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A DOMINAÇÃO IMPERIALISTA
O que é “Imperialismo”? Algumas reflexões sobre sua influência no Brasil hoje
Fernando Pardal
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Muitas vezes quando falamos de uma política “imperialista” para explorar o nosso país as pessoas acham que é algo de “teoria da conspiração”. Mas falamos de algo muito concreto. Queremos aqui apresentar algumas de suas características fundamentais e ver alguns exemplos importantes de como isso se expressa em nosso país.

O capitalismo nascente e a livre concorrência

O Brasil, desde sua “descoberta”, ou seja, sua invasão pelos portugueses em 1500 (como o resto da América Latina) representou uma fonte imensa de riqueza para os colonizadores. Ao custo de muito sangue, genocídios brutais de povos indígenas, roubo de todo tipo de riquezas, a Europa fez grande parte de sua fortuna durante séculos. Foi com essa riqueza – parte do que Marx chamou de “acumulação primitiva de capital” – que se fez a revolução industrial e as burguesias nacionais se tornaram as donas do mundo.

Com o capitalismo em expansão, começa uma corrida desenfreada entre as diferentes nações onde cresceram essas poderosas burguesias pela dominação econômica para além das fronteiras. Primeiro era a disputa por colônias, visando dominar as fontes de matérias primas que abasteciam a indústria das metrópoles, mas também o controle dos mercados para escoar sua produção que crescia exponencialmente com a revolução industrial. Nesse momento, o rápido desenvolvimento da indústria e do comércio se dá pelas mãos de capitalistas individuais, que pelo princípio da livre concorrência disputam novos mercados e, com o grande desenvolvimento das forças produtivas, criam e satisfazem cada vez mais novas necessidades humanas. É o momento também em que a burguesia vai avançando de uma dominação no terreno econômico ao plano político, pondo-se à cabeça das massas para conduzir revoluções que derrubam os regimes monárquicos e criam os Estados nacionais modernos, as repúblicas das quais se fez a classe dominante e cujas revoluções no plano cultural, ideológico, econômico e político Marx e Engels tão bem sintetizaram no Manifesto de 1848. Era o período revolucionário da burguesia.

O capitalismo vai passando por transformações, e esse período se esgota, abrindo caminho a uma nova etapa do capitalismo. Se conclui a partilha de rapina da América, Ásia e África. O mundo “à sua imagem e semelhança” já está completamente tomado pela expansiva dominação burguesa. Mas a condição de existência do capitalismo é que ele continue permanentemente se expandindo, aumentando seus lucros, pois a incessante concorrência que coloca um capitalista contra o outro, e uma nação burguesa e seu Estado contra as demais em uma competição permanente, não cessa um só segundo. A estagnação no crescimento equivale ao colapso de todo o sistema.

O nascimento do imperialismo e suas marcas distintivas

Assim, no início do século XX, o capitalismo entra em uma nova etapa, com características bem definidas e muito distintas do período anterior onde predominava a expansão colonial, a consolidação dos estados modernos e a livre concorrência entre capitalistas individuais. Essa nova etapa, batizada como “imperialismo”, se caracteriza, por um lado, como uma etapa em que o capitalismo atinge seu mais alto grau de desenvolvimento, e, por outro, por culminar em seu irreversível processo de decadência histórica, em que a burguesia deixa definitivamente de cumprir qualquer papel progressista e atua como uma classe reacionária em toda a linha.

A característica fundamental da etapa imperialista é a criação dos grandes monopólios capitalistas. No surgimento do capitalismo, as primeiras manufaturas e sua revolução da técnica, com um salto sem precedentes na produtividade do trabalho, levam à ruína os artesãos, cuja produção em pequena escala e muito mais lenta é incapaz de competir com as novas técnicas, e estes são obrigados a se proletarizar e vender sua força de trabalho aos donos das novas máquinas. O acirramento até o limite da livre concorrência gera um processo semelhante: os burgueses mais poderosos, que possuem mais capital para investir em melhor maquinário e aumentar cada vez mais a produtividade do trabalho nas suas indústrias, vão quebrando os concorrentes que têm menos capacidade competitiva. Compram suas fábricas e, associando-se a outros grandes capitalistas, criam os trustes e cartéis, que são associações e acordos entre os grandes capitalistas para dominar os mercados em todo o mundo. Um processo semelhante ocorre em relação aos bancos, com a compra de pequenos bancos pelos grandes e a conformação de monopólios bancários.

Por sua vez, outra parte decisiva do processo de conformação dos monopólios capitalistas consiste no fim da antiga separação – tão nítida na etapa anterior – entre o capital bancário e o capital industrial. Na etapa imperialista, o capitalismo se caracteriza por se fundamentar no capital financeiro, que é a fusão entre o capital industrial e o bancário, o que demonstra como é absolutamente fictícia a suposta divisão que desenvolvimentistas fazem entre um suposto “capital produtivo” e um “rentista”, como se eles não fossem indissociáveis.

Desde a época do nascimento do imperialismo, o capital financeiro já se alastrou por todos os setores da economia, fazendo com que a bolsa de valores, onde se negociam as ações das grandes empresas, seja o palco onde o capital financeiro se mostra como senhor de todos os negócios capitalistas.

Além disso, se no período da livre concorrência a importação de mercadorias e matérias primas era o fundamental da divisão mundial do trabalho, na etapa imperialista a exportação de capitais passa a cumprir o papel decisivo, fazendo com que os grandes monopólios imperialistas se desloquem muitas vezes para regiões distantes do globo procurando melhores condições para aumentar seus lucros. Nesse aspecto, é impossível não se lembrar da China e da forma como a exploração brutal dos trabalhadores – com salários de fome e condições e jornadas de trabalho comparáveis às do século XIX anteriores a qualquer legislação trabalhista conquistada pelas lutas operárias – se tornou o grande parque industrial do mundo, levando a um novo ciclo de expansão capitalista e, por outro lado, contribuindo para o rebaixamento dos salários e intensificação da exploração dos trabalhadores em todo o mundo.

Também é no imperialismo que a partilha colonial do mundo chegou ao seu primeiro limite, com o fim dos novos territórios a serem divididos, e ganha uma nova fase com o acirramento das disputas inter-imperialistas pelo controle de territórios, por anexações e com as guerras por esses fins sendo uma parte estruturante do caráter de época. Assim, a disputa entre as principais potências imperialistas por territórios foi o estopim da Primeira Guerra Mundial, mostrando que a necessidade expansiva dos lucros capitalistas das distintas burguesias leva ao extremo das grandes carnificinas mundiais, como foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1919) e, depois, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um resultado direto da maior crise do capitalismo até hoje, a grande crise que se inicia em 1929. Contudo, os exemplos das guerras motivadas pelos interesses imperialistas se contam na casa das centenas, e garantem que desde o início da etapa imperialista não tenha existido um só dia sequer sem uma guerra motivada por esses interesses acontecendo em algum lugar do mundo.

O fato de que nos países de desenvolvimento capitalista tardio a característica imperialista da exportação de capitais tenha exercido um papel determinante, bem como todas as formas de dominação política ou militar que fazem parte da dominação imperialista, deve ser compreendido como parte dos fundamentos da teoria da revolução permanente: essa dinâmica faz com que a débil burguesia nacional se encontre “esmagada” entre o poderoso capital imperialista – de quem é apenas uma sócia menor, uma serviçal – e o relativamente poderoso proletariado nacional, que se desenvolve de maneira desproporcional a essa burguesia por meio do crescimento da economia promovido pela chegada do capital estrangeiro. Em muitos casos, esses desenvolvimentos capitalistas ocorrem também com as monarquias atuando como sócias do imperialismo e da burguesia, como foi o caso da Rússia. Assim, a burguesia servil ao imperialismo torna-se incapaz de levar adiante mesmo as tarefas democráticas e de independência nacional mais elementares, colocando essa responsabilidade sobre os ombros do proletariado, que, apenas lutando de forma independente, pode levar adiante um combate consequente contra a dominação imperialista (e sua sócia menor, a burguesia nacional) que, necessariamente, no curso de sua luta terá que passar às medidas diretamente socialistas, como a nacionalização dos bancos, o monopólio do comércio exterior, a expropriação dos grandes monopólios, o fim do pagamento da dívida pública, etc.

Algumas expressões do imperialismo no Brasil

O Brasil, como parte desse processo, era já citado em 1916 por Lênin como um dos exemplos da atuação do capital financeiro imperialista e dos monopólios que estendiam seus tentáculos por todo o mundo: “Num relatório do cônsul austro-húngaro em São Paulo (Brasil) diz-se: ‘A construção das ferrovias brasileiras realiza-se, na sua maior parte, com capitais franceses, belgas, britânicos e alemães; os referidos países, ao serem efetuadas as operações financeiras relacionadas com a construção de ferrovias, reservam-se as encomendas de materiais de construção ferroviária”. E, em seguida, citando uma publicação da burguesia estadounidense de 1915 (antes que esse imperialismo se tornasse hegemônico no continente): “Na América do Sul 5 bancos alemães têm 40 sucursais, 5 ingleses 70 sucursais... A Inglaterra e a Alemanha, no decurso dos últimos vinte e cinco anos, investiram na Argentina, no Brasil e no Uruguai um bilhão de dólares aproximadamente; como resultado disso se beneficiam de 46% de todo o comércio desses três países”. Aqui, vemos claramente como a penetração do capital financeiro está absolutamente ligada com a dominação do comércio dos países semi-coloniais.

Passados cem anos, as características da época imperialista se mantém absolutamente atuais. No Brasil, entre os inúmeros exemplos que poderíamos pensar para ilustrar os monopólios, podemos tomar o maior monopólio da educação em todo o mundo: a Kroton-Anhanguera. Com a fusão em 2013 entre os dois grupos educacionais, tornaram-se o maior monopólio do setor no mundo, com um capital que já nessa época era de R$ 13 bilhões. A história da criação dessa empresa gigantesca é a demonstração de que a lógica do imperialismo continua a se ampliar por cada poro da economia capitalista. Uma matéria do site Infomoney retraça a história desse importante capítulo da financeirização da educação no Brasil, que potencializou o setor como mais um forte nicho de acumulação do capital no país: em 2011, a Kroton fez sua primeira oferta de ações no mercado, levantando R$ 424,9 milhões, o que possibilitou que realizasse a aquisição de outros cinco grupos educacionais no valor de R$ 1,869 bilhão. Somando com a fusão com a Anhanguera, foram desembolsados cerca de R$ 7 bilhões com a criação do maior monopólio educacional do mundo até o ano de 2013.

Recentemente, uma nova expansão dos negócios foi concretizada com a compra do grupo Somos por R$ 4,566 bilhões. Assim, tornaram-se donos do Anglo, pH, da escola de idiomas Red Balloon e das editoras Ática, Saraiva e Scipione. A receita do grupo Kroton-Anhanguera proveniente da educação básica vai saltar de 3% para 28%, demonstrando mais uma das características do imperialismo apontadas por Lênin nos monopólios: a combinação, em que um mesmo grupo atua em diferentes ramos da economia, garantindo uma taxa de lucro mais estável.

O capital da Kroton expressa a forte composição do capital imperialista na educação privada brasileira. Entre seus acionistas estão as norte americanas JP Morgan Asset Management Holdings Inc. (5,34%), a Invesco (5,14%), a Capital World Investors (5,01%), a BlackRock Inc. (4,98%), além da sul africana Coronation Fund Management Ltd (5,03%).

A crise mundial iniciada em 2008 coloca fim a um período relativamente excepcional, durante o qual a regra da competição extrema entre os diferentes imperialismos foi parcialmente atenuada pelos acordos multilaterais, tais como a União Europeia. Contudo, a crise coloca novamente no centro da dinâmica geopolítica as disputas inter-imperialistas, e atualiza a definição leninista da época imperialista como sendo marcada por “crises, guerras e revoluções”.

Trump é a cara mais forte da política agressiva do renovado imperialismo. Como desenvolvemos em diversas análises, como essa aqui, o imperialismo hoje utiliza novas táticas, sendo o poder judiciário e a fachada do “combate à corrupção” uma das formas mais recorrentes para renovar sua dominação nos países de seu “pátio traseiro”, a América Latina. A Lava-Jato, com seu agressivo desmonte das “global players” (empresas brasileiras que, por meio da política petista e dos bilhões do BNDES entraram na escala de competição das grandes empresas imperialistas), tais como JBS, Odebrecht e Petrobras, é uma demonstração das mais profundas sobre como o imperialismo interfere profundamente na dinâmica econômica e política dos países semi-coloniais como o Brasil.

Veja também: Programa anti-imperialista ou uma submissão ainda maior do que a dos governos do PT

Assim, não é por acaso que o governo golpista de Temer, implementado por meio de um golpe institucional profundamente marcado pelo apoio imperialista e sua política de utilizar o judiciário para interferir na política do Brasil, tenha uma agressiva política privatista em relação à Petrobras, a maior empresa brasileira. A reserva de petróleo do pré-sal, que sozinho corresponde a cerca de 7% a 12% de todo o petróleo no mundo, é uma riqueza que os capitalistas donos do mundo querem em suas mãos.

Hoje, uma das principais formas de saque da riqueza nacional no Brasil pelo imperialismo é a dívida pública. O governo Lula alardeou aos quatro cantos uma imensa mentira, de que teria rompido com a dependência do capital imperialista ao “acabar” com a dívida externa. Contudo, esta se tornou dívida pública com títulos que são vendidos a juros extraordinários, atraindo o capital especulativo dos investidores estrangeiros, que continuam lucrando milhões com um roubo permanente do dinheiro que deixa de ir para saúde, educação, moradia, previdência, transporte, etc. A única forma consequente de garantir os direitos básicos dos trabalhadores e do povo pobre no Brasil é combater esse roubo permanente. Por isso dizemos: não pagar a dívida pública é a única resposta à crise do país.

O exemplo mais contundente de como o capital estrangeiro pode ser utilizado para ingerir no país e garantir os ataques capitalistas nós podemos ver na Grécia, que por meio dos acordos da Troika impôs os mais duros ajustes sobre os trabalhadores e o povo grego, e jogou por terra a farsa da utopia neorreformista do Syriza, que subiu ao governo com alardeando a ilusão de que por meio de “plebiscitos” é possível fazer frente ao poder do imperialismo. Sobre esse tipo de ilusão, está em grande medida reproduzida em nosso país por projetos como a candidatura de Boulos pelo PSOL e sua plataforma Vamos. Apenas a organização da classe trabalhadora, lutando para impor com seus métodos cada passo da luta contra os ataques imperialistas, poderá garantir o triunfo nessa luta. Por outro lado, qualquer coisa menos do que isso será a garantia da permanência de um estado de escravidão frente às imposições do imperialismo, que, conforme a crise avance, procurará implementar ataques cada vez mais duros (vide a proposta da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Ecônomico – de desvincular a aposentadoria dos valores dos salários mínimos, impondo aos trabalhadores aposentadorias em torno de 300 a 500 reais).

Para entender mais sobre a história da economia mundial e do imperialismo, recomendamos a série de textos de Gilson Dantas aqui no Esquerda Diário. O primeiro pode ser lido aqui

 
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