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PODEMOS CATALUNHA
Catalunha: Podemos mostra uma vez mais que não é alternativa política ao capitalismo
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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Dez segundos: esse foi o período que durou a república catalã de Puigdemont, chefe do governo da Catalunha (Generalitat). Em seu discurso, diante de uma multidão no Paseo Lluís Companys em Barcelona, Puigdemont proclamou a independência apenas para suspendê-la imediatamente depois, com o fim de retornar à utópica mesa de negociação com o governo de Rajoy em Madri. A direção do processo independentista catalão, nas mãos de partidos tradicionais da burguesia como o PDeCat que lidera a coligação Junts pel Sí, revogou o desejo manifestado por mais de 2 milhões de catalães no dia 1º de Outubro, e na enorme greve geral do 3-O.

Esta “proclamação” formal de independência e sua imediata suspensão, por parte das direções tradicionais da burguesia e da pequena burguesia catalãs, tem como objetivo ganhar tempo, frear a vontade de luta das massas e dos trabalhadores, e canalizar esta energia a uma negociação mediada pela União Europeia do grande capital e dos monopólios.

Esta política, que equivale a buscar soterrar o processo independentista, fortaleceu o bloco dos partidos que defenderam historicamente a submissão da Catalunha à monarquia espanhola.

O PSOE (Partido Socialista Operário da Espanha) declarou que seu partido é “sinônimo” do reacionário Regime de 1978, e junto ao governo do PP sustentou a ativação do artigo 155 da Constituição, que permite reprimir com as Forças Armadas e dissolver o governo da Generalitat. O PCE (Partido Comunista Espanhol), de origem stalinista e que junto ao PSOE atuou em todo o século XX para derrotar a luta de classes dos trabalhadores, anunciou que “não é o momento para saídas unilaterais, nem para a aplicação do artigo 155, muito menos para a declaração de independência”.

A este bloco político espanholista, férreo defensor do regime político pactuado com a monarquia e o franquismo, que conta com a traição das burocracias sindicais da CCOO e da UGT, ainda que com palavreado “democrático”, se uniu nada menos que o Podemos de Pablo Iglesias. Insólito? Levando em consideração suas declarações tradicionais, não espanta que o Podemos tenha adotado uma posição política que faz o jogo do Rei e do governo de Madri contra os trabalhadores e o povo catalães.

Podemos: da ambiguidade ao rechaço do direito de decidir

A organização comandada por Pablo Iglesias sempre foi ambígua quanto à defesa do direito de autodeterminação do povo catalão, assim como dos bascos e galegos. Em 2014, proclamou ser contrário à independência da Catalunha, mas “favorável ao direito de decidir”.

Iglesias, em 2014

Quando se tornou real a batalha por defender a decisão de milhões de catalães por separar-se do Estado espanhol, o Podemos negou a vontade organizada de milhões, que depois se expressou fortemente na greve geral catalã, perseverando em seu seguidismo ao PSOE. Não convocou nenhuma manifestação em solidariedade aos catalães, nem mesmo depois da brutal repressão policial, e se mostrou aliviado diante da traição de Puigdemont.

Greve geral do 3-O na Catalunha

Iglesias, junto ao secretário de organização do Podemos, Pablo Echenique, disse que “se fosse catalão, não participaria nesse referendo”, uma vez que segundo Iglesias não haveria “garantia e eficácia jurídica”.

Dezenas de milhares de jovens e trabalhadores catalães se auto-organizaram e resistiram à repressão de um verdadeiro exército de ocupação, com uma greve geral para garantir a decisão de milhões: isso não confere garantia suficiente para o Podemos; o que confere é o aval de Rajoy e do Rei.

Para o Podemos, o direito de decidir seria válido apenas se fosse pactuado com o governo de Madri. Essa posição elimina qualquer possibilidade de exercício do direito de autodeterminação, uma vez que o subordina à chancela do imperialismo espanhol, sediado em Madri, o mais ferrenho defensor da opressão catalã.

O direito à autodeterminação só poderia ser levado adiante em luta frontal contra todo o Regime de 78: a monarquia, o governo central, os monopólios espanhóis e a União Europeia.

Como se não bastasse, junto ao PSOE o Podemos apoiou as “marchas brancas pelo diálogo” que diluíram os trabalhadores e a população catalã em meio à "cidadania espanhola", que silenciaram toda menção à repressão brutal aos catalães, à greve geral e, sem consignas ou cartazes, pediram o “diálogo entre as partes” (de fato, a submissão do povo catalão).

A estratégia do Podemos, portanto, se reduz a debilitar o governo de Rajoy e atrair o PSOE a um bloco que no futuro possa colocar uma mudança de governo e uma via de renegociação pactuada, uma reforma constitucional que contemplasse os interesses da burguesia catalã e lhe desse maior autonomia nos marcos do mesmo regime capitalista.

Não obstante, esta é uma política que se situa de fato como “ala esquerda” da frente constitucionalista e do Regime de 78, ao posicionar-se no bloco dos partidos da ordem que desconhecem que a vontade majoritária do povo catalão é favorável à independência.

Semelhanças com o Syriza: formações em que está ausente o sujeito operário

Em 2015, 62% dos gregos – uma proporção ainda maior nos bairros operários – haviam votado contra os planos de ajuste da troika (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI), desafiando os ditames da Alemanha. Os bancos e instituições financeiras, para usar a campanha de terror, iniciaram também uma fuga de capitais da Grécia. Isso fez mais rapidamente dobrar os joelhos do primeiro ministro do Syriza, Alexis Tsipras, que contrariou a vontade da imensa maioria dos gregos e se tornou então o aplicador dos ajustes impostos por Berlim.

Mediações que se declaram "anti casta", como o Podemos e o Syriza, no final se alinham na defesa do status quo, pois são projetadas para crescer como fenômenos eleitorais e não partidos dos trabalhadores com uma perspectiva anticapitalista. Assim, não constroem a força material capaz de derrotar as investidas do imperialismo; pelo contrário, passam diretamente ao campo da defesa do status quo porque não tem nenhuma estratégia de luta de classes.

É evidente que nestas formações políticas da esquerda neorreformista não existe a questão do sujeito social da classe trabalhadora. Sendo a única força social capaz de hegemonizar com seu programa independente e anticapitalista os interesses da imensa maioria da população nativa e imigrante, a auto-organização para o combate dos trabalhadores catalães é a condição prévia para colocar em xeque as ameaças do governo de Madri. Isso se torna duplamente verdadeiro na medida em que uma Catalunha independente do Regime de 78 exige que seja um Estado operário e socialista (os marxistas não somos “separatistas”).

Assim como na Grécia em 2015, não há possibilidade de derrotar estas chantagens dos grandes grupos capitalistas espanhóis sem atacar seus direitos de propriedade, seus títulos e privilégios. Os neorreformismos, que se consideram “antineoliberais” sem serem anticapitalistas, justamente por não ameaçarem os interesses do grande capital e não se basearem na classe trabalhadora, retornam sempre aos braços da política neoliberal. Na maioria das vezes, passando por cima da vontade dos trabalhadores (para defender o imperialismo alemão, ou espanhol).

Que dizer da esquerda brasileira, que tanto louvou o Syriza e o Podemos como as “novas formas da esquerda mundial”, como fez vergonhosamente o MES de Luciana Genro, sem nenhum balanço posterior? Ou ainda a repudiável posição do PT, que abraça o PSOE em negar a autodeterminação catalã?

Processos constituintes em todo o Estado espanhol, por uma Catalunha operária e socialista

Não apoiar o desejo manifesto pela autodeterminação significaria apoiar a opressão do Estado espanhol sobre a Catalunha. Entretanto, os marxistas apoiamos esse direito democrático das nacionalidades oprimidas com os métodos revolucionários da classe trabalhadora, não a partir de uma estratégia meramente “independentista”. Isso implica batalhar pelo caráter social do Estado a surgir, e combater as direções que querem constituir mais um Estado capitalista. É necessário batalhar por uma Catalunha independente, operária e socialista (e não apenas uma “república independente”, como faz o MAIS.

Há apenas uma garantia para que a força demonstrada pelos trabalhadores na greve geral do 3-O não tenha sido em vão: romper com as direções burguesas e pequeno-burguesas à frente do processo (e que querem liquidá-lo) desenvolver a auto-organização para expulsar as forças de ocupação e enfrentar os novos ataques do Regime, soldar a unidade do conjunto da classe trabalhadora do Estado espanhol e impulsionar assembleias constituintes livres e soberanas na Catalunha e em todas as nacionalidades históricas do Estado espanhol. Para conquistar integral e efetivamente a autodeterminação, terminar com o regime monárquico herdeiro do franquismo e abrir caminho para a formação de uma República operária e socialista na Catalunha, rumo a uma Federação de Repúblicas Socialistas em toda a península ibérica e na Europa.

 
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