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TEORIA
Notas sobre sindicatos e a atuação dos revolucionários
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

Esta elaboração foi utilizada para um curso de formação de trabalhadoras e trabalhadores em São Paulo sobre a atuação dos revolucionários nos sindicatos.

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“O problema dos sindicatos é um dos mais importantes para o movimento operário e, portanto, também para a Oposição. Se esta não tem uma posição clara acerca dos sindicatos não poderá ganhar uma influência real sobre a classe operária.” [Leon Trotsky, Comunismo e sindicalismo]

Neste texto buscaremos de forma sintética explicar o que são os sindicatos. Passaremos pela definição de burocracia sindical e pelos princípios básicos de atuação dos revolucionários nos sindicatos, que segundo Trotsky eram: lutar pela mais ampla democracia operária e lutar pela total independência política do Estado burguês. Depois passaremos pelo conceito de “tribunos do povo” elaborado por Lenin pra pensar a relação entre os sindicatos e o conjunto da população. E por fim, as tarefas principais que estão colocadas pra classe trabalhadora em geral e para os revolucionários em particular: retomar os sindicatos da mão da burocracia e construir alas revolucionários nos sindicatos (e no movimento operário como um todo). O objetivo com esta elaboração é apresentar uma visão sobre a relação entre a atuação cotidiana nestes espaços e a estratégia de luta pela revolução operária e socialista.

O que são os sindicatos e a estrutura sindical brasileira

Nós entendemos que os sindicatos são uma ferramenta de luta dos trabalhadores. Essa ferramenta foi uma conquista da classe trabalhadora: os sindicatos foram criados no século XIX para os trabalhadores defenderem seus direitos diante dos capitalistas, que competiam livremente entre si e buscavam permanentemente maiores lucros diminuindo os salários operários e degradando seu nível de vida e de suas famílias. De outro ponto de vista, os sindicatos são uma concessão, um reconhecimento do Estado burguês (mais precisamente do regime vigente, no nosso caso atual a democracia burguesa) dos direitos dos trabalhadores.

A estrutura sindical brasileira buscou desde os anos 1930 atrelar os sindicatos ao Estado, através do que é conhecido como imposto sindical e também por uma série de leis e normas como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada por Getúlio Vargas em 1943, em que o Estado aparece como um intermediador nas relações entre os trabalhadores e os patrões, ou seja, uma ingerência da burguesia na forma de organização dos trabalhadores.

O imposto sindical é uma forma de que compulsoriamente (obrigatoriamente) todos os trabalhadores de determinada categoria tenham que contribuir com um valor fixo anual (o equivalente a um dia de trabalho por ano) pro seu sindicato, só que esse valor é repartido entre o sindicato (60%), as Confederações (5%), Federações (15%) e o Estado, no caso o Ministério do Trabalho e do Emprego (20%).

Além disso, a estrutura sindical brasileira é composta por: a) sindicatos por categoria, b) federações por região e categoria, c) confederações nacionais e por categoria. Além destes 3 âmbitos que garantem a divisão por categoria, há também as centrais sindicais que reúnem os 3 âmbitos anteriores independente da categoria e tem alcance nacional. A lei determina que só pode haver um sindicato por categoria (ramo produtivo) por base territorial (geralmente uma cidade ou região), e quem determina qual é o sindicato legítimo, com o direito exclusivo de representar legalmente os trabalhadores, é o Estado, e não os próprios trabalhadores.
Também desde a década de 1940 se instituiu o que é conhecido como “data-base”, ou seja, uma data pré-definida no ano onde cada categoria poderia fazer a sua reivindicação salarial ou trabalhista.

Com essa estrutura, o Estado garantia algumas coisas: a) através do imposto sindical garante o atrelamento do Sindicato com o Estado, b) através das divisões por categoria e região garante uma divisão estrutural da classe por categorias e c) através da data-base pré-define quando cada categoria deve lutar distribuindo ao longo do ano a data de cada categoria, evitando assim uma ação unificada. O objetivo desta estrutura, portanto, é controlar os trabalhadores, buscando integrar os sindicatos ao regime da classe dominante, determinando sua função como um órgão auxiliar do Estado que deve “colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal” (artigo 512 da CLT). É também buscar dividir os trabalhadores em categorias, evitando que sejam “uma classe”.

Ao mesmo tempo em que o Estado precisa reconhecer o direito dos trabalhadores terem um sindicato, o Estado cria mecanismos para limitar e controlar essa organização. Ainda assim, esta estrutura não foi suficiente, daí o papel fundamental do que é conhecido como “burocracia sindical”. Isso está relacionado com o fato de que a época imperialista (depois da 1ª guerra mundial, a “época dos monopólios”) também avançou pra criação de uma “aristocracia operária” (setores privilegiados da classe, para os quais a burguesia faz concessões através de ataques aos demais trabalhadores, principalmente nos países imperialistas, onde essas concessões se apoiam na superexploração de trabalhadores em outros países) que foi deixando de fora dos sindicatos os setores mais explorados e oprimidos da classe. Deste extrato social aristocrático e das camadas mais bem remuneradas dos trabalhadores, inclusive nos países dependentes e atrasados como o Brasil, vem a burocracia sindical.

O conceito de “burocracia sindical”

“O capitalismo monopolista cada vez está menos disposto a admitir sobre novas bases a independência dos sindicatos. Exige que a burocracia reformista e a aristocracia operária, que dividem as migalhas que caem de sua mesa, se transformem em sua polícia política aos olhos da classe operária” [Trotsky, Os sindicatos na época de decadência imperialista]

Quando falamos em burocracia logo o trabalhador pensa: um monte de papel, um monte de trâmite difícil e complicado de fazer. Aqui estamos falando de burocracia em um sentido um pouco mais amplo, mas tem a ver com essa ideia de “dificultar tudo”. Como explicamos acima, o regime sindical brasileiro não foi suficiente pra controlar os trabalhadores. Então, além dos 3 pontos da estrutura sindical que mostramos acima, o Estado, através dos governos e dos patrões precisaria colocar alguém lá pra dar uma controlada nos trabalhadores.

Quem poderia fazer isso? Não dava pra colocar um governante diretamente, e nem dava pra colocar um patrão, já que era um direito do trabalhador ter o sindicato (ainda que, durante as ditaduras, como a ditadura militar, o governo colocou diretamente seus representantes nos sindicatos). Então a melhor forma era cooptar trabalhadores, ou seja, pessoas da própria classe trabalhadora, que pudessem cumprir esse papel. Estas pessoas cumpririam ao mesmo tempo o papel de representar oficialmente os trabalhadores agindo como “intermediários” nos conflitos entre patrões e empregados. A origem do nome “pelego” vem justamente da imagem da pele de carneiro que se usava para amortecer o atrito entre a cela e o cavalo.

Grosso modo o que caracteriza um burocrata sindical é o privilégio que ele tem sobre os outros trabalhadores (benefícios materiais, não trabalhar) e o nível de contenção que ele exerce (impede os trabalhadores de lutar, cria confusão entre os trabalhadores, defende os interesses do governo e dos patrões e não dos trabalhadores). Então alguns trabalhadores achavam vantagem estar em cargos nos sindicatos com esses benefícios mesmo que fosse em nome de trair a classe.
Mas da onde vem a força desses burocratas sindicais? A força deles vem do respaldo que tem dos governos e dos patrões em primeiro lugar. Trotsky dizia que a burocracia é “a polícia da burguesia no movimento operário”, ou seja, pra controlar a gente eles colocam esses burocratas que atuam como cães de guarda deles, então se estamos planejando uma greve contra os patrões eles vão lá e entregam a gente. Mas a força deles também é extraída de nós. Isso mesmo, os burocratas atuam desmoralizando, dividindo e apaziguando a força que tem os trabalhadores, dificultando tudo o que se possa imaginar, transformando o que poderia ser uma simples organização dos trabalhadores em uma grande burocracia, e fazendo todo mundo desistir, desanimar ou recuar para a despolitização.

Então vejam só, os trabalhadores conquistaram o direito de ter sindicatos, que deveriam ser ferramentas de luta pra defender os trabalhadores. Este mesmo Estado que concedeu isso criou uma estrutura sindical pra controlar e impedir que, de fato, a gente pudesse se organizar. Como isso não foi suficiente, meteu um monte de gente pra impedir a nossa organização. O resultado disso é que a maioria dos sindicatos no Brasil está hoje nas mãos destes burocratas sindicais e não nas mãos dos trabalhadores o que faz com que muitos trabalhadores fiquem desacreditados dos sindicatos e tirem a conclusão equivocada de que os sindicatos já não servem para nada.

Porque atuar nos sindicatos?

“A luta pelo poder não pode ser dirigida apoiando-se meramente nos votos... Há que ter apoio nas fábricas, nas empresas, nos sindicatos e nos comitês de fábrica.” [Leon Trotsky. A luta contra o fascismo]

Se os sindicatos no Brasil hoje estão nas mãos dos burocratas, se a própria estrutura sindical brasileira foi pensada pra dificultar a luta dos trabalhadores, então porque atuar nos sindicatos? Não seria melhor criarmos organismos próprios dos trabalhadores, sem a burocracia e livres dessa estrutura sindical? O problema é que ao mesmo tempo em que o Estado e a burocracia sindical conseguiram desmoralizar, dividir e apaziguar os trabalhadores, a grande maioria dos trabalhadores organizados ainda tem como referência os sindicatos tal como são hoje. No Brasil isso está muito relacionado com todo o processo de surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Foram um partido e uma central sindical que surgiram das massas e das greves operárias que estavam ocorrendo no final da década de 1970. Nesse momento dava aquela impressão de que “agora vai”. Mas os anos passaram, e esse mesmo partido governa o Estado burguês e controla essa central sindical, e conseguiu mais do que nunca um atrelamento forte entre governo e centrais sindicais, se apoiando nas ilusões e confiança de grande parte das massas em especial na figura do ex-operário Lula. Isso faz com que as centrais sindicais e os sindicatos, mesmo que com burocratas sindicais controlando, sejam organismos com uma forte presença da base de trabalhadores, ainda que uma presença controlada.

Neste sentido, não atuar nos Sindicatos significaria abrir mão de combater a burocracia sindical. Significaria abrir mão de disputar a consciência dos trabalhadores. Significaria abrir mão de lutar pra retomar os sindicatos pras mãos dos trabalhadores. Por isso, para os revolucionários é uma questão fundamental a atuação nos sindicatos, independentemente de quem os controle (nem sempre é a burocracia sindical, às vezes pode ser um grupo ou partido de esquerda que esteja na diretoria e que muitas vezes se comporta burocraticamente, sem desenvolver ativismo de base, etc).

Ao mesmo tempo, é insuficiente atuar apenas nos sindicatos, e isso tem a ver com o desenvolvimento do capitalismo e da classe operária – suas vitórias e derrotas.
O profundo processo de fragmentação da classe levou, em especial a partir da ofensiva neoliberal (retirada de direitos, ataques aos trabalhadores) nas décadas de 1980 e 1990, a uma divisão nunca antes vista entre os trabalhadores: agora somos efetivos, terceirizados, temporários, contratados, informais, imigrantes clandestinos e mais um monte de nomes que servem apenas pra nos dividir. Isso cria uma “fratura” na classe operária porque se combina a derrota moral que os trabalhadores vieram sofrendo com o neoliberalismo - muitas greves derrotadas mundialmente e também o processo de restauração capitalista nos ex-estados operários como a União Soviética, que muitos usaram pra dizer que a revolução era impossível e que não existia mais luta de classes e classe operária.

Então a classe trabalhadora, que já era dividida por categoria, viu-se numa situação inédita: a pessoa que trabalha do meu lado, às vezes fazendo a mesma coisa, não é da mesma “categoria” que eu (ganha salários e direitos diferentes) e também não é do mesmo sindicato. Isso criou uma situação onde havia trabalhadores de “primeira e segunda classe” e onde qualquer reivindicação a partir da data-base, por exemplo, se dava de forma separada. Fez retroceder anos de lutas da classe trabalhadora, pois os que eram terceirizados não gozavam dos direitos que foram arrancados historicamente.

Essa grande massa de trabalhadores precários e terceirizados não é representada pelos sindicatos oficiais . Quando são trabalhadores informais não tem sindicatos, mas os terceirizados e precários muitas vezes têm sindicatos fantasmas ou de fachada, que servem somente pra impedir qualquer tipo de questionamento, o trabalhador às vezes nem sabe onde é o sindicato e nunca viu um dirigente sindical. Trotsky sempre falava que era preciso, pra além da atuação nos sindicatos, lutar por organismos ad hoc (podemos usar o termo “anexos” ou “especiais”) ou seja, organismos por fora da estrutura sindical que dessem conta de organizar os trabalhadores que não estavam representados pelos sindicatos, ou até mesmo organismos para enfrentar a burocracia sindical quando ela não organizava a luta na base. Ele está falando de comissões de fábrica, comissões de trabalhadores terceirizados, e vários outros exemplos que temos que dar, que vão se expressar também nos momentos de luta de classes e nos comandos de greve.

Democracia operária e independência do Estado

“Quanto mais amplas massas abarca uma determinada organização, maiores são as possibilidades que oferece à vanguarda revolucionária” [Leon Trotsky, Escritos sobre sindicatos]

Se consideramos que precisamos atuar nos sindicatos, da forma que eles são, isso não significa que nós vamos aceitar o estado atual das coisas, pelo contrário. Nós vamos atuar nos sindicatos que existem, controlados pela burocracia, mas vamos lutar pra mudar o sindicato combatendo a estrutura sindical vigente e pra fazer isso a gente precisa ganhar cada vez mais trabalhadores pra essa luta. Neste caminho há duas coisas fundamentais que Trotsky dizia que eram tarefas elementares da atuação dos revolucionários nos sindicatos: lutar pela mais ampla democracia operária e lutar pela independência do Estado.

Quando ele fala de mais ampla democracia operária esta falando que o sindicato precisa ser uma ferramenta onde os trabalhadores realmente decidam. Se a gente pensa na democracia que existe hoje, na verdade o que acontece é que todo o nosso “poder” está concentrado uma vez a cada 4 anos na hora de votar em algum governante, que em geral depois não faz nada do que prometeu (e geralmente temos poucas opções de candidatos dos trabalhadores). No fim das contas a gente não decide nada! Não decidimos pra onde vai o dinheiro público, não decidimos como a cidade deve ser organizada, não decidimos nada. Trotsky achava, então, que era fundamental que nos sindicatos os trabalhadores pudessem exercer uma verdadeira democracia. Isso só poderia se dar negando o que é convencionalmente visto como “democracia” ou “participação” como por exemplo o voto, plebiscitos, etc. Trotsky estava falando de uma democracia direta.

No caso dos sindicatos essa democracia só poderia se exercer através de assembleias que fossem soberanas, onde todo trabalhador tivesse direito a voz e não somente os dirigentes sindicais. Uma assembleia onde a decisão da maioria fosse acatada e cumprida por todos, mas onde as posições da minoria também pudessem se expressar. A questão da liberdade de tendências também é decisiva, pra que todos os setores da classe operária possam se expressar (e pra que ela se expresse em todos os níveis da estrutura do sindicato é importante que as diferentes posições e chapas se expressem inclusive nos espaços de direção dos sindicatos, proporcionalmente ao apoio que recebem dos trabalhadores). Além das assembleias poderiam ter também as reuniões por setor, por fábrica, por turno, enfim, toda e qualquer forma de organização que ajudasse os trabalhadores a refletirem e decidirem com a própria cabeça – o contrário do que a exploração nos impõe, nos alienando de toda a produção e tirando nosso papel de sujeito.

Além disso, nos momentos de luta de classes essa democracia deveria se exacerbar (pra que a classe atuasse como um só “corpo”). Daí precisariam surgir também novos organismos, como por exemplo, os Comandos de Greve, que apresentariam uma nova forma ainda mais avançada de democracia, com representantes eleitos na base (como nos “sovietes”, os “conselhos” da Revolução Russa). O poder de decisão deveria estar nas mãos dos trabalhadores, da base da categoria, através do Comando de Greve, das assembleias, das reuniões. Os próprios trabalhadores debatem e decidem os rumos da greve, da sua luta, do seu sindicato. Pra ampliar ainda mais a democracia seria necessário romper a estrutura sindical vigente e defender os trabalhadores terceirizados passando a considerá-los parte da categoria e que o próprio sindicato os defendesse e permitisse que também participem das assembleias e reuniões, e incentivasse a que tenham uma organização própria (um organismo) que fortaleça sua luta. Seria necessário chamar o fim da divisão da classe entre terceirizados e formais: somos uma só classe.

A mais ampla democracia, de qualquer forma, não é suficiente. Os revolucionários precisam lutar pela independência do Estado. Isso deve começar por não aceitar o recolhimento do imposto sindical, desatrelando financeiramente o sindicato do estado, mas também mostrando de forma política que não aceitamos dividir o dinheiro dos trabalhadores com o Estado. A contribuição sindical deve ser voluntária. Isso é uma condição pra que os sindicatos e a luta dos trabalhadores possam questionar e não se subordinem, também, à legislação que tenta controlá-los, como as datas-bases, e a todas as regras que o Estado busca impor às greves e às lutas, e ao próprio funcionamento dos sindicatos. Mas a independência do Estado não se resume a isso, e muito menos se resume a palavras. A independência do Estado só pode se dar no momento em que o sindicato atua verdadeiramente contra o Estado, e contra seu “gerente atual”, no caso o governo que estiver à frente do Estado. Além disso, a independência do Estado está diretamente ligada a capacidade de um sindicato congregar as massas exploradas, ou seja, pra ser independente e verdadeiramente democrático é preciso ser de massas e abarcar todos os setores da classe operária. Isso significa que o sindicato deverá romper a ideia de separação entre a luta sindical e a luta política – que também é uma forma de apaziguar os trabalhadores – e entender definitivamente que a sua luta no sindicato não é somente contra seu patrão imediato, mas contra toda a classe de patrões. Lenin dizia que isso era uma conclusão a que todos os trabalhadores chegavam com facilidade em meio às greves, pois a greve é como uma “escola de guerra” – você passa fome, enfrenta a polícia, ajuda o outro companheiro. A fonte da nossa força é a união da classe trabalhadora e seus aliados populares. Do outro lado unem-se todos, sempre: repressão, patronal, grande mídia, as forças políticas do governo.

A luta no Sindicato é então independente do Estado porque nós vamos ter que lutar contra este Estado. Se houver algum atrelamento, algum “rabo preso” essa luta estará comprometida. Por isso que a burocracia sindical é a “polícia da burguesia no movimento operário”. Eles não atuam pela independência dos Sindicatos, eles atuam por mais atrelamento, pois quanto mais atrelamento mais controlado serão os sindicatos, e quanto mais controlados os sindicatos mais garantido está seu cargo e seus privilégios.

Os sindicalistas como tribunos do povo

“A influência da burguesia sobre o proletariado se reflete na teoria da neutralidade segundo a qual os sindicatos deveriam colocar-se exclusivamente objetivos corporativos, estritamente econômicos e não de classe. Os sindicalistas que não se colocam nenhum objetivo de classe, ou seja, que não apontam para a derrubada do sistema capitalista são, apesar de sua composição proletária, os melhores defensores da ordem burguesa” [Leon Trotsky, Teses sobre a ação comunista no movimento sindical]

Essa necessidade de não separar o sindical do político é muito forte. Quantas vezes você já não ouviu alguém dizer, de forma pejorativa, que “essa greve é política!”? Há um senso comum de que uma greve pode ser por salários ou benefícios, mas não venham fazer uma greve “política”. Esse senso comum tem como base a necessidade de deixar os sindicatos como organismos puramente “econômicos” ou seja que só tratam de direitos e salários trabalhistas, e não tratam dos fatos políticos que tem interesse dos trabalhadores.

Por isso, ao mesmo tempo em que os revolucionários lutam pela mais ampla democracia operária e pela independência do Estado, os revolucionários também lutam pra elevar a luta nos sindicatos do sindical/econômico até o político ou mostrar que estes dois planos já estão colocados desde o início do processo (mostrar que a luta por salário chega a um questionamento de toda a exploração capitalista e um enfrentamento direto com o Estado burguês que através dos governos acaba criando mecanismos econômicos que sempre vão corroer nossos salários, como é a inflação, por exemplo, e que por isso mesmo quando os trabalhadores vencem, suas conquistas são passageiras, e o que fica de mais importante de cada luta é o avanço na organização e na consciência de classe dos trabalhadores). Isso é uma luta também contra a estratégia dos reformistas, ou seja, os que são inimigos da libertação revolucionária dos trabalhadores e das massas.

Mas mesmo entre os trabalhadores a ideia de que o sindicato é pra lutar pelas questões sindicais e econômicas é muito forte. Aí vai pesar também a estrutura sindical brasileira (a divisão por categorias, a data-base). Então às vezes se o seu sindicato se posiciona sobre a luta de um grupo de sem teto por moradia, o trabalhador mesmo pode questionar “quê que eu tenho a ver com esse pessoal sem teto? O sindicato deveria estar lutando pelo meu salário”. Se o sindicato está organizando uma atividade sobre a luta contra a homofobia, o trabalhador pergunta “Esse sindicato tá perdido, fica organizando atividades sobre pervertidos, ao invés de estar preparando a nossa luta na data-base que está chegando”.

Esse pensamento que atinge amplos setores da classe trabalhadora é nada menos do que a ideologia da burguesia atuando sobre nós e mais uma vez nos dividindo. Em especial a burguesia utiliza os preconceitos (contra as mulheres, homossexuais, negros, travestis, imigrantes) para dividir mais a classe e colocar um contra o outro. Os revolucionários, que lutamos por um mundo novo, não podemos nos adaptar a isso. A classe trabalhadora ainda que seja uma classe revolucionária de um ponto de vista histórico também vai expressar neste momento todo o atraso que a burguesia nos relega.

Neste sentido, é preciso ter uma política contra esta divisão mas também contra toda forma de corporativismo. Porque a burguesia consegue toda essa influência através dos seus governantes, da televisão, das propagandas, enfim, tem muitos organismos de peso e mais a força de inércia da tradição cultural e dos costumes de classe atuando pra disseminar sua ideologia. Os trabalhadores também precisam conquistar influência e avançar pra uma hegemonia dos trabalhadores. Para essa ideia Lênin colocava um conceito fundamental. Ele dizia que o operário precisava atuar como um verdadeiro “tribuno do povo” nos sindicatos, ou seja, um porta voz das mazelas e sofrimentos da população. E não só isso, ele deveria levantar alternativas pra população. Os sindicalistas e operários precisam mostrar pra grande massa da população pobre e oprimida que são uma alternativa diante da burguesia, que a população pobre e oprimida pode enxergar na classe operária uma saída pros seus problemas e sofrimentos. Atuar como tribunos do povo pra conquistar hegemonia na população e combater toda a forma de opressão (que nos divide) é uma questão fundamental da atuação dos revolucionários no movimento operário.

Sindicatos como “escolas de comunismo”

“O lugar dos comunistas está nos sindicatos. Devem ingressar neles com as bandeiras resguardadas ou públicas, para atuar de forma aberta ou escondida, segundo as condições políticas e policiais imperantes no país. Porém, devem atuar, não cruzar os braços.” [Leon Trotsky, Os sindicatos diante da investida econômica da contra-revolução]

É por tudo isso, também, que Trotsky dizia que os sindicatos deveriam ser verdadeiras escolas de comunismo. Quando tratamos do problema da democracia pudemos ver que levar até o final a mais ampla democracia operária colocaria os trabalhadores num papel de sujeito que a sociedade capitalista e mesmo a democracia burguesa nos nega. Mais que isso, se pensamos a necessidade de nos dirigir à população pobre, de combater as formas de opressão, de atuar contra o Estado, tudo isso coloca uma prática que é totalmente diferente do papel que os trabalhadores têm na sociedade hoje.

Quando ele fala em “escolas de comunismo” ele quer dizer uma coisa bem profunda: que enquanto não derrubamos essa sociedade tal como é (capitalista) os trabalhadores podem e devem se exercitar no sindicato tomando decisões completamente distintas do que os capitalistas tomariam. Por exemplo, numa greve, além da organização ser verdadeiramente democrática (algo que os capitalistas não podem proporcionar) os trabalhadores podem tomar medidas de verdadeira solidariedade a outros trabalhadores e um setor pobre da população, exercitando um tipo de moral distinto ao que temos disseminado hoje através do individualismo. Em última instância é a exacerbação da democracia, ou seja, treinar pra poder dirigir não um sindicato, mas um estado operário rumo ao comunismo.

Neste sentido a ideia do internacionalismo proletário ganha um peso fundamental, desde as campanhas internacionais de apoio às lutas, mas também avançando pra uma compreensão revolucionária da importância do internacionalismo, entendendo que a classe operária não tem fronteiras. Ao mesmo tempo, Trotsky no Programa de Transição falava em controle operário, ou seja, pensar como os trabalhadores podem ir exercitando um poder desde já a partir dos sindicatos e das fábricas, como uma verdadeira escola de comunismo.

A luta pela retomada dos sindicatos e por formar alas revolucionárias

“O Partido Comunista é a ferramenta fundamental para a ação revolucionária do proletariado, a organização e combate de sua vanguarda que deve elevar-se como direção da classe operária em todos os âmbitos de sua luta, sem exceção, e, portanto, também no campo sindical.” [Leon Trotsky. Comunismo e sindicalismo]

Todos estes conceitos são parte de uma tradição de atuação revolucionária. Também são a mostra de que a classe trabalhadora tem uma tarefa decisiva que é a luta por retomar os sindicatos das mãos da burocracia sindical. Essa não será uma tarefa pacífica, já que a burocracia vai defender com todas as forças não somente os patrões e o governo, mas principalmente seus privilégios de burocrata. Por isso esta não é uma tarefa de apenas um trabalhador ou uma categoria, é uma tarefa de toda a classe trabalhadora. A luta por esses princípios está combinada, portanto, a um enfrentamento com a burocracia e também com o Estado, e por isso os revolucionários buscam sempre levantar um programa que parta das condições atuais, dialogando com a consciência das massas, pra levá-las até a necessidade da tomada do poder.

Neste caminho, os revolucionários devem atuar em todos os espaços sindicais com o objetivo de ganhar mais trabalhadores pra estas ideias. Chamamos isso de construir alas revolucionárias nos sindicatos e no movimento operário, entendendo que o movimento operário é mais amplo do que o movimento sindical que abarca somente os espaços sindicais permitidos pelo regime vigente. Que cada sindicato possa ter uma parcela de trabalhadores defendendo as ideias revolucionárias que apontamos acima é uma poderosa maneira de construir um partido revolucionário, afinal, o partido revolucionário é em primeiro lugar um partido da classe trabalhadora.

Ao mesmo tempo partimos também da necessidade da frente-única, ou seja, a necessidade de unificar os trabalhadores exigindo de suas direções uma ação comum frente aos ataques que sofremos. Se a burguesia nos ataca com a retirada de algum direito elementar, a política dos revolucionários deve ser buscar a mais ampla frente-única com todos os setores de trabalhadores, incluindo a exigência à própria burocracia sindical pra que mobilize suas bases. Essa é uma forma de sempre levantar a necessidade da unidade da classe ao mesmo tempo em que exigimos das direções traidoras um posicionamento claro, o que pode contribuir para os trabalhadores fazerem experiência com essas direções – e nossa exigência sempre é acompanhada de uma denúncia do papel da burocracia sindical.

Mas para além disso, é necessário agregar uma definição fundamental pra compreender até o final o sentido dos sindicatos. Para os revolucionários, os sindicatos não são somente ferramentas de luta. Quando falamos ferramenta de luta não estamos tratando somente da luta sindical, econômica ou até da luta política. Estamos falando também da luta revolucionária. Para nós os sindicatos são instrumentos da luta revolucionária, e mais que isso, são instrumentos diretos da revolução. O que queremos dizer? Que se tiver uma revolução no Brasil os sindicatos devem estar a serviço disso organizando a classe operária para a revolução. Se eles não estiverem fazendo isso, por exemplo, porque estão ainda nas mãos da burocracia sindical, vão se tornar inevitavelmente sindicatos contra-revolucionários (ou seja, que querem destruir a revolução). Por isso Trotsky dizia que não dava pra ser um meio termo: o sindicato ou é revolucionário ou é reformista, o que o leva a atuar como contra-revolucionário (no período da revolução). Quando falamos dos sindicatos organizarem a revolução estamos considerando a possibilidade deles serem parte ativa da constituição dos “sovietes”, ou até mesmo que funcionem como tal, assim como as comissões de fábrica também poderiam cumprir esse papel. Ou seja, numa revolução os partidos revolucionários (que atuam nos sindicatos) deverão buscar nos organismos de base da classe operária um ponto de apoio fundamental pra revolução.

Esperamos que estas “notas” sobre sindicatos contribuam na formação e organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho numa perspectiva revolucionária de transformação da sociedade.

 
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