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DISCIPLINA SOBRE O GOLPE NA USP
O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil: os impasses do lulismo
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
Victoria Santello
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O programa de pós-graduação de história da USP está promovendo um curso livre sobre ”O Golpe de 2016 e o Futuro da Democracia no Brasil”. O curso foi proibido pelo MEC no começo do ano quando a UNB passou a oferecê-lo. O Ministro da Educação do governo golpista, Mendonça Filho tentou barrar a disciplina no começo deste ano, ferindo a autonomia universitária, alegando que se cada um construísse uma tese e criasse uma disciplina, a universidade ia virar uma bagunça. Em resposta a essa absurda tentativa de censura várias universidades do país passaram a oferecer cursos com o mesmo tema. O curso na USP começou na quarta-feira (21) com uma mesa que debatia os impasses do Lulismo, organizada pelo Grupo de Estudos sobre o Marx. Estavam presentes na mesa a professora Patrícia Valim da UFBA, André Singer professor de ciência política da USP, Lincoln Secco professor de história na USP e Esther Solano da UNIFESP.

Com esse texto, propomos um debate sobre a estratégia defendida por esses professores, que em sua maioria, defendia a estratégia petista de conciliação de classes, apontando os reais impasses do Lulismo e qual deve ser a saída dos trabalhadores e da juventude frente aos ataques democráticos que o país vem sofrendo desde o golpe institucional. Que segue mostrando sua continuidade na intervenção federal do Rio de janeiro, na tentativa de retirar o direito das massas escolherem em quem votar por meio da condenação arbitrária de Lula, no assassinato de Marielle Franco e agora com o repudiável ataque a caravana de Lula no Paraná.

A segurança pública

A professora Esther Solano iniciou o debate apontando que um dos principais empasses do Lulismo foi a Segurança Pública, onde a maior expressão se dá na intervenção federal do Rio de Janeiro, culminando no assassinato da vereadora Marielle. Sua fala girou em torno de mostrar o quanto essa direita reacionária usou do medo, num país que mata cerca de 60 mil pessoas por ano, para se fortalecer e ganhar base. A exploração e a espetacularização do medo foram colocadas como o centro pela direita brasileira, para gerar um clima de pavor e pânico na população e assim se fortalecer, e fortalecer os setores policiais e militares no país, dando aval para atrocidades como as que acontecem nos morros do Rio de Janeiro todos os dias.

Sua principal crítica foi que a esquerda brasileira deixou de fazer os debates e os combates necessários sobre segurança pública. Deixando a direita capitalizar em cima do vazio que ficou. Como resposta, ela disse que o fim da Polícia não era uma saída e que era preciso dialogar com setores “progressistas” como a polícia antifascista. De fato, os governos do PT fortaleceram a direita e não deram os combates necessários sobre a questão da segurança pública. Se orgulhavam de dizer que fortaleceram a Polícia Federal, que depois se voltou contra eles. Ocuparam o Haiti com tropas militares que estupravam mulheres e crianças para mostrar para ONU que o Brasil era capaz de entrar no conselho de segurança. Também criaram a Força Nacional que usaram para reprimir as greves do PAC. E a lei antiterrorismo que abre precedentes para a criminalização de movimentos sociais. Mas dialogar com a instituição mais assassina do país não parece uma saída para a crise de segurança.

O debate sobre a polícia e seu papel da sociedade não deve ser feito no âmbito individual e no possível sentimento progressista de cada policial e sim no que essa instituição representa. A polícia é o aparato repressivo do estado e está a serviço da proteção da propriedade privada e dos meios de produção dos capitalistas. Sua função, ao contrário do que o Estado (incluindo os governos do PT) falam, não é garantir a segurança da população e sim garantir os lucros dos capitalistas. O Estado, como balcão de negócios da burguesia como bem caracterizou Marx, usa do aparato policial para manter a “ordem social” e impedir qualquer questionamento e mobilização dos trabalhadores contra o regime vigente. Não à toa a polícia é usada para reprimir manifestações e greves, como aconteceu nas jornadas de junho de 2013, no governo do PT, e como aconteceu na greve dos professores municipais de São Paulo duas semanas atrás, com a repressão promovida pelo governo do PT a greve dos professores estaduais de Minas Gerais essa semana, e em diversos momentos históricos de mobilização dos trabalhadores.

Num momento de profunda crise social como o que estamos vivendo, onde o Rio de Janeiro constitui o ponto ápice, que se aprofundada pelo auto desemprego, pela baixa nas condições de vida, falta de moradia e a sistemática retirada de direitos pelas mãos desse governo golpista, que está descarregando nas costas dos trabalhadores e do povo pobre a crise que a burguesia criou. A criminalidade aumenta e setores de trabalhadores e da juventude debandam para o crime organizado e para o tráfico como alternativa desesperada. A saída do Estado para essa crise é colocar a polícia nos morros e nos bairros periféricos com uma política de “guerra às drogas” que na verdade nada mais é do que uma justificativa para assassinar negros e pobres. Sabemos que tanto a polícia, quanto o Estado e os empresários estão diretamente ligados com o tráfico de drogas. O helicóptero de cocaína do ex-deputado Gustavo Perella que tinha ligação direta com Aécio Neves até hoje não foi sequer para julgamento, enquanto isso as UPPs assassinaram Claudia Ferreira e Amarildo. E como resposta a tudo isso precisamos lutar pela legalização de todas as drogas.

Pelo caráter da instituição policial e seu papel na sociedade, não é possível que confiemos nesse setor para garantir a segurança. Nem garantir que ela investigue os crimes cometidos nas intervenções militares como as UPPs ou a intervenção federal. O General do Exército, Eduardo Villas Boas, disse querer “garantias para agir sem o risco de uma nova Comissão da verdade”. Como confiar que tanto o exército, quanto qualquer uma das polícias brasileiras julguem os crimes que elas mesmas cometeram? Como confiar que investiguem o assassinato de Marielle que denunciava a violência policial e a intervenção federal?

O judiciário e o Estado de exceção

No âmbito da investigação, a professora Esther também abordou o judiciário brasileiro. Disse que é o setor hoje que mais ataca a democracia com o discurso de combate a corrupção, atrelado a difusão do discurso do medo feito pela direita. O judiciário se fortaleceu e ganhou base para atacar os direitos elementares, como o direito ao voto, dando um golpe no país. Podendo intervir na vida política com a Lava-jato criando um estado penal permanente e espetacularizado pela mídia. Disse ainda que o país vive um estado de exceção permanente, não só pós golpe e ataque aos direitos democráticos, mas também nas periferias mesmo nos governos do PT. E acusou a esquerda de não ter combatido esse avanço até o final e questionou: “Quem enfrentou esse judiciário? ”

De fato, o judiciário se fortaleceu, principalmente nos governos do PT. Alguns setores do judiciário são diretamente ligados ao imperialismo norte americano com figuras como Sérgio Moro que inclusive é casado com a advogada da Shell. Não à toa, a Petrobrás foi uma das empresas estatais mais investigada pela Lava-Jato.
Mas é questionável se estamos em um estado de exceção. Realmente houve um avanço do judiciário e das forças repressivas, inclusive com o exército dando declarações sobre a política nacional do país. E foi aprofundado com o assassinato político da vereadora Marielle. Mas um estado de exceção é uma resposta do Estado ao avanço das massas nos questionamentos ao regime. Como aconteceu em 1964, quando estouraram diversas greves e havia mobilizações de massas pelo país. Como uma resposta a isso, para que o regime se mantivesse e, claro, por interesses imperialistas, o exército brasileiro deu um golpe militar.

Ao colocar que vivemos em um estado de exceção, a professora se aproxima muito do pensamento foucaultiano, que constrói todo seu diálogo em função de negar o marxismo, defendendo que não é preciso uma estratégia para vencer, porque não existe nenhum aparato central de poder. Quando Esther Solano afirma que esse aprofunda crise política, econômica e social que vivemos hoje constituindo um estado de exceção ela busca na verdade colocar que o centro agora não é buscar uma estratégia de combate contra esse Estado, mas sim reforçar a visão petista de que é preciso organizar resistências dentro do estado capitalista e assim buscar dessa forma o transformar por dentro. Sem se enfrentar com suas forças repressivas, como a polícia e seus governos burgueses e de conciliação.

A classe trabalhadora, a precarização e a contenção das lutas

A segunda fala foi da Professora Patrícia Valim da UFBA que começou falando que greves eram importantes, mas que a universidade funcionando com atividades como aquelas era ainda mais importante. Já demostrando a estratégia petista que defende, que historicamente, desde seu surgimento, o PT foi responsável por trair as greves dos trabalhadores e suas lutas. Disse que o golpe reabilitava o Lulismo porque mesmo com a campanha da Rede Globo contra o Lula, ele tem 42% de intenções de votos. E toda sua argumentação girou em torno de defender o governo do PT utilizando de argumentos populistas para sustentar sua posição. Basicamente, a professora disse que não existe apenas um Lulismo e sim diversos. Que o Lulismo do nordeste é diferente do Lulismo do centro sul, este, composto, segundo a professora, majoritariamente por homens brancos de classe média enquanto o nordeste tem uma composição social mais pobre e explorada.

Esse argumento foi usado para deslegitimar as manifestações de 2013, manifestações que aconteceram durante o governo Dilma, que questionava justamente seu governo, após a população fazer experiência com ele e ver que na verdade o PT governou para os empresários e não para os trabalhadores. Para isso, utilizou o argumento que enquanto em lugares como São Paulo houve atos de 1,5 milhão, no Nordeste os atos não passavam de 7 mil pessoas. Sendo que há dados que mostram que em Recife as manifestações chegaram a 100 mil pessoas.
Esse argumento é extremamente populista e anula completamente o fato de que, mesmo o centro sul concentrando a maior parte da burguesia e da classe média, a grande maioria da população continua sendo composta por trabalhadores explorados. Anulando também o caráter dos atos que no Rio de Janeiro, por exemplo, questionaram a violência policial nas favelas através do desaparecimento do Amarildo.

Vivemos uma etapa de Crise Orgânica, conceito do revolucionário italiano Antonio Gramsci que define uma crise de representatividade das massas com o regime e seus partidos. Essa crise se abriu em junho de 2013 com as manifestações conta o aumento da tarifa que despertou diversos questionamentos na população, englobando bem mais do que a tarifa em si, mas os privilégios, a polícia pós repressão, o governo etc. O que ficou de 2013 para cá, é que cada vez mais a população vê nas ruas e nas lutas a resposta para as mazelas que esse sistema e esse regime colocam aos trabalhadores e ao povo pobre. As greves gerais do ano passado, apesar da traição das centrais sindicais petistas, mostraram isso, assim como as manifestações culturais como o carnaval onde a juventude ocupou amplamente as ruas com um clima de combate as opressões e rechaço ao governo e as reformas. A comoção nacional expressa em atos de centenas de milhares contra o assassinato da Marielle e a forte greve dos professores municipais contra o SAMPAPREV do Dória, junto ao fato de que não existe um candidado forte dos principais partidos da ordem também reforçam isso.

Além disso, citou uma série de dados na tentativa de mostrar que o governo Lula foi bom para os trabalhadores, como quanto aumentou os empregos para a população. O que ela não citou é que de fato teve alta no emprego, mas no emprego terceirizado e precário, com baixos salários e menos direitos. Foi o governo do PT que aumentou a terceirização, que tem em sua maioria mulheres negras. Que todos os empregos que ela tanto se orgulha de terem criados, foram em base a uma super exploração da classe trabalhadora, de uma enorme precarização e divisão, enquanto os empresários e patrões batiam recordes de lucros. Ao mesmo tempo que as burocracias sindicais cumpriam um papel fundamental de passivação dos trabalhadores, transformando os sindicatos em simples aparatos a serviço da política petista, impedindo que esses cumprissem um papel fundamental como instrumentos de organização política dos trabalhadores.

O impasse do lulismo, é o impasse do Brasil?

Por fim o professor de ciência política da USP e um ex-porta voz dos governos de Lula, defendeu a sua tese de que o impasse do lulismo era o impasse do Brasil. Para isso argumentou que houveram três momentos. O primeiro denominado de “Do céu ao inferno”, constituía centralmente na política de que, segundo ele, os governos do Lula conseguiram implementar no Brasil, um processo de inclusão social sem nenhum confronto político. O céu, seria constituído das políticas sociais (extremamente restritas se comparadas aos incentivos dos grandes empresários), como o Bolsa Família, a geração de empregos ainda que precários, e todo um conjunto de políticas que ele denominou de “milagre do lulismo”.

O golpe institucional e a Lava Jato, se utilizando do discurso de combate a corrupção para avançar contra o governo petista, constituiria o inferno. Que viria para destruir o estado de “bem-estar social” criado pelo Lulismo, representando sua vertente nas universidades por exemplo, com a PEC do teto dos gastos públicos que congela por 20 anos os investimentos em saúde e educação e pode representar a destruição das universidades públicas. Além dos ataques mais profundos a classe trabalhadora como a reforma trabalhista, a maior abertura ao capital estrangeiro, entre outros.

O segundo impasse profundo do lulismo, era constituído pelo fato de que, segundo Singer, o governo Dilma buscou fazer dois movimentos: o primeiro desenvolvimentista, buscando desenvolver o capital nacional e entrando em confronto com o capital financeiro internacional. O segundo republicano, porque rompeu uma aliança histórica com o principal partido fisiológico do regime de 88, o PMDB. Esse movimento de Dilma teria abalado os dois pilares do lulismo, que constituía numa política da aliança e conciliação, e isso foi a base da queda desse governo. Porque Dilma tentou avançar rápido demais nas políticas que Lula faziam com a “velocidade certa”. Sendo essa “radicalização” a responsável pela entrada em cena da direita. Chegando assim a sua terceira tese, de que esse impasse não é só do lulismo, mas da sociedade brasileira pois, seria impossível avançar para maiores melhorias sem despertar maiores conflitos com a burguesia, restando somente aos trabalhadores e a juventude brasileira a necessidade de defender um reformismo fraco.

A questão falha em toda tese de Singer, constitui o fato de que o impasse do lulismo não se deu porque Dilma radicalizou além do que devia, e na sociedade brasileira só é possível avançar para promover melhorias sociais de forma lenta e gradual, como o PT prega. A verdade é que a estratégia petista de conciliação de classe é que levou ao maior fortalecimento da direita e o PT, que durantes anos buscou governar com essa direita, não só colocando ela em seu governo, com Maluf, Kátia Abreu e tantos outros. Mas cumprindo um papel fundamental de passivizar as massas trabalhadoras, de impedir desde a sua fundação que as lutas operárias pudessem também ganhar um caráter de enfrentamento com a ordem das coisas no sistema capitalista.

O impasse do Lulismo se dá fundamentalmente pela sua estratégia de conciliar interesses que são inconciliáveis. E ao não ter uma estratégia que busque colocar em cena a força da classe operária, a estratégia petista termina abrindo o caminho para o fortalecimento da direita, não porque busca se radicalizar contra ela, como Singer tenta colocar que foram os motivos do golpe, mas sim porque em momentos de profunda crise do sistema capitalista, já não serve mais a conciliação como mediação dos interesses dos trabalhadores e da burguesia, gerando assim momentos de maiores enfrentamento entre os interesses de cada uma dessas classes.

Por esse motivo, que hoje para enfrentar o avanço da extrema-direita, para lutar seriamente em defesa de cada um dos direitos democráticos conquistados, não podemos ter nenhuma ilusão de que basta uma estratégia eleitoral visando melhorar essa democracia degradada. Mas uma estratégia de enfrentamento baseada na luta de classes, que busque avançar para os trabalhadores e a juventude, organizados suas entidades para se colocarem em luta contra os ataques. Obrigando as grandes centrais sindicais e estudantis a romperem com a sua trégua e organizarem um plano de luta concreto (com assembleias democráticas, reuniões por local de trabalho, atos, manifestações, piquetes, coordenação das lutas) para a classe trabalhadora enfrentar os ataques aos direitos sociais, em defesa do direito de o povo decidir em quem votar, por justiça para Marielle e pela apuração e punição dos responsáveis pelo atentado contra a caravana de Lula. Ao mesmo tempo repudiamos a repressão do governo Pimentel do PT em Minas Gerais contra os professores em luta.

Os impasses do lulismo só poderão ser superados por uma estratégia que busque pela esquerda, baseando-se na luta de classes, enfrentar os atentados da extrema-direita e os ataques dos governos capitalistas. Buscando unidade na ação contra todos os ataques, mas construindo uma alternativa revolucionária, socialista e de independência de classe.

 
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