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COREIA DO NORTE E EUA
O programa nuclear da Coreia do Norte e a política para a Ásia dos Estados Unidos
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Os Estados Unidos pediram ao Conselho de Segurança da ONU, nesta segunda-feira, 4, que imponha "as medidas mais duras possíveis" contra a Coreia do Norte, em resposta ao mais potente teste nuclear de Pyongyang, realizado no domingo.

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A Coreia do Norte testou neste domingo, 3, sua bomba atômica mais potente até o momento, um artefato termonuclear ou bomba H, que, segundo o regime, pode ser instalado em um míssil intercontinental. Analistas dizem ainda ser incerto se a Coreia do Norte realmente detonou uma bomba de hidrogênio, mas de todo modo a explosão, que causou um tremor de magnitude registrado em 6.3 na escala Richter, foi o maior teste na história da Coreia do Norte, com um poder de destruição muito mais forte que as bombas descarregadas em Hiroshima e Nagasaki pelo imperialismo estadunidense na Segunda Guerra Mundial.

"Apenas as sanções mais duras vão nos possibilitar resolver esse problema pela diplomacia", alegou a embaixadora dos EUA na organização, Nikki Haley, em uma reunião de emergência do órgão.

Mísseis sobre o Japão

As tensões interestatais já haviam entrado em choque na semana passada, quando um míssil balístico lançado pelo regime de Kim Jong-un sobrevoou a ilha japonesa de Hokaiddo, sede dos exercícios militares conjuntos entre Estados Unidos e Japão, antes de estourar no Oceano Pacífico.

As declarações da embaixadora estadunidense ecoam as contradições abertas entre as duas principais potências envolvidas na questão norte-coreana: Estados Unidos e China. O governo Trump produz mais do mesmo: na frente diplomática buscou exercer mais pressões - que de todo modo se mostram infrutíferas - através de novas sanções contra o regime norte-coreano, enquanto na frente militar intensificou as demonstrações repudiáveis de força militar junto ao Japão.

Já a China se encontra na incômoda disjuntiva de ter um aliado "indisciplinável" na Coréia do Norte, cujos sucessivos testes militares são utilizados pelos Estados Unidos para justificar o incremento da militarização no Pacífico; ao mesmo tempo, Pequim é resolutamente contrário a desguarnecer e facilitar a queda do regime de Kim, já que isso eliminaria o papel de "tampão" cumprido pela Coréia do Norte e poderia significar a ocupação agressiva da península coreana por tropas estadunidenses na fronteira com a China.

Divisão na tríade militar estadunidense sobre como responder

As declarações de Haley também expressam a divisão na cúpula do governo estadunidense de como tratar o tema. Enquanto Donald Trump ameaçava como "fogo e fúria" nunca antes vistos, depois do lançamento do míssil balístico sobre o Japão, tanto o secretário de Defesa, Jim Mattis, quanto o secretário de Estado, Rex Tillerson, anunciaram que os Estados Unidos nunca abandonaram a opção diplomática.

Desta vez, após o teste nuclear norte-coreano, o próprio Jim Mattis se contradisse, depois de encontrar-se com Trump na "Situation Room": anunciou à Coreia do Norte de que "qualquer ameaça aos Estados Unidos ou a seus aliados, incluindo o território de Guam, será recebido com uma massiva resposta militar". Mas no pronunciamento na Casa Branca, junto ao chefe dos Estados-Maiores Conjuntos, Joseph F. Dunford Jr., ofereceu uma "palavra de segurança" a Kim Jong-un: "Não queremos a total aniquilação de um país, nomeadamente a Coreia do Norte, mas como eu disse, temos muitas opções".

Dentre as opções discutidas, se encontra a possibilidade de um "ataque relâmpago" sobre os centros militares e nucleares de Pyongyang. A opção dos "ataques preventivos", embaralhada por Jim Mattis, descarta a opinião emitida pelo assessor de segurança nacional, o general H. R. McMaster, outro militar membro da cúpula da Casa Branca (completa o trio John Kelly, general da reserva nomeado chefe de gabinete de Trump). McMaster defendeu uma "guerra preventiva" contra a Coreia do Norte a fim de bloquear a capacidade de continuar os testes de mísseis balísticos, que poderiam chegar as costas da Califórnia.

Da esquerda para a direita: Mattis, McMaster, Kelly

Esta opção, segundo a própria opinião do Pentágono, não assegura que os Estados Unidos possam destruir todos os centros nucleares e militares de Pyongyang num golpe relâmpago, o que significaria expor-se à represália de um país atacado.

Independente da imensa superioridade militar do imperialismo estadunidense frente à Coreia do Norte, esta divisão marca as dificuldades inerentes à situação de Washington, que colocaria em movimento consequências incalculáveis se tentasse uma invasão militar, ou mais ainda, uma conflagração nuclear com a Coreia do Norte. Independentemente da repudiável ditadura militar encabeçado por Kim Jong-un, qualquer ameaça de intervenção imperialista por parte dos Estados Unidos merece a mais resoluta condenação.

Programa militar norte-coreano: uma equação de poder inegociável

Após o acionar da estratégia de Barack Obama durante a Primavera Árabe, de patrocinar aberta ou veladamente a substituição dos regimes encabeçados por seus aliados passados (como Muammar el-Kaddafi da Líbia), ou a derrubada de Saddam Hussein em 2003 no Iraque, o sentido de alerta do regime de Pyongyang diante de Trump acentua ainda mais a escalada dos testes militares norte-coreanos, enfatizando sua capacidade nuclear.

Em 2003, Kaddafi renunciou a todos os elementos do seu nascente programa nuclear, em troca de promessas de integração da Líbia com o Ocidente. Isso nunca aconteceu, e seu aliado estadunidense preparou sua derrubada e liquidação nas mãos dos chamados "rebeldes", forças militares armadas pelos EUA. Não é impossível que Kim Jong-un busque assegurar imunidade conquistando a capacidade de bombardear Los Angeles e a costa oeste estadunidense.

Mas não se trata apenas disso. Como dissemos neste artigo de Claudia Cinatti, o programa nuclear forma parte essencial da equação de poder e dos recursos da Coreia do Norte para sobreviver, mais ainda depois do ascenso de Trump e as incertezas militares advindas da agressividade do nacionalismo econômico da nova administração em Washington. A combinação entre o rearmamento nuclear e reformas econômicas deu nova base social à ditadura de Kim Jong-un. Isso o transforma num aspecto inegociável para um país que sofreu ingerências imperialistas que levaram à no século passado à sangrenta Guerra das Coreias (1951-53).

Fuzileiros navais estadunidenses atacam Hagaru-ri, na Coreia do Norte, em dezembro de 1950. Imagens sobre a Guerra da Coreia podem ser vistas aqui

Mais que o imediato ponto de vista econômico, Kim Jong-un trata de colocar-se numa posição que constranja os Estados Unidos a eventualmente retirar suas tropas da Coreia do Sul, e recuar boa parte das sanções econômicas impostas, como elemento de negociação contra a agressividade norte-coreana. Para além da possibilidade desse cenário, está claro que a movimentação norte-coreana não atende apenas à estratégia de auto-preservação do regime político.

O pivô para a Ásia-Pacífico

Os Estados Unidos possui fortes aliados na Ásia, em primeiro lugar o Japão e a Coreia do Sul. Possui bases navais e militares nos dois países, além das Filipinas, a Tailândia, e Cingapura. Controla a partir de Cingapura uma das passagens estratégicas para o comércio marítimo desde a Segunda Guerra Mundial. Todos estes pontos de apoio foram ameaçados com a emergência econômica, e também militar, da China.

Obama iniciou a política chamada de "pivô" à Ásia-Pacífico, fracassando em desativar os conflitos que envolviam os Estados Unidos no Oriente Médio, a fim de incrementar a presença militar imperialista no Mar do Sul da China e interpor as intenções de Pequim de se transformar na maior potência regional e arrebatar esta estratégia área de influência das mãos de Washington. Trump continua esta política, e usa a Coreia do Norte como justificativa.

Para a China, a agressividade norte-coreana tem dois gumes. Ao mesmo tempo que são instrumentalizadas por Washington para manter sua política de "pivô", torna-a mais cautelosa e passível de crise e reparos, uma vez que qualquer faísca poderia prorromper uma conflagração indesejável para os EUA. A China não perde tempo em avançar seus planos regionais, embora enfrentando problemas econômicos internos.

Esta disjuntiva não fora prevista em toda a sua complexidade pelos Estados Unidos quando se colocou em prática o "pivô" à Ásia-Pacífico. De fato, Donald Trump incrementou o militarismo como estratégia para ocultar a decadência hegemônica dos Estados Unidos, e suas próprias crises internas. A escalada de tensões, que por ora é diplomática por parte de Washington e militarmente controlada em Pyongyang, pode levar a conflitos militares abertos dependendo do estágio dos interesses econômicos e políticos das potências envolvidas.

 
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