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REVOLUÇÃO RUSSA
Estética e Revolução Russa: quando os trabalhadores são os protagonistas da narrativa
Afonso Machado
Campinas
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O centenário da Revolução russa é uma oportunidade única para comprovarmos que a classe trabalhadora não envolve personagens secundários. Quer dizer, o proletariado não está no canto do palco, mas no centro das decisões políticas. Perante os padrões culturais estabelecidos, as qualidades políticas e estéticas de um “ sujeito coletivo “, são uma ameaça para um mundo pautado por ideias como empreendedorismo, livre mercado e individualismo patológico. Mas se o processo revolucionário russo coloca a classe operária como protagonista dos acontecimentos, como transmitir esta experiência histórica por meio da fala, da escrita e das imagens? Retomando mais uma vez um tema que já abordei em outros artigos recentes desta coluna, a narrativa da luta de classes requer resoluções literárias/artísticas que rompam com os padrões estéticos dominantes.

Qual seria a forma coerente para contarmos a história de uma Revolução proletária?

Para arriscarmos possíveis respostas , devemos antes reconhecer a linguagem do inimigo: ou seja, os ingredientes conservadores usados na elaboração de muitas histórias vistas/contadas na televisão, no cinema, na internet e em várias instituições sociais. Vivemos num mundo em que o individualismo condiciona a elaboração de personagens(reais ou imaginários) que se apresentam como líderes, pessoas que são carimbadas com a palavra “ sucesso “. Trata-se da tentativa ideológica de legitimar os esforços dos líderes: um rastro de vaidade e badalação vem acompanhado de justificativas pomposas para o sucesso de líderes políticos, chefes militares, super heróis, protagonistas de telenovelas, ganhadores de competições midiáticas, celebridades que duram uma semana etc. A linguagem e os valores capitalistas parecem tentar petrificar o tempo: a visão acerca de uma suposta “ eternidade “ do sistema capitalista(coisa que coloca o teocentrismo da Alta Idade Média no chinelo!) é martelada diariamente. Se o tempo da Revolução e das lutas sociais é o da ruptura, como representa-lo?

Enquanto que alguns poucos escritores e cineastas tentam preservar sua dignidade artística através de enredos focados nas crises do indivíduo, “ nas pequenas coisas “ indevidamente separadas da totalidade histórica(uma situação artística tipicamente de classe média, na qual o mergulho isolado na intimidade de personagens revelaria a impossibilidade de saídas coletivas para os problemas humanos), existem outras tradições artísticas que não temem em olhar a história de frente. Tais tradições(como o Construtivismo russo, por exemplo) arriscam uma perspectiva estética em que arte e marxismo, literatura e história, entrecruzam-se.

Os 100 anos da Revolução russa envolve a necessidade de olharmos para as heranças deste acontecimento, ou seja, suas lições políticas para o movimento dos trabalhadores. A Revolução bolchevique, que constitui uma referência para as nossas convicções/ação política, não se separa(como já foi dito aqui em outras ocasiões) dos problemas estéticos: o que precisamos mesmo é nos debruçarmos sobre narrativas épicas da Revolução de 1917. Mas qual seria exatamente a importância do drama coletivo da Revolução russa para leitores e espectadores atuais? Seria completamente falso tematizar este acontecimento a partir de uma estrutura dramática tipicamente burguesa: e lá vai o galã bolchevique, que depois de se apaixonar por uma bela mulher da classe dominante, enfrenta o conflito interno entre seu amor e a causa do proletariado. Tá na cara que este tipo de enredo, para o qual a Revolução é apenas pano de fundo, serve aos propósitos ideológicos que visam despertar um sentimento de hostilidade frente à luta revolucionária. Vamos esclarecer: os retratos dos personagens individuais, não são necessariamente afetados por uma representação que coloca as massas operárias enquanto as verdadeiras protagonistas da narrativa (literária e cinematográfica, por exemplo) .

Antes que o crítico reacionário se antecipe, vamos matar no ninho aquele velho argumento em que a “ arte de esquerda “ tenderia a massificar ou reprimir o individuo dentro da classe. O movimento vivo de multidões e de exércitos, as greves, os conflitos de rua, as lutas no campo, a tensão nos fronts, as reuniões dos sovietes, as conspirações palacianas, enfim o conjunto de situações históricas da Revolução russa, abarcam naturalmente personagens individuais: para o ponto de vista marxista, não se pode sufocar as emoções individuais destes personagens em nome da coletividade. Destacar a singularidade dos indivíduos no interior das massas, permite compreender sem esquematismo a situação e a posição de classe dos personagens de uma trama. Diferentemente do herói burguês e do herói do trabalho(este último produto hediondo da burocracia stalinista) as massas podem aparecer num filme ou num romance como sendo as criadoras da história: o sofrimento, as lutas e o triunfo do proletariado constituem possibilidades épicas fartamente exploradas pelo cinema e pela literatura soviética em sua fase revolucionária.

Cabe salientar que ter uma versão dos fatos da Revolução russa, envolve uma posição de classe do escritor/artista. Não se trata de simplesmente puxar sardinha de um lado ou de outro: a própria lógica dos acontecimentos históricos imprime tendências políticas que se manifestam na elaboração estética. O artista de esquerda, que usa sua criatividade e sensibilidade para mostrar a saga dos trabalhadores russos, não olha para as fases da Revolução russa como uma sucessão de acontecimentos desastrosos. Enquanto que um escritor despolitizado olha para Revolução de fevereiro sentindo peninha do Czar Nicolau II, um escritor de esquerda encontra o início de uma longa luta por libertação. Enquanto que um pintor alienado teme olhar para a vitória bolchevique na Revolução de Outubro, artistas trabalhadores desejam congelar numa imagem revolucionária a energia política libertadora deste momento. Enquanto que um cineasta fica temeroso em registrar as façanhas do Exército vermelho durante a Guerra Civil (1918-21), cineastas de esquerda alfabetizam politicamente espectadores que desconhecem este período da luta revolucionária. A Revolução russa de 1917 deve ser hoje narrada segundo o ponto de vista político da classe trabalhadora.

 
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