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Brecht e Benjamin: autores necessários para a luta dos trabalhadores de hoje
Afonso Machado
Campinas
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A amizade entre Bertolt Brecht, criador do chamado teatro dialético, e Walter Benjamin, um dos críticos mais inovadores do marxismo, é um fato conhecido para a maioria dos pesquisadores que estudam as reviravoltas culturais do século XX. Este fato no entanto não envolve mera curiosidade intelectual, já que os diálogos entre Brecht e Benjamin, realizados durante a década de 30, representam um salto teórico tão grande para as reflexões estéticas marxistas, que sua atualidade salta aos olhos: a sintonia entre os autores alemães lega um modo de atuação artística que deixa qualquer crítico reacionário atual com cara de tacho.

Seria de grande utilidade cultural/política se militantes de esquerda interessados em teatro e literatura, tivessem em mãos o livro Ensaios Sobre Brecht, de Walter Benjamin. Esta coletânea de textos, publicada neste ano pela editora Boitempo (trata-se de mais um volume da coleção Marxismo e Literatura), é do tipo que queima os dedos do intelectual despolitizado e aguça o interesse daqueles que sabem o quanto a atuação da arte vale para que a classe trabalhadora tome consciência sobre sua posição na história contemporânea. É com ouvidos bem abertos que escritores, atores, historiadores e diretores de teatro devem estar diante da maneira como Benjamin fala de seu amigo Brecht.

Textos como O Que É Teatro Épico?, O País Em Que O Proletariado Não Pode Ser Mencionado, O Autor Como Produtor e Conversas com Brecht, são preciosidades que devem ser obviamente contextualizadas no ambiente tenebroso do avanço político do fascismo: Benjamin e Brecht sentiam a pele queimar, o cérebro doer e o coração comprimir diante da censura, das prisões e das fogueiras de livros promovidas pelos nazistas. O teatro, a literatura e as atividades culturais como um todo, eram para artistas e intelectuais progressistas do período uma questão de vida ou morte. Não havia meio termo: os artistas que não se calavam(porque não queriam ser capachos de ditadores) deviam ter instrumentos eficazes na luta contra o fascismo. As atrocidades do Terceiro Reich apoiavam-se ideologicamente num discurso esteticista, no qual um anacrônico conceito de Belo fundamentava/colocava em prática o extermínio de seres humanos e a destruição das ideias comunistas. A burguesia injetava dinheiro nas organizações fascistas e colocava louros na cabeça de Hitler. Lutando contra a manipulação do proletariado, a dramaturgia de Brecht pode ser entendida enquanto esforço teatral para esclarecer, para pensar objetivamente através do prazer estético a realidade. Benjamin sabia que esta concepção de teatro estava ameaçada pelo nazismo: ele decide teorizar sobre a contribuição do teatro épico no polarizado cenário da época.

O leitor mais desavisado deve estar pensando: por que cargas d´ água textos escritos por Walter Benjamin nos anos 30 sobre Bertolt Brecht, possuem alguma utilidade em 2017? A resposta passa pela necessidade de combater as sofisticadas formas de alienação através da arte: esclarecimento, reflexão e escândalo, são palavras que estão na ordem do dia. Benjamin visitou Brecht 3 vezes quando este último estava exilado na Dinamarca. Eles passaram juntos alguns meses no verão de 1934 , no verão de 1936 e também uma temporada em 1938. Por entre elogios e sobretudo objeções por parte de Brecht(nem sempre o teatrólogo alemão endossava os insights do pensador), as conversas entre ambos os intelectuais ajudaram de modo decisivo no pensamento de Benjamin. A teorização de Benjamin sobre Brecht abrange uma importante referência militante: trata-se da valorização do choque estético, da quebra da continuidade das ações através do distanciamento crítico; ou seja, a organização e interpretação dos fatos sociais segundo a ideologia dominante, são imobilizadas, postas em dúvida, despertando na população a consciência sobre as ilusões da “ normalidade social “. Não é apenas uma estratégia teatral: é uma teoria estética que levou Benjamin a evocar as imagens dialéticas no confronto com a classe dominante. É uma sacada que funciona dentro e fora dos palcos.

O teatro de Brecht trata dos problemas da realidade sem trava língua, sem palavras garbosas, sem que alguém precise recorrer à tecla sape. Ele foi um artista moderno que falava em pé de igualdade com as massas. É precisamente esta “ grosseria “ que, para horror de pensadores como Adorno, agride “ o refinamento do pensamento acadêmico “ e se comunica diretamente com a plateia. Brecht lega uma concepção teatral anti-ilusionista, que fala modernamente com o público. Sua linguagem se desenvolve a partir dos novos meios de produção(cuja utilização não pode abastecer o capital) e do contexto cultural cosmopolita em que os trabalhadores alemães estavam. Benjamin compreendeu o recado de Brecht e colocou em prática a conceituação de um projeto artístico didático e dialético.

As ideias de Brecht foram um elemento chave para Benjamin aprimorar sua tese do referido choque estético: a montagem do cinema, o escândalo das práticas artísticas modernas(de Baudelaire ao Surrealismo) e o teatro épico consistem em experiências estudadas/valorizadas por Benjamin porque levam em suas diferenças/especificidades ao choque, ao mencionado “ despertar “ que provoca mudanças na consciência. Foi muito especialmente o distanciamento crítico do teatro de Brecht que contribuiu com o conceito de História de Benjamin(trata-se do famosíssimo texto Sobre o Conceito de História). Em seu compromisso com a memória dos oprimidos, o historiador marxista busca as imagens dialéticas para fotografar, congelar o instante da luta de classes, levando à interrupção dos acontecimentos no palco da história. Coloca-se no “ tempo do agora “(isto é, atualiza-se) as experiências políticas e culturais dos oprimidos, soterradas pelas classes dominantes ao longo dos tempos.

Diante do suicídio de Walter Benjamin(perseguido pelos fascistas) em 1940, Brecht, nome seminal do teatro político, disse que a primeira grande perda que Hitler trouxe para a literatura alemã, foi a morte de Benjamin. Se hoje não estamos livres da barbárie, se hoje ainda paira a figura do político definido pelo tom autoritário e pela fala demagógica, as ideias de Brecht e Benjamin ainda são munições imprescindíveis para esclarecer, para agitar. Talvez exista um encontro eletivo entre a obra de ambos e os trabalhadores de hoje.

 
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