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ENCONTRO MULHERES METRÔ SP
Uma carta às metroviárias efetivas, terceirizadas e temporárias
Helena Galvão
Economista

Carta de Daphnae, trabalhadora da estação Sé do Metro de SP às metroviárias efetivas, terceirizadas e temporárias sobre o 10° Encontro de Mulheres Metroviárias

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Foto: Gabriel Amorim

Esta carta não é fácil de escrever. Mas acredito que devo escrevê-la e endereçá-la para minhas companheiras de trabalho, mulheres metroviárias: trabalhadoras da estação, agentes de segurança, operadoras de trem, da manutenção, da administração, trabalhadoras da limpeza, vendedoras de bilhete, jovens aprendizes e jovens cidadãs.

Certa vez eu li que na vida de uma mulher se entrelaçam os nós de toda a sociedade. Realmente acredito que é assim. Para todos é assim, mas para as mulheres isso é muito mais.

Eu trabalho na estação mais movimentada do sistema, que funciona pelas mãos de muitas mulheres metroviárias. Nesta estação vi mulheres serem assediadas pela chefia, pelos colegas, pelos usuários. Vi mulheres terceirizadas lutarem por direitos trabalhistas básicos como receber insalubridade por ficar o dia todo no banheiro público e tantos outros recorrentemente negados. Vi mulheres terem filhos, mulheres abortarem. Vi, inclusive, certa vez um aborto tristemente acontecer num banheiro público. Vi mulheres se desdobrarem cotidianamente para trabalhar e, naquele tempinho que tem disponível, ligar para os filhos que, por falta de alternativa, estão sozinhos em casa, para ver como estão. Vi mulheres lutarem por melhores condições de trabalho nas estações e no Metrô. Mulheres que sustentam seus filhos irem para uma greve colocando em risco muito do seu trabalho. Vejo muita força, cotidianamente, em todas estas mulheres.

É engraçado, porque o senso comum nos diz que as mulheres agora possuem muitos direitos, competem de igual para igual com os homens, podem ocupar os espaços públicos. Mas vemos que não é bem assim... sobre as mulheres recai a responsabilidade de cuidar dos filhos e de muitas vezes, no papel ou na prática, serem mães solteiras. Sobre as mulheres recai o serviço doméstico, e por isso trabalham mais do que os homens semanalmente. Sobre nós, mulheres, recai o fato de que estamos nos postos de trabalho mais precarizados, terceirizados, dos serviços mais desvalorizados pela sociedade, mas que na verdade são fundamentais. Sobre as mulheres recai toda cobrança estética para que, além de ter dupla e tripla jornada de trabalho, estejamos lindas, com o corpo perfeito e a disposição dos homens. Sobre as mulheres recai esta ideia de objeto alheio e nunca autora de sua própria vida.

O que acontece na vida de uma mulher, nas suas relações, nos seus corpos e no seu trabalho tem a ver com um sistema econômico, político e social que entrelaça capitalismo e patriarcado.

Este mês de março de 2018, mês do Dia Internacional das Mulheres, ainda nem chegou no seu fim, mas já é simbólico da luta das mulheres aqui no Brasil e no mundo.

Na última semana, Marielle, mulher, negra, feminista, LGBT, vereadora e militante de esquerda foi executada com quatro tiros na cabeça. Esta tragédia é também simbólica para nós. Vejam bem, quatro tiros na cabeça, pelas ideias que defendia. Lutava contra as consequências do golpe, lutava contra a intervenção federal no Rio de Janeiro e a violência policial que assassina milhares de jovens negros. Este fato escancarou do jeito mais bárbaro, para todo mundo, a falsidade da democracia que vivemos. Esta mulher foi executada num país que se diz democrático.

Ao mesmo tempo, o 8 de março veio com ares de luta das nossas irmãs argentinas e espanholas. Na Argentina milhares de mulheres adultas, idosas, jovens foram as ruas para reivindicar o direito ao aborto, “ni una menos” morta pela violência machista e "ni una menos" sem emprego. Na Espanha, paralisaram seus locais de trabalho junto com os homens e foram, milhões de pessoas, às ruas reivindicar seus direitos. Estas mulheres apontam a direção para um novo caminho de organização e de lutas pelos nossos direitos.

Nos dois anos que estive na CIPA da Linha 3 Vermelha do Metrô lutei, junto com meus companheiros, por implementar uma Subcomissão de saúde e proteção as mulheres para apurar os casos de assédio que sofremos. Porque todas sabemos, todas, as diversas situações que passamos no ambiente de trabalho, e aquilo que passam as usuárias nos trens lotados do Metrô sem amparo algum. Somos levadas a crer que aquilo que passamos é um fato isolado, fruto da mente doentia de um só homem, ou fruto da nossa roupa e atitude, ou porque somos histéricas e loucas, mas não é assim.

A empresa que faz tanta propaganda da sua diversidade, convive com tantos casos bárbaros cotidianamente e se nega e boicota nossas iniciativas para pautar esse debater e trazê-lo à tona.

Por tudo isso, queria deixar um convite. Para que a gente tire o fim de semana de 7 e 8 de Abril para refletir sobre essas coisas e nos organizar contra as situações bárbaras que vivemos. Que possamos ir, nos abrir, falar o que passamos entre mulheres, encontrar força para lidar não só com os dilemas que passamos individualmente, mas também socialmente, porque nossa vida individual reflete essa sociedade de exploração e opressão. Para que possamos colocar nossas reivindicações e sair do 10º Encontro de Mulheres Metroviárias mais fortalecidas para encarar os desafios que temos a frente: na nossa vida, no nosso trabalho, na nossa família. Este é o convite que deixo às metroviárias.

 
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