias como quer todo “mercado”, será necessário um claro programa anti-imperialista e que guarde independência de todos setores patronais. Um programa que combata o saque dos recursos nacionais via pagamento da dívida, via privatizações, que combata os ajustes e cortes a nossos direitos que Ciro e Lula também se propõem a fazer ao defenderem a “responsabilidade fiscal”. As novas crises políticas e econômicas que se mostram no país são um renovado alerta da necessidade de uma resposta anticapitalista se não quisermos que seja a classe trabalhadora a pagar o preço dessa crise.

 
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