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100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA
Os cem anos da revolução russa e algumas lições para a esquerda no Brasil hoje
Fernando Pardal

Cem anos depois da tomada do poder, uma gama amplíssima dos que são – e dos que dizem ser – de esquerda reivindica a revolução russa, dirigida pelos bolcheviques, como um imenso exemplo a ser seguido. Contudo, com um século de distância, a transformação dessa luta em simples “folclore” é muito frequente. Aprender as suas lições é muito diferente. E necessário.

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A história jamais se repete: nunca ocorrerá uma situação histórica idêntica àquela que produziu uma série de fatores combinados que desencadearam o grande exemplo da tomada do poder na Rússia em outubro de 1917. No entanto, tentar mudar o mundo e acabar com o capitalismo deixando de aprender as lições valiosíssimas que a mais importante revolução da história nos deixou seria como tentar criar um moderno carro de corrida sem nos sabermos como construir um motor à combustão. O legado russo é o bê-a-bá da estratégia e do programa de qualquer revolução digna desse nome.

Para que se efetivasse a tomada do poder pelos sovietes, ou seja, que os trabalhadores, camponeses e soldados se tornassem os agentes políticos da grande transformação social que acabou com a guerra, com a propriedade privada das fábricas, com os latifúndios, e deu liberdade ao povo russo, décadas de debates e disputas acirradíssimas se deram dentro da esquerda atuante no grande império tzarista (e em constante debate com a esquerda mundial e suas experiências também).

Talvez seja essa a primeira grande lição para a esquerda brasileira de hoje: é muito frequente, quando se coloca um duro e franco debate de estratégias, ouvir a resposta de que não se deve “dividir a esquerda” com “picuinhas”, e que seria a sua unidade acima de tudo que garantiria as forças para enfrentar a direita representada pelo governo Temer, por um congresso dos mais reacionários, e os ataques que ela vem despejando sobre nossas cabeças.

Houve na Rússia também quem pensasse assim: logo após a revolução de fevereiro, com a queda do tzarismo e a implementação de um governo provisório da nobreza coligada com a burguesia liberal – e que poucos meses depois passou a contar com representantes da própria esquerda (os Mencheviques e os Socialistas Revolucionários) – , havia bolcheviques que defendiam que era hora de acabar com as “disputas” na esquerda; que era hora, enfim, de reunificar em um só partido novamente – o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) – os Mencheviques e Bolcheviques. Entre estes estava o então diretor do jornal bolchevique “Pravda”, Stalin.

Junto com outros proeminentes dirigentes do partido bolchevique de então, Stalin ia além de propor a “unidade da esquerda”: ele a propunha porque de fato defendia um programa muito semelhante – apoio “crítico” à guerra imperialista (posição conhecida como “defensivismo), e apoio “crítico” ao governo provisório eram os principais pontos.

Foi preciso que o “sectário” Lênin chegasse à Rússia em abril para travar uma luta ferrenha dentro do partido bolchevique contra essa política. Nenhum apoio ao governo provisório; fim da guerra imperialista; uma nova revolução para colocar os sovietes no poder. Era isso, essencialmente, que Lênin defendia, e que fez com que muitos dissessem que ele estava fora da realidade, “talvez por estar longe da Rússia no exílio há muito tempo”.

Isso não quer dizer que Lênin era contra “unidades na esquerda”; mas sim que ele defendia a continuidade da revolução, a independência política dos trabalhadores, um programa revolucionário. E qualquer unidade deveria estar subordinada a isso. Foi por isso que, após um congresso extraordinário em que a base dos bolcheviques – os operários nas fábricas, forjados em anos de duras lutas clandestinas contra o regime – se pronunciou a favor da política de Lênin, a unidade com outro setor, muito distinto dos mencheviques, começou a se costurar.

A unidade, no caso, foi feita com uma organização operária que pertencia ao velho POSDR, mas que atuava de forma independente dos bolcheviques e mencheviques: a organização interdistrital, cujo maior dirigente era Leon Trotski, que já há anos defendia que a revolução russa teria um caráter socialista e seria dirigida pela classe trabalhadora. Os fatos revolucionários levaram ao amadurecimento e à confluência de Lênin e Trotski, que seriam então os dois grandes dirigentes da conquista da maioria pelos bolcheviques nos sovietes, e então da insurreição de outubro.

Mas o que tudo isso tem a ver com hoje? Bom, poderíamos dizer que tudo, e seria possível escrever muito sobre isso. Mas fiquemos apenas com algumas lições fundamentais. Em primeiro lugar, a que citamos acima: a “unidade da esquerda” não é o que pode garantir força para triunfar sobre nossos inimigos de classe; mas sim uma organização construída de forma sólida e com um programa e estratégia corretos durante um longo período preparatório (que foi, afinal, o que permitiu a Lênin que sua posição triunfasse em seu partido). E que as unidades que podem nos fortalecer não são baseadas em “atalhos” para a consciência das massas (após fevereiro os mencheviques e SR eram maioria nos sovietes, mas Trotski e Lênin defenderam o “caminho das pedras” de conquistar a maioria com uma política correta e mediante a experiência das massas, se contrapondo a todo momento às direções conciliadoras dos sovietes). Unidades que podem levar à vitória se constroem em torno de programas e estratégias corretas, e uma atuação concreta no movimento de massas coerente ao redor disso.

Outra lição fundamental é a de como construir um governo de trabalhadores que possa, de fato, levar à cabo a exploração capitalista. Os mencheviques – que eram um partido com uma base de massa de trabalhadores – e os SR – que eram um partido com uma base de massa de camponeses – escolheram o lado do “apoio crítico” à burguesia supostamente democrática. Isso fez com que virassem ministros em um governo que enviava aos milhões aqueles que constituíam sua base de apoio para os fronts, para morrerem em uma guerra que não era sua; que fossem os ministros que implementavam as medidas de repressão à luta por paz, pão e terra; que fossem os ministros que adiavam a convocação da Assembleia Constituinte para garantir os interesses da guerra. E, enfim, que fossem os membros ativos de um governo que procurava por todos os meios esmagar tudo aquilo que eles sempre disseram que defendiam – tudo para garantir a unidade com a burguesia.

Isso ocorreu de fevereiro a setembro, quando um general que fazia parte do Estado-Maior do próprio governo provisório – Kornilov – tentou dar um golpe militar para instaurar uma ditadura e acabar com a revolução. Nesse momento, o governo provisório correu aos bolcheviques – que haviam colocado na ilegalidade e prendido pouco antes – para pedir socorro. Os bolcheviques lutaram, sim, contra o golpe de Kornilov – fica aí mais uma lição de brinde para certos setores – mas sem nunca dar apoio político algum ao governo provisório de Kerenski.

Esse é o destino de qualquer governo de conciliação de classes, ou seja, em que partidos representantes dos setores explorados e oprimidos entram como “críticos” em aliança com setores burgueses. Se tornam traidores de classe e dão todo o espaço para que seus inimigos preparem sua destruição. Qualquer semelhança com a experiência petista – guardadas as devidas proporções, como em qualquer analogia histórica – não é mera coincidência.

Os petistas, muitos dos quais enchem a boca para vangloriar a revolução russa, são autênticos herdeiros da estratégia menchevique da conciliação de classes. Acontece que, com décadas já atuando dentro do Estado burguês – e tendo ficado à sua frente por treze anos – o PT já virou há muito tempo um partido de manutenção da ordem. Como não enfrentaram uma revolução que os derrubasse, tiveram todo o tempo que os mencheviques não tiveram para se tornar organicamente uma parte indispensável do regime político da burguesia. À semelhança da socialdemocracia europeia. Isso significa que é impossível procurar aí qualquer tipo de saída à esquerda, qualquer tipo de contraposição mínima aos ataques dos capitalistas e dos seus partidos.

Mas é mais fácil usar a revolução como uma “bandeira de festa” do que como uma lição profunda. Se o PT hoje se esforça imensamente para repetir mais uma vez a tragédia da conciliação de classes, mostrando sua absoluta incapacidade de ser uma alternativa para qualquer tipo de combate à direita e nossos inimigos de classe (com quem insiste em se aliar), uma boa parte da esquerda também se recusa a tirar lições mais profundas de outubro (mesmo quando alardeia a revolução). Por exemplo, os setores que estão no VAMOS, querendo abraçar os petistas, que por sua vez querem abraçar a burguesia – como no poema “quadrilha” de Drummond. São a sombra pálida e desgastada dos bolcheviques que queriam se abraçar aos mencheviques para afundar “criticamente” em seu barco de conciliação.

Passa da hora de transformar a comemoração da revolução russa em lições sérias para a luta dos trabalhadores. Nos dedicar à construção de uma ferramenta política forte e independente dos trabalhadores – um partido revolucionário – sem concessões, sem tergiversações, e que procure se enraizar nos trabalhadores, nos seus métodos de luta, levando adiante o combate pela retomada do caminho das greves – é a homenagem merecida para os trabalhadores russos, que há cem anos tomara o céu de assalto.

 
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