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POLÍCIA
Quando vamos falar sobre a polícia?
Eduardo Pinho

Essa é uma discussão já antiga dentro dos debates políticos: Defender ou não as polícias (Militar e Civil) e o Exército Nacional? Desmilitarizar ou extinguir? E por quê?

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Diante da tragédia que enfrentamos essa semana, a ferida ainda fresca dentro do nosso cotidiano se torna ainda mais profunda. O assassinato grotesco e covarde da vereadora do PSOL, Marielle Franco, duplamente assassinada, não somente por ser uma mulher negra da Maré– o que já seria o suficiente para seu assassinato segundo as políticas de genocídio da população negra, que escancaram dados alarmantes de uma guerra civil – mas também por estar cumprindo um papel fundamental dentro dessa guerra: A denúncia e o apuramento de casos de grupos de extermínio compostos por policiais militares no Rio de Janeiro e que atuavam na favela de onde vinha . E mais, essa é a prova viva da continuidade do golpe instituído pelo Temer e da sua investida militar na cidade do Rio de Janeiro.

Porém, vamos passo a passo. Trago esse artigo no sentido de entender mais profundamente em que consiste afinal a função do policiamento e como a Polícia surge no Brasil, que papel cumpriu, que papel cumpre hoje e quais alternativas temos para a violência policial e para a segurança que podemos nos propor a pensar.

De onde nasce a Polícia no Brasil?

A primeira instituição policial uniformizada e militarizada do Brasil surge em 15 de dezembro 1831. Até então, o policiamento da colônia era estabelecido por milícias e jagunços dos grandes latifundiários e burocratas. A Polícia nasce com objetivos bem específicos: atender aos interesses dos escravocratas e colonizadores, e seu salário vinha da captura de negros fugidos. O policial naquela época seria nada mais que a institucionalização do capitão do mato, um homem pobre porém livre, que faria o trabalho sujo para os grandes senhores, agora de maneira assegurada pelo Estado.

O abono salarial dos policias era recebido por cada negro que conseguissem capturar, exatamente como fazia o capitão do mato. Se o policial encontrasse um negro fugido de sua senzala e não conseguisse encontrar o proprietário, ele o levava até o Calabouço, como eram conhecidas as primeiras cadeias, até que alguém viesse reclamá-lo como seu. O judiciário se desenvolve no mesmo sentido, mas com papéis diferentes. Iria cumprir o papel burocrático das propriedades, sobretudo dos escravos, mas ambos nascem com o mesmo intuito de reprimir os negros no Brasil colônia.

O atual Brasão da Polícia Militar de São Paulo é uma verdadeira aula de história. Na figura, os personagens representados são um bandeirante – símbolo das conquistas durante o período colonial, principalmente contra os povos originários brasileiros – e o policial da infantaria – que principalmente reprimiria negros nas cidades, os guerrilheiros quilombolas e as revoltas populares.

No brasão também estão estampados 18 estrelas, cada uma representando um momento histórico para a PMSP, como é explicado no próprio site da Corporação. A primeira é a própria criação da Milícia Bandeirante, as demais representam, com orgulho, além de conquistas da burguesia nacional, a repressão de revoltas históricas brasileiras: a colonização dos Campos de Palmas, a repressão de Canudos, da Greve Operária de 17 e dos Movimentos Extremistas (ou a Intentona Comunista) de 35 a 37, as campanhas de Nordeste e Goiás contra a Coluna Prestes e as revoltas da Chibata de João Cândido e dos 18 do Forte – ambas revoltas de militares de base – pra finalmente, chegar na última estrela que representa a “Revolução” Militar de 1964.

Apesar da Polícia Militar ter sido o principal agente de repressão dentro das cidades durante toda a Ditadura Militar, cumprindo um papel de perseguição, repressão e opressão não só militantes, mas de todo o povo negro, indígena, das periferias e LGBT, a Corporação ainda seria assegurada pela nova Constituição Federal de 1988, por causa da transição pactuada dos setores militares e dos setores “democráticos”, para a democracia burguesa atual. Inclusive, por isso o Brasil é o único país que não puniu os militares dos crimes cometidos durante seu regime e não estranhamente, o índice de homicídios só aumentou da redemocratização para os dias atuais.

Aquele antigo bônus que os capitães do mato recebiam por negros capturados voltaria nos anos 90, e foi apelidado pelos movimentos sociais da época como “bolsa faroeste”. O policial que se envolvesse em algum auto de resistência (termo utilizado pela Justiça para designar assassinatos por policiais) seria bonificado por tal, e os alvos eram majoritariamente jovens, negros e pobres, das periferias. A bolsa faroeste tinha o limite de três casos, ou seja, se o policial matasse três pessoas, receberia mais do que um policial que tivesse matado duas, e esta receberia mais que um policial que havia matado uma.

Até o final dos anos 90 a bolsa teria sido extinta, porém ainda existem algumas tropas que recebem esse tipo de bonificação: O BOPE, o Choque – ambas com uma bonificação de R$ 1.000 pagos pelo Estado – e as UPP’s – R$ 750 pagos pela prefeitura. Setores da Corporação especializados tanto no assassinato indiscriminado da juventude negra quanto na repressão de manifestações de rua – acentuada pela lei anti-terrorismo do governo Dilma – tiveram seus treinamentos com a experiência do exército brasileiro no Haiti, intervenção militar no país que se iniciou no período Lula, e com as tropas israelenses, que vieram treinar as tropas brasileiras durante a Copa do Mundo em 2014.

De maneira institucional, porém velada e sem uniformes, também são constituídos grupos de extermínio dentro dos pelotões dos quartéis da PM. O grupo dos melhores e mais competentes soldados é acionada na surdina para efetuar assassinatos noturnos. É uma lógica de genocídio do pobre, como vimos de maneira mais escancarada em 2015, a chacina que desolou Osasco e Barueri – que já tem mais de um ano. E como também podemos ver, os mesmos grupos continuam atuando no caos do ES, principalmente buscando, através de seus métodos sórdidos, pressionar a sociedade civil para conseguir os interesses da sua categoria.

Braço Forte, Mão Amiga: A Garantia da Lei e da Ordem

A GLO é o objetivo fundamental do Exército Brasileiro: a Garantia da Lei e da Ordem. Toda instituição militar no Brasil está comandada por essa sigla, independente dos outros papéis que devem cumprir, seja policiamento, segurança, censura, patrulha ecológica, etc. A pergunta que devemos fazer é: Qual lei e qual ordem? Justamente a lei e ordem do regime em que vivemos. Se antigamente a lei e ordem dos escravocratas e dos grandes políticos, hoje, justamente, dos grandes empresários e dos grandes políticos atuais.

Um bombeiro pode cumprir um papel repressor ao comandar sua tropa para derrubar uma favela, e assim o fará caso o mercado da especulação imobiliária necessite. Uma tropa “pacificadora”, ou a ironicamente chamada UPP (Unidade de Policiamento Pacificador) tem o único papal de manter a ordem dos dominantes em determinado espaço, seja no Haiti – país com um gigantesco e profundo histórico de revoltas contra o imperialismo racista e o mercado internacional – ou no mesmo nas favelas do Rio de Janeiro, utilizando os métodos mais baixos e sujos para conseguir exterminar subjetivamente e fisicamente determinado povo.

A criminalização da pobreza, a criminalização e a guerra às drogas, o genocídio do povo negro, o encarceramento em massa, todos esses projetos políticos têm um objetivo em comum que é de massacrar e dividir a classe daqueles que não comandam. E para isso se faz necessário uma força militar armada do Estado. “Braço Forte, Mão Amiga”, essa é a consigna das Forças Armadas, e é a principal ferramenta de repressão do Estado. Afinal, braço forte para quem, e mão amiga de quem?

Desmilitarizar ou Extinguir?

Quem compreende tudo que foi dito anteriormente no texto, vai chegar a conclusão lógica que a instituição militar no país precisa de alterações urgentes. Alguns setores da esquerda mostrarão a necessidade de reformas dentro da corporação. A desmilitarização é a alternativa reformista: Retirando o caráter ideológico fascista, com o fim da lei militar com todos seus privilégios – Já que os militares não são julgados pela lei comum, mas pela lei militar – e o fim da hierarquia dos postos militares, para ser subordinado apenas pelo governador do Estado, com o policial sendo um servidor público comum. E para retirar a tradição violenta dos militares, deveria haver o fim dos treinamentos com lógica de tortura e a inserção de um treinamento mais humanitário, para de fato existir um policiamento e uma segurança efetiva para a população.

Mas o que foge dessa análise é o papel que a Justiça cumpre na repressão em massa. A Justiça dentro do sistema em que vivemos está subordina aos interesses políticos e econômicos das elites. O juiz que condenou Rafael Braga, os policiais civis envolvidos em grupos de extermínio, os guardas de prefeitura e seguranças privados que espancam moradores de rua e a juventude: todos eles não são militares, mais ainda sim cumprem um papel repressor para o Estado.

Qualquer cidadão comum sabe que a Polícia não lhe serve de auxílio até o fim. Os pequenos e médios negociantes ainda se sentem minimamente seguros com o policiamento das viaturas, mas para o traba-lhador e principalmente para população dos guetos, de nada serve o policial se não para ter medo. Necessariamente, teríamos que alterar toda a Justiça que está cristalizada em nossa sociedade, e para isso, teríamos que alterar drasticamente as bases materiais que a permitem parasitar as massas pobres para obtenção de lucro. Ou seja, extinguir os que controlam a economia. Mas primeiramente, extinguir a Polícia.

O que faremos então?

Há quem diga que o fim das Polícias seria impossível. Principalmente porque a população não está preparada para gestar sua própria segurança. Como se a Polícia fizesse a segurança da classe trabalhadora de alguma forma. Aos revolucionários, não levantar a consigna do fim da polícia neste momento é um desvio estratégico profundo, é não compreender até o fim o papel repressivo da democracia burguesa e se eximir de construir de alguma forma um tipo real de segurança.

Vale lembrar que “trabalhador” é aquele que tem um papel específico na produção e na administração do mercado, ao contrário das instituições policiais que, na realidade, tem como função reprimir e proteger as grandes propriedades privadas. Logo, reivindicar e de fato, conseguir melhores condições de serviço para os policias alegando que são trabalhadores, é necessariamente buscar melhores condições para o assassinato e a repressão funcionar. Mesmo que a origem de um policial individualmente seja da classe trabalhadora e negra, seu papel dentro do funcionamento do capitalismo é este.

Primeiramente, deveríamos levantar e construir palavras de ordem há muito esquecidas pela esquerda, como o fim do alistamento obrigatório. A grande massa da juventude negra e das periferias, que não está nos trabalhos precários ou na criminalidade, será engolida pelos quartéis. A base dos militares é majoritariamente negra e pobre, e está neste momento fazendo a manutenção dos postos militares – como limpeza e alimentação – sendo torturada e treinada para os momentos de guerra, onde serão jogadas em campos de batalha como linha de frente, recebendo menos que um salário-mínimo. Muitos vão pro Haiti, muitos morrem em confrontos nas periferias, muitos permanecem nas prisões militares.

Dentro dos quartéis, recebem a educação militar, e de lá, muitos permanecem dentro da hierarquia militar, aderem a causa e a ideologia nacionalista e com orgulho vestem a farda. Com os policias pobres e da base da corporação, é praticamente a mesma situação. Entram pelo salário, por experiências ruins com o crime na sua região, entram com um sonho de justiça, e se tornam verdadeiros assassinos. A esquerda revolucionária deve, necessariamente, compreender todo o quadro do militarismo no Brasil e convencê-los a largar os quartéis.

E em conjunto a isso, devemos continuar nossas batalhas contra a criminalização da pobreza, contra o encarceramento em massa, pela legalização das drogas, contra os projetos militares dentro das escolas e pelo fim das polícias, necessariamente por pressão popular. E a princípio, principalmente devemos defender e compor comissões de investigação independentes, para que apurem casos como o da camarada Marielle e que inclusive continuar seu trabalho militante, para que possamos cada vez menos contar nossos mortos e cada vez mais contar nossas vitórias, pressionando as forças do Estado para o direito mínimo de viver em paz onde se nasce.

Para finalizar meu texto, reivindico um futuro onde existam milícias revolucionárias, que tantas mentes e organizações da esquerda defenderam durante da história, como Leon Trotsky e Malcolm X e o Partido dos Panteras Negras – que de fato, foi uma. Para quem sabe um dia possamos, com assembleias nos nossos bairros, serviços, escolas e faculdades, criar mecanismos reais de autodefesa contra a ação covarde da polícia e da direita reacionária e evitar mais mortes e assédios.

 
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