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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
A internacionalização de Goldemberg e os cantos obscuros da Universidade de elite
Guilherme Costa
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É sempre importante lermos opiniões de gente do porte de José Goldemberg. No último artigo publicado esta semana no Estadão, o ex-reitor da USP e ministro da educação do governo Collor nos dá uma palhinha do significado do projeto de educação de poderosos setores da elite paulistana. Em defesa da internacionalização do ensino superior, a argumentação do tucano se baseia na tradicional universidade de elite e acaba se cegando diante dos limites impostos pela crise econômica que se aprofunda.

Em um primeiro momento o texto parece inocente. Resgatando os "anos dourados" da Universidade de São Paulo, onde se viam ilustres figuras lecionando, como Jean Paul Vernant ou Levy-Strauss, o ex-reitor chega a conclusão de que a cooperação com Universidades mundo afora, seja pelo intercâmbio de pesquisadores e docentes, convênios de toda sorte, simpósios, etc., é ponto fundante do princípio de Universidade e indispensável para o avanço tecnológico e científico de qualquer Universidade que deseje reconhecimento e prestígio.

O aspecto central de toda a sua argumentação, que é dada como óbvia, é a produção de conhecimento para o incentivo à indústria. A própria estrutura do texto parece ter sido desenhada com o intuito de dialogar com os burocratas das Universidades de SP e os grandes empresários, os principais interessados nas pesquisas científicas em curso hoje. Com isso o ex ministro da educação propõe como paradigma de Universidade de excelência a criação inovadora à serviço do desenvolvimento industrial e capitalista. É para isso que deve servir a USP, a Unicamp e a UNESP - para a competição e acumulação de capital. Uma das salutares maneiras de se alcançar tal objetivo passa pela internacionalização da atividade universitária. Ele diz, "Daí a importância da cooperação internacional para obter informações, familiarizar-­se com novas tecnologias e, se possível, contribuir com ideias novas para torná­-las melhores. É assim que se originam produtos mais competitivos e, frequentemente, novas indústrias."

Mas a ideologia notadamente liberal fica patente na oposição que faz entre produtivismo tecnológico e conhecimento a serviço da população. Contra os bolcheviques que buscavam derrubar a escola Czaristas dos aristocratas para impor uma dinâmica de estudos e de produção científica que visava suprir as necessidades mais básicas da população, o notório tucano acaba reivindicando as políticas stalinistas de competição internacional que lavaram a cadelinha Laika ao espaço e ampliaram consideravelmente o arsenal nuclear dos soviéticos. Acontece que os bolcheviques de 1917 estavam profundamente interessados em resolver os problemas mais agudos de uma população assolada pela guerra e pela fome e refletiam acerca da criação de uma educação emancipadora, que combatesse os limites mercadológicos do conhecimento, de um ponto de vista que revolucionasse todos os paradigmas anteriores. José Goldemberg deixa isso de lado para reivindicar uma internacionalização que tem como objetivo final a ampliação não do acesso ou da produção, mas dos bolsos de alguns poucos empresários. Isso tudo com uma retórica técnica, que almeja autoridade, mas que no final recai no discurso vigente do projeto de Universidade de elite.

Como físico, o ex-reitor deve saber que toda ação tem sua reação. E acontece que hoje a ação desenfreada do desenvolvimento capitalista criou uma reação que vai para além do controle dos agentes que primeiramente criaram esse desenvolvimento capitalista. Vivemos uma crise econômica de proporções descomunais. E Goldemberg parece se esquecer disso em sua argumentação. Para além do elitismo mais evidente, o texto se depara com uma contradição contradição da realidade objetiva. Como pensar uma suposta internacionalização das atividades universitárias no cenário de crise que vivemos?

Alguns dados já apontam os limites estruturais. No mês retrasado o Governo de Dilma anunciou um corte de mais de R$ 9 bilhões na pasta da educação. O programa Ciência sem Fronteiras, que incentiva estágios no exterior para alunos de graduação e pós-graduação, bem como trazer pesquisadores estrangeiros, foi um dos principais afetados. O programa do PIBID obteve cortes que vão de 50 até 90%, precarizando a formação de professores. O maior programa de pós-graduação no Brasil, o PROAP, foi brutalmente atacado também pelo governo, tendo Universidades como a UFBA sofrendo cortes de 75% no programa. A Universidade de São Paulo vive no último um ano e meio uma de suas maiores crises e está sendo levada a fazer cortes expressivos em pesquisas e que afetam a qualidade do ensino. Como pensar avanço científico com o congelamento da contratação de novos professores e com a demissão em massa de funcionários? Será que Goldemberg se nega a enxergar a realidade de crise que estamos vivendo e os ataques do PT à educação ou precisamente se silencia sobre o assunto para poder fortalecer a oposição conservadora e privatista no Estado de SP? Parece contraditoriamente que ambos...

Mas para além da crise instaurada nas três principais Universidades do país, que hoje reúnem cerca de 50% de toda a produção científica no Brasil, é necessário pensar o conteúdo produzido nas Universidades. Enquanto pouco se produz para resolver problemas crônicos na nossa sociedade, como o abastecimento de água em São Paulo, ou surtos de malária e dengue, rios de dinheiro são feitos a partir das pesquisas de cosméticos para a Avon e para a Natura na USP. Hoje é sabido que a Unicamp configura como um dos principais pólos de produção tecnológica para a indústria, que busca beneficiar grandes empresas como CI&T, Airbus Group e Sanavita. Isso coloca em xeque o sentido da Universidade.

Mas a barbárie não para por aí. Sucessivamente as reitorias das três estaduais paulistas insistem no mantra da internacionalização e dos grandes rankings internacionais, milhares de trabalhadores terceirizados sofrem cotidianamente com um regime de trabalho humilhante e violento, com salários de miséria e assédios morais constantes. Trata-se de uma contradição absurda entre aquilo que sai para fora e aquilo que segue escondido. Os rankings são pautados exclusivamente por uma lógica produtivista e industrial e visam não a universalização do conhecimento e a emancipação do conhecimento, mas o aprofundamento de um sistema de exclusão e desigualdade. Enquanto crescem os supersalários na Unicamp , terceirizadas da limpeza da Unesp sofrem ameaça de demissão em massa E a roda não para de girar.

Se quisermos falar de internacionalização das atividades acadêmicas de verdade, portanto que se internacionalize o que acontece nos cantos obscuros das Universidades de elite no Brasil, que seja levado aos quatro cantos do mundo o que é feito com os trabalhadores de serviços mais pesados na Universidade da "revolução de 1930" que Goldemberg tanto preza. Que se internacionalize o racismo estrutural da Universidade de São Paulo a perseguir e punir lutadores em defesa das cotas raciais. Que se internacionalize as selvagerias cometidas pelo reitor Zago durante os 118 dias de greve dos funcionários da USP ao cortar salários de centenas. Que se internacionalize o regime de trabalho das mulheres negras que limpam os chãos das faculdades sob um regime de semi-escravidão para garantir o "bom funcionamento" das atividades acadêmicas. Que se internacionalize a os ataques monstruosos que o Governo do PT vem fazendo à educação pública em nosso país. Mas após tudo isso, deve-se internacionalizar também a histórica luta dos estudantes e trabalhadores em defesa da educação pública para mostrar que apesar dos ataques, há muita resistência.

Goldemberg é um fantasma, mas que cuja opinião é bem quista entre a cúpula da FIESP e cia. E é por isso que deve ser seriamente criticado. Seu projeto de Universidade da elite para a elite ainda vigora, mas encontra obstáculos na organização dos professores, estudantes e funcionários que ano após anos se levantam contra os absurdos recorrentes das reitorias e dos governos. A questão agora é o que fazer diante deste difícil cenário. Talvez a resposta tenha sido dada pelo próprio Goldemberg quando aludiu aos revolucionários do começo do século passado: "Mudanças foram feitas para colocar nas universidades filhos dos trabalhadores, que seriam mais sensíveis às necessidades do povo."

 
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