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VIDAS NEGRAS IMPORTAM
Silêncio na grande mídia: a quem importam as vidas negras da Somália?
Flávia Toledo
São Paulo

O maior atentado desde o 11 de setembro, com mais de 300 mortes confirmadas e centenas de feridos, parece não ter comovido a grande mídia burguesa. A empatia seletiva, no entanto, se explica: os mortos são da Somália. À mídia racista, as vidas negras não importam.

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Apenas três dias se passaram desde o atentado ocorrido no último dia 15 em Mogadíscio, capital da Somália. Considerado o maior atentado desde o World Trade Center, em 2001, pela sua gravidade, violência e número de mortes, o ocorrido na Somália já não aparece nas páginas dos principais veículos midiáticos da burguesia.

Acabo de acessar os principais portais de notícia e descobri que o público ficou chocado com a morte de uma personagem na novela das nove essa semana. Era uma das manchetes na capa de um portal. Mas sobre as 300 vidas negras perdidas pela ação assassina de um grupo reacionário, que se fortalece com o parasitismo das potências imperialistas em África, não achei nada. Apenas três dias se passaram desde o atentado; um dia para cada centena de mortos. Mas já não interessa à mídia burguesa.

Nada de novo no front. Não é a primeira e nem será a última vez em que a mídia não se dispõe a gerar qualquer tipo de empatia em tragédias ocorridas em países africanos ou países pobres e negros da América, por exemplo, espoliados incansavelmente pelas mesmas potências que olharam para a Somália apenas para poder dizer que “ataques covardes como este revigoram o compromisso dos EUA em ajudar nossos parceiros africanos no combate ao terrorismo” ou que vai haver uma “união contra o terrorismo” a partir da ONU.

Se não falam do atentado agora, falarão quando este for útil para justificar mais uma guerra em África, mais tropas imperialistas invadindo países como o Haiti. Quando for preciso mascarar os interesses econômicos que estão por trás da matança imperialista, a mídia burguesa se lembrará deste atentado e de outros tantos com os quais pouco se importa, apenas pra justificar uma suposta investida “contra o terrorismo”, sustentado pelas mesmas potências que se dispõem a “combatê-lo”.

Mas é insuficiente dizer que a grande mídia burguesa tem uma “empatia seletiva”. Ela é racista. A ela realmente não importam as centenas de vidas negras perdidas pelo atentado na Somália, ou pelo terremoto no Haiti, ou pelo furacão Katrina, ou pelos surtos de ebola que o avanço da ciência há muito tempo já teria conseguido controlar ou erradicar se tivesse interesse.

A mídia cria e legitima discursos e narrativas de acordo com os seus interesses. Existe uma máxima famosa do jornalismo que diz que um cachorro morder uma pessoa não é uma boa notícia, mas se uma pessoa morder um cachorro, aí você tem um furo de reportagem. Lembremos dessa ideia.

No Brasil, as balas que se perdem sempre encontram pessoas negras nos morros, favelas e periferias. Nove em cada dez mortos pela polícia no Rio de Janeiro são negros. A cada nova chacina, são novas fotos de corpos negros estendidos no chão que circulam pela internet. Nos EUA, então com um presidente negro, os assassinatos cometidos pela polícia geraram revolta e daí surgiu o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). No Haiti, os 13 anos de ocupação militar por tropas brasileiras pela ONU foram marcados por assassinatos, estupros, desvios de alimentos e extrema violência contra o povo negro e pobre do país. Falar de África é quase sempre sinônimo de falar de mortes, miséria e violência.

A falta de cobertura do atentado na Somália é muito diferente daquela dedicada a quaisquer outros atentados ou tragédias. Quando os mortos são brancos, de classe média ou diretamente burgueses, rios de tinta são dedicados à sua memória. Dia após dia é só disso que se fala. Longas reportagens na TV contam detalhes das vidas perdidas em atentados como o que ocorreu na França em 2015, mostram ao mundo fotos de jovens sorridentes, e em tom melancólico toda a mídia ressalta o quão duras são essas perdas. Toda uma grande corrente de empatia é puxada pra que não nos esqueçamos dessas mortes e, principalmente, dos culpados por elas. E três dias depois da tragédia ela segue nas principais manchetes, diversos outros textos “investigativos” sobre o terrorismo são feitos e não demora pra que jovens com feições árabes (e negros) sejam atacados nas ruas por “cidadãos de bem” que desejam vingar essas mortes.

Não se trata de ser contra qualquer forma de comoção por vidas perdidas. As ações reacionárias de grupos terroristas devem ser combatidas, mas igualmente deve ser combatido o genocídio perpetrado pelos Estados dentro e fora de suas fronteiras. Cada vida perdida por ações como essas, ou por grandes tragédias de causas naturais (porque terremotos sempre matam menos em áreas ricas e bem estruturadas) deve gerar solidariedade.

O problema está na diferença do trato da mídia em relação a cada morte. Os mortos têm cor e classe social, e é isso que define se nas reportagens vão aparecer os nomes completos ou números frios, se vão aparecer fotos sorridentes ou com feição agressiva, se as fichas criminais dos mortos vão ser puxadas pelos jornalistas ou não. Os mais de 300 mortos na Somália tinham sonhos, faziam planos com a família, tinham amigos nos empregos, tinham lindas histórias de amor que foram interrompidas pelo atentado. Todos eles deixaram saudade. Mas a mídia não quer saber dessas histórias, diferente das histórias de outras vítimas, de outra cor, de outra origem.

As amplas e emocionadas coberturas de tragédias sempre têm a mesma lógica: humanizar as vítimas pra gerar comoção, empatia e desejo por justiça. O silêncio, por outro lado, é uma afirmação, uma escolha. A mídia burguesa não vai humanizar as vítimas somalis porque não é com essas vidas que eles querem que você se importe. São números e apenas isso. Uma notícia, e voltamos para o futebol.
Em “Negro Drama”, do Racionais MC’s, um verso sintetiza a forma como a mídia racista olha para os negros: “me ver pobre, preso ou morto já é cultural”. Negros mortos são como cachorros mordendo pessoas pra mídia burguesa, não rendem grandes histórias. Transformar esse atentado, o Haiti, as chacinas, o ebola, o genocídio do povo negro em furos de reportagem é incentivar que não se ache normal que isso ocorra. E isso a mídia não pode fazer.

Ao se recusar a falar sobre o atentado na Somália, a mídia está dizendo: “acostumem-se a ver negros mortos. Isso seguirá acontecendo, e com a crise isso tende a aumentar. Mas assim que a vida é.” E seguimos achando que o Haiti é miserável mesmo, que o Oriente Médio e toda a África negra vivem uma guerra eterna cujo início não interessa porque nunca vai acabar e assim segue…
Nós, do Esquerda Diário, pensamos o nosso portal de outra maneira. Pra nós, nenhuma dessas mortes pode passar batido. Fazemos questão de dizer que as vidas negras importam, sim. Elas importam a cada trabalhadora ou trabalhador, a cada jovem, negro ou branco, que está cansado de ter sua vida orientada por regras que não lhes dizem respeito, que organizam a exploração e a opressão que sofre diariamente e que não aceita mais que nossos irmãos e irmãs sigam morrendo pela ganância capitalista.

As vidas negras somalis, brasileiras, estadunidenses, haitianas, de Santiago Maldonado e de Amarildo importam. E por isso devemos ultrapassar todas as falsas fronteiras e expressar solidariedade internacionalmente aos nossos mortos, e porque suas vidas importam, cercar de solidariedade também cada luta travada contra as burguesias nacionais e imperialistas, que como aves de rapina ficam à espreita pra assassinar, seja pelas mãos das suas polícias e tropas especiais, seja pelo financiamento “extraoficial” de grupos terroristas reacionários, a juventude e os trabalhadores negros em todo o mundo.

Diferente da mídia burguesa, nós não nos esqueceremos.

 
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