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O CAPITAL
Karl Marx: o capítulo XXIV d’O Capital e o “descobrimento” da América
Sergio Moissen
Dirigente do MTS e professor da UNAM

Marx antecipa a ideia do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” e o capítulo XXIV d’O Capital será central para o surgimento da teoria da dependência, da teoria do sistema mundo, do pensamento antilhano marxista da escola capital escravidão e do próprio pensamento colonial.

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José Arico publicou Marx e a América Latina nos anos oitenta do século XX, e com isso estavam disponíveis para o leitor latino-americano os textos do pensador alemão sobre o “Novo Mundo”.

Em muitas ocasiões, em especial em alguns nichos acadêmicos, se diz que Karl Marx foi um pensador eurocêntrico. Em especial a escola “pós-colonial” (como Chakravorty Spivak ou Walter Mignolo) sugeriu que o autor do Manifesto Comunista replicou os lugares comuns sobre o chamado novo mundo. Mas o que pensava de fato Karl Marx sobre o descobrimento da América?

Nessa compilação de Arico se pode ler o texto de Karl Marx sobre Simón Bolívar, em que se estima negativamente ao líder independentista que venceu em Ayacucho os realistas.

Também Arico indaga o documento de Marx sobre a invasão dos Estados Unidos em 1847 no México e Horácio Crespo sugere “se há documentos de Marx que sugerem um europeísmo e, em outro do mesmo ano não, podemos buscar na política sua dilucidação”.

Então as apreciações mais exatas de Marx sobre América Latina e o “Novo Mundo” deveriam estar em outro lugar, não só em seus textos jornalísticos. Um exemplo basta. Além do texto de 1847, Marx escreveu um texto sobre a invasão francesa de 1861, que Arico não conheceu, em que o autor d’O Capital expressa seu mais firme rechaço, considerando-a “uma das mais monstruosas empresas jamais registradas na história internacional”.

Nesse caso Marx estava mais inteirado da Guerra de Reforma e da execução de Maximiliano no Cerro das Campanas em 1867 que tanto impactou a Victor Hugo. Este último, escritor de Os Miseráveis, escreveu a Juárez implorando que não assassinasse a Maximiliano, esposo de Carlota e príncipe da Áustria. A diferença de seus contemporâneos ocidentalistas e europeizantes, como Friedrich Hegel que considerou o “novo mundo” como a “infância perdurável da ecumene” em sua Lições de Filosofia da História, Marx se pronunciou contra a ocupação europeia no México.

A importância do capítulo XXIV

Karl Marx escreveu em seu livro O Capital uma reflexão transcendente sobre o descobrimento e a conquista da América: o capítulo XXIV é central para a história da América Latina. Marx é enfático e explica que o “descobrimento” é um ato de barbárie.

No dia 12 de outubro de 1492, Cristóvão Colombo “descobriu” a América. O viajante genovês tentava encontrar novas rotas comerciais da península ibérica para chegar à Ásia. O “descobrimento” permitiu que a Europa saísse da crise da Idade Média e o despojo do velho mundo aos povos indígenas da América gerou o nascimento do sistema mundial capitalista.

A conquista da América converteu o mundo em uma “nova sala de torturas”, segundo o autor alemão Walter Benjamin. O despojo do território, do ouro, da prata, das “encomiendas” (instituições coloniais que cobravam impostos na América Hispânica) assim como o trabalho escravo dos milhares de indígenas que habitavam o “novo mundo”, permitiu uma das mais aceleradas concentrações de capital: uma acumulação originária por despossessão, que foi decisiva para o surgimento do capitalismo moderno. Não há, então, um documento de cultura que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie.

Presságios funestos

Marx diz nesse capítulo XXIV do primeiro tomo do livro O Capital: “Os descobrimentos das jazidas de ouro e de prata na América, a cruzada de extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o começo da conquista e do saque nas Índias, a conversão do continente africano em fonte de escravos negros, são todos fatos que demonstram a aurora da era da produção capitalista (...). As riquezas arrancadas pelo saque e levadas para a Europa, a escravização e o massacre refluíam até a Metrópole, onde se transformavam em capital”.

Esse parágrafo tem as seguintes ideias concentradas: não existe centro do capital sem periferia, o capitalismo é um sistema mundial, a nova acumulação originária foi impossível sem o despojo da América e existe uma interconexão de formas – escravidão e trabalho assalariado – imbricadas, para dar nascimento ao sistema mundial.

Detalhe de um mural de Diego Rivera

Marx antecipa a ideia do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” e o capítulo XXIV será central para o surgimento da teoria da dependência (Ruy Mauro Marini), a teoria do sistema mundo (Wallerstein), do pensamento antilhano marxista da escola capital escravidão (Eric Williams) e do próprio pensamento decolonial (A. Quijano).

O capítulo XXIV é central e decisivo para compreender a história da América Latina e põe ênfase no caráter destrutivo e reacionário da Europa no “Novo Mundo”. Como aponta corretamente Eduardo Gruner: “o importante é que o parágrafo – assim como o resto do raciocínio de Marx nesse capítulo – permite apreciar até que ponto decisivo a construção desse chamado centro se fez sobre os cimentos da periferização do resto do mundo, e mais particularmente da América”.

 
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