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HAITI
O brutal legado de opressão das tropas brasileiras nos 13 anos de ocupação do Haiti
Lourival Aguiar Mahin
São Paulo
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.

Está prevista para esta sexta feira, dia 01 de setembro o inicio da retirada das tropas da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti). Esta medida é parte da decisão tomada em abril pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, após a avaliação de que a ocupação militar desse país estava levando a um grande desgaste diante dos inúmeros casos de abusos sexuais cometidos pelas tropas, além do enorme surto de cólera, que foi trazida pelos soldados da "ação humanitária" que se alastrou pelo pais.

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A decisão da ONU em abril também ocorre após a eleição e posse do empresário Jovenel Moïse que foi saudado pelo presidente norte-americano Donald Trump, pelo Secretário Geral da ONU e pelo presidente golpista Michel Temer no Brasil.

Desde 2004, a Minustah ocupa militarmente esse pais, com o objetivo de “estabilizar” o Haiti. Naquele momento, o governo de Lula, do PT almejava um posto do Brasil no Conselho de Segurança da ONU e em troca se propôs a cumprir o papel nefasto de linha auxiliar do imperialismo na ocupação militar do Haiti. A militarização do país foi justificada naquele momento por conta da profunda convulsão social ocorrida após a queda do presidente Jean-Bertrand Aristide neste mesmo ano. Naquele momento o governo brasileiro buscava projetar o Brasil internacionalmente como uma potência regional que poderia assumir para si tarefas auxiliares à intervenção imperialista nesse país.

A retirada das tropas brasileiras, ao contrário do que se poderia entender à primeira vista, não significa o fim da intervenção da ONU no Haiti, já que depois dos treze anos de ocupação militar a ONU pretende substituir essa missão por uma outra que ainda permanecerá no pais durante pelo menos dois anos.

Durante os 13 anos de ocupação militar, as tropas brasileiras e da Minustah não levaram nada de humanitário ao Haiti. Ao contrário, afogaram em sangue a revolta do povo haitiano que se levantava contra a fome e à miséria provocadas pela opressão e exploração imposta tanto pela burguesia local, mas sobretudo pelo imperialismo naquele país. As tropas brasileiras, cumpriram um papel auxiliar na manutenção de regimes e governos que atendiam aos interesses do imperialismo. Durante esses 13 anos não levaram mais do que opressão, como obrigar as mulheres haitianas a serem escravas sexuais em troca de comida (denúncia veiculada em diversos periódicos, veja aqui, aqui e aqui, prática comum das tropas de ocupação da ONU*), desrespeitando os mais elementares direitos civis com invasão permanente das residências pelo exército, que também promoveu o desvio e ocultamento de alimentos, como se vês nessa reportagem d’O Globo, assassinatos, proibição de atos e repressão a manifestações políticas, destruição da infraestrutura do país promovendo catástrofes sociais (como o surto de cólera que se seguiu aos estragos do furacão Matthew), entre outras atrocidades.

Luis Acosta/AFP

Em março o Ministro da Defesa Raul Jungmann afirmou que o governo estaria retirando as tropas brasileiras do Haiti, já com o objetivo de intervir em outros pais como Líbano, na Ásia, e, na África na República Democrática do Congo (que possui uma missão parecida com a do Haiti, chamada MONUSCO, que é liderada por um general brasileiro), Libéria e Costa do Marfim, mostrando a disposição do governo golpista de Temer de continuar prestando o papel sujo de auxiliar dos interesses imperialistas.

Uma história de revoluções, dominação e golpes militares

O Haiti entrou para a história como o primeiro país do mundo em que os escravos negros arrancaram com uma revolução o fim da dominação da metrópole francesa e também o fim da escravidão. Mesmo depois da gloriosa revolução haitiana este país é marcado por sucessivos golpes militares e as sucessivas ocupações do Estado norte-americano ( que algumas chegaram a durar quase 20 anos), que fazem da democracia haitiana algo completamente degradado e escancaram o nível de ingerência imperialista neste pais.

Atualmente o Haiti é o país mais pobre da América Latina, aproximadamente 60% da população é subnutrida e mais da metade vive abaixo da linha de pobreza, ou seja, com menos de 1,25 dólar por dia. Em 2010 o Haiti foi completamente destruído por um terremoto fortíssimo que deixou mais de 200 mil mortos, cerca de 250 mil pessoas feridas e 1,5 milhão de habitantes desabrigados. Nesse mesmo ano um surto de cólera atingiu o país deixando mais de 10 mil mortos.

Durante os anos 1915 e 1934 o Haiti foi ocupado militarmente pelos Estados Unidos. Em 1946 Dusmarsais Estimé foi eleito e destituído. Em 1957 François Duvalier (Papa Doc) foi eleito com o apoio dos Estados Unidos e depois instalou uma das ditaduras mais sanguinárias da América Latina, tornando-se presidente vitalício de 1964 a 1971 sendo substituído no poder por Jean-Claude Duvalier (o Baby Doc) até 1986, quando foi substituído pelo General Henri Namphy. Em 1988 ocorreu um novo golpe militar que levou ao poder o chefe da guarda presidencial, General Prosper Avril.

Em 1991, Jean-Bertrand Aristide, que havia sido eleito presidente, foi deposto por um golpe militar liderado pelo General Raul Cedras depois de cinco meses de governo. Em 1994 o governo Clinton, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas(ONU) impuseram sanções econômicas até que os militares aceitassem o retorno de Aristide ao Haiti com o objetivo de avançar nas privatizações e ajustes exigidos pelo FMI.

Em 2000, Aristide, que era um ex-padre ligado a ações humanitárias no país, obteve 92% dos votos, porém, traindo o programa que havia ganho a confiança do povo haitiano, foi completamente submisso a agenda dos Estados Unidos, o que fez com que enfrentasse uma forte resistência pular e fosse deposto em 2004 depois de inúmeros protestos e uma forte convulsão social no pais. A ocupação militar do Haiti se deu como forma de conter os protestos que tomaram o país naquele momento.

Um editorial à serviço da ocupação

A edição de hoje da Folha de São Paulo dedica um editorial à retirada das tropas brasileiras do Haiti. Tece elogios à ocupação sem sequer mencionar os casos de abuso por parte das tropas, noticiados nos próprios jornais burgueses. Aos exemplos que mencionamos acima, podemos agregar, entre outros, invasão permanente das residências por parte do exército, desvio e ocultamento de alimentos pelo exército, assassinatos, destruição da infraestrutura do país promovendo catástrofes sociais (como os estragos do furacão Matthew). O editorial tampouco perde a oportunidade em elogiar a experiência que missões assim garantem ao exército quando se faz necessário atuar domesticamente, como no caso do Rio de Janeiro. Os relatos de moradores revelam de as tropas adquiriram experiência em oprimir a população.

Em seguida, afirma que “os costumes políticos não destoam da indigência”. O uso do termo costume serve para naturalizar o drama político vivido pela população haitiana, que é obra do imperialismo e para o qual o estado brasileiro contribuiu. Em um tom de arrogância típico daqueles que encontram na submissão voluntária ao imperialismo um senso de dever, o editorial busca responsabilizar o povo haitiano pela miséria imposta pelo imperialismo. Dificultar o “desenvolvimento econômico” do Haiti e a livre expressão político de seu povo é algo que o imperialismo se empenha desde 1804, quando se iniciou o bloqueio econômico norte-americano e europeu, que durou 60 anos.

Fora o imperialismo e as tropas do Haiti!

É necessário que trabalhadores brasileiros, haitianos e de todos os 16 países que ocupam o Haiti lutem pelo direito de auto determinação deste povo, exigindo de suas burguesias a imediata retirada de todas as tropas. As suas "missões de paz" são na verdade missões de violência e controle das populações, para que sirvam aos interesses imperialistas.

É também necessário e urgente que os sindicatos e as organizações de esquerda levantem a bandeira pela retirada de todas as tropas do Haiti! Fora imperialismo do Haiti! Que nenhum exército passe mais um dia se quer em solo haitiano.

Além disso, devemos lutar para que os trabalhadores e o povo do Haiti possam determinar o seu próprio destino revivendo o símbolo da revolução haitiana e por isso é fundamental lutar pelo não pagamento da dívida haitiana que mantém a submissão desse país aos interesses do capital estrangeiro. É um absurdo que mesmo após todos estas décadas de saque das riquezas haitianas e de exploração do povo haitiano, os imperialistas ainda queiram lucrar com a sua independência. O Brasil, que é o maior país negro fora da África deveria ser o primeiro a declarar a anistia de qualquer dívida e exigir dos demais países que fizessem o mesmo.

No Brasil é necessário estarmos juntos aos imigrantes na luta em defesa do povo haitiano que vive no Brasil. Lutar para que recebam os mesmos salários e tenham os mesmos direitos dos trabalhadores brasileiros. Todos os povos oprimido e possuem uma dívida com o povo haitiano, o primeiro país do mundo a fazer uma revolução é o primeiro a abolir a escravidão. Valorizar essa história é nós colocar cara ombro a ombro com nossos irmãos haitianos.

* Uma lista divulgada pela própria ONU, em 2015, mostra os países em que houve denúncias de abuso sexual por tropas e funcionários da ONU: Alemanha, Burundi, Gana, Senegal, Eslováquia, Madagascar, Ruanda, República Democrática do Congo, Burkina Fasso, Camarões, Tanzânia, Níger, Moldávia, Togo, África do Sul, Benin, Nigéria e Gabão.

 
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