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28S: DIA DE LUTA PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO
RN: aborto legal, seguro e gratuito, pela vida das mulheres!
Marie Castañeda
Estudante de Ciências Sociais na UFRN
Beatriz Nagel
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Precisamos falar sobre o aborto porque enquanto escrevemos esse texto, mulheres morrem por todo o mundo na realização de abortos clandestinos que as colocam num status social de ilegalidade. O fato de o aborto não ser legalizado não significa que ele não aconteça diariamente, significa, entretanto, que as mulheres vivem numa condição em que não têm o direito de decidir sobre os seus corpos e suas vidas pela hipocrisia de uma sociedade que as julgam e criminalizam. Condição esta que atinge principalmente as mulheres pobres, negras, trabalhadoras e periféricas que sucumbem por não ter acesso à clínicas clandestinas especializadas (o preço do aborto clandestino nessas clínicas chega a 10 mil reais em algumas regiões do país).

No ano de 1990, essa pauta começou a ser discutida em encontros feministas latino-americanos, ganhando força ao longo dos anos, até que em 28 de setembro de 1999, a Rede Feminista de Saúde do Caribe abraça a campanha pela legalização do aborto com o desafio de sensibilizar seus países para estarem mais atuantes nessa luta. No Brasil, os debates ganharam força somente em 2000, com a criação da secretaria executiva da campanha, que defendia o aborto como um direito das mulheres que pode ser conquistado por todos através da solidariedade e exercício da verdadeira democracia. Existiram no entanto Estados que o legalizaram, como os bolcheviques em 1922 na Rússia e em outros Estados, nos quais a luta das mulheres foi mais combativa e estruturada.

Nos últimos anos, a voz das mulheres ecoou com mais força, temos como exemplo disso a paralisação de dimensão histórica de mulheres no último 08/03, antecedida pela greve de mulheres na Polônia justamente pelo direito ao aborto, bem como a dimensão do espaço que as lutas feministas têm alcançado na internet, um espaço livre para o combate ao pensamento conservador patriarcal que tenta se sobrepor na televisão e na propaganda, e às constantes dificuldades encontradas dentro de um sistema capitalista sustentado sobre bases de exploração, dominação, opressão e discriminação. O sistema de dominação sobre o corpo e a vida das mulheres é um sistema que naturaliza a sua subordinação, as objetifica, e impõe para estas um lugar de moralismo e silêncio duro de ser rompido. Para demonstrar a grande dificuldade de rompimento desse silêncio basta se perguntar quantas mulheres você conhece já realizaram algum aborto, e logo em seguida se perguntar como essa informação chegou até você. Fala-se sobre aborto receosamente, entre quatro paredes ou pelos corredores, aos cochichos, porque o moralismo exacerbado impede a população de perceber essa questão como uma questão de saúde pública.

As mulheres que abortam não estão distantes de nós, estão na nossa família, no nosso ciclo de amigos, de estudo, trabalho, enfim, por toda parte. Infelizmente, hoje não se pode ainda contabilizar esses dados, pois a ilegalidade nos impõe essa barreira, enfraquecendo nosso alcance de informações. Não é possível saber quantas são as mulheres que morrem pelo aborto clandestino no RN, no Brasil e no mundo. É apenas possível saber que ao ouvir a palavra ‘aborto’, automaticamente, algumas mulheres aparecem na mente de cada pessoa lendo este texto, muitas vezes esta mulher está inserida em seus ciclos mais próximos.

Quando falamos de mulheres trabalhadoras, e em especial as mulheres negras, que abortam, sabemos que são histórias de dor, sofrimento, violência obstétrica e mortes causadas pelo moralismo presente no Estado, pelos interesses do sistema capitalista e pela não-legalização do aborto. Por que motivo não se fala sobre isso, já que é uma problemática que atinge a sociedade de forma tão generalizada? Já dizia Lenin em 1920, “O proletariado não poderá conseguir emancipar-se completamente se não houver conquistado a liberdade completa para as mulheres.”, isto é, a luta pela emancipação feminina deve ser uma luta de todos os trabalhadores, bem como de toda a sociedade.

Defender a vida das mulheres é defender o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, garantindo que as mulheres possam de fato decidirem se terão um filho ou não, com autonomia sobre seus corpos e seus destinos sem serem condenadas, com contraceptivos para prevenir, segurança para não morrer, e acesso indiscriminado a todas aos seus direitos reprodutivos garantidos pelo estado.

Como podemos conquistar o direito ao aborto?

Para pensar isso, é válido retomar uma ideia em torno de quem são as mulheres que abortam, e quem são as que morrem pelas complicações dos abortos clandestinos realizados em condições precárias. A quantidade de abortos que acontece é imensa e nos obriga a pensar não apenas os problemas internos em Natal, no Brasil e no Nordeste, mas sim em escala mundial. Nos países em que o aborto é legal, reacionários como Trump buscam avançar sob este direito. Na Espanha, o aborto era legal até o apertar da crise econômica. Na Etiópia, é proibido em absolutamente todos os casos. O fator comum está em quem são as mulheres que morrem: as mulheres trabalhadoras, negras e imigrantes.

O empoderamento individual, saída apresentada por diversos setores do movimento feminista por enquanto, não consegue garantir que este direito seja arrancado ou que estas mulheres deixem de morrer. Ao passo que existe uma ânsia extremamente progressiva das mulheres em se sentirem sujeitas da própria vida, somos nós as que mais caro pagamos os efeitos da crise econômica, e os direitos dos setores oprimidos estão sob constante ataque. Não basta que nos sintamos mais fortes individualmente para garantir que as todas as mulheres tenham direito a seu corpo, que possam efetivamente se emancipar.

Também não é muito convincente a ideia de que conseguiremos nossos direitos pouco a pouco, conquistando espaço dentro do Estado e aprovando uma lei ou outra. Ainda que defendamos com unhas, dentes e corpos cada uma das leis que defendem minimamente o direito das mulheres à existência, é inegável que estas não garantem a igualdade na vida, assim como raramente são aprovadas. O que precisamos para conquistar a legalização do aborto e emancipação das mulheres é a retomada de ideias perigosas, e para isso, é necessário entender o que nos levou a um governo golpista, que apresenta uma ameaça de proibição do aborto em absolutamente todos os casos, por meio da PEC 181/2015, e que colocou os setores oprimidos na linha de fogo dos ataques golpistas, junto à Justiça Federal autorizando o uso de terapias de reversão sexual para homossexuais e a tentativa de aprovar a redução da maioridade penal, como se não bastasse serem estes setores justamente os mais precarizados da classe trabalhadora, que está no desemprego e fadada à precarização pela Reforma Trabalhista.

Precisamos de ideias perigosas. Precisamos ousar dizer que queremos sim a legalização do aborto, a educação sexual nas escolas para decidir, contraceptivos para não engravidar e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer, que queremos a emancipação das mulheres e do conjunto da humanidade e por isso defendemos a revolução social.

Esse ideal não é impossível. Desde 2013, as mulheres no Brasil estavam na linha de frente das principais lutas que aconteceram, seja nas greves operárias ou nas ocupações de escolas ou Reitorias. As pautas das mulheres estão tão presentes no cotidiano das discussões que nem mesmo mídias golpistas conseguem disfarçá-las, o espalhar destas pautas faz com que cada vez mais mulheres se sintam donas do próprio destino ou queiram reconquistá-lo. O desafio apaixonante hoje é reconectar as lições de processos onde direitos das mulheres e caminhos para a emancipação da humanidade foram dados, e apontar uma saída que canalize a ânsia progressiva das mulheres em se sentirem sujeitas da própria vida, mas coloquem isso a serviço de uma saída consequente que tem que ser em combate com o capitalismo.

Por isso retomamos as conquistas da Revolução Russa, que há 100 anos conquistou a legalização do aborto em todos os casos e a descriminalização da homossexualidade. A preocupação dos bolcheviques era garantir a emancipação das mulheres, em especial da escravidão assalariada do lar que as mantinham materialmente presas ao casamento. Dentro disso, a questão do aborto, uma questão de saúde pública, que se colocava como ordem do dia. Combinado com a preocupação em garantir condições materiais para a emancipação dessas mulheres “por baixo”, com lavanderias públicas, restaurantes públicos, etc e também “por cima”, com leis. Ainda que o Stalinismo tenha colocado as mulheres de volta ao fogão e à cozinha, este não faz parte do marxismo necessário de ser retomado anterior à ele, que caminhava lado a lado com a defesa intransigente dos setores oprimidos. Tais medidas mostram como para os bolcheviques as demandas das mulheres não deveriam jamais ser exclusivamente defendidas pelas mulheres, mas sim pelos trabalhadores de conjunto.

A legalização do aborto, seguro e gratuito, no entanto, é uma demanda para mais de cem anos atrás e precisa ser urgentemente conquistada, mas enquanto vivemos a ameaça de proibição em todos os casos no Brasil, em muitos lugares ainda não foi nem legalizado em caso de estupro. Para conquistá-la, assim como a outras lutas pelo direito à vida das mulheres, é preciso retomarmos a ideia perigosa da importância e do papel das mulheres e da classe trabalhadora atuarem como sujeitos para fazer o mundo girar, bem como nos aproximar da possibilidade da revolução social e da apaixonante infinidade de possibilidades de viver que possam surgir a partir da real retomada do rumo da história em nossas mãos.

 
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