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EDUCAÇÂO
Plano Nacional de Educação: 3 anos depois, como está o financiamento da educação pública?
Jean Barroso
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O Plano Nacional de Educação é fruto de uma Conferência Nacional da Educação em 2009, quando Fernando Haddad era Ministro de Lula no Ministério da Educação, e foi aprovado enquanto Lei na gestão de Dilma Roussef em 2014, com validade até 2024. O PNE 2014-2024 é composto de metas a serem cumpridas pelo poder público, representados pelas entidades da federação (municípios, estados e o governo federal). Analiso neste trabalho somente a Meta 20, que trata sobre o financiamento da educação.

Não é novidade que o financiamento da educação pública é uma demanda estrutural do País. Desde seu início, o Brasil é carente no fornecimento da educação pública, sendo durante determinado período ainda bastante recente, a alfabetização era de acesso de algumas poucas classes privilegiadas, usado inclusive como maneira de restringir o sufrágio, permitindo que apenas letrados votassem em qualquer tipo de eleição para representantes no estado.

Limitaremos a análise ao texto da Meta 20, o que ela obriga e o que espera do poder público, enquanto analisaremos o que foi feito com a educação e em especial no cumprimento desta meta, neste período de 2014 até o momento atual em 2017, em que o país passou por duas administrações federais, de Dilma Roussef até 2016, e após um golpe parlamentar assumindo o seu vice Michel Temer.

1. O que diz a Meta 20?

A Meta 20 traça uma estimativa (ou projeção) do que deve ser investido na educação até o final do plano para que a educação do Brasil seja universalizada com acesso à educação pública e de qualidade para todos, em todos os níveis, daqui a 10 anos. Segundo o texto que dá nome à Meta:

“Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.”[1]

E em seguida a meta estipula estratégias para alcançar estes patamares, mas antes de analisarmos as estratégias, ver o que ocorreu no ano seguinte.

2. A Meta 20 com Dilma

O governo de Dilma Roussef, que venceu eleições apertadas contra Aécio Neves, sob o qual hoje pesam fortes denúncias de corrupção, assumiu sob o lema de que seu governo seria o da “Pátria Educadora”. Em 2015, segundo o portal de notícias UOL[2], Dilma cortou 10,5 bilhões da educação, equivalente a 10% do orçamento da pasta, sinalizando que ia ao caminho oposto do que estipulava o texto do PNE transformado em Lei em seu governo.

O lema “Pátria Educadora”, aliás, foi tomado de um documento redigido não pelo MEC, e sim pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, sob chefia de Roberto Mangabeira Unger que elaborou o documento a pedido da presidenta. Apesar dos protestos de estudantes, servidores e professores da área da educação, que eram contrários ao corte apontando a contradição de uma “Pátria Educadora” cortar gastos da educação, o projeto de Dilma contido no documento com este nome não tinha por objetivo investir na educação pública, muito pelo contrário.

O documento “Pátria Educadora” projetava um investimento nos monopólios da educação que foram surgindo em todo o período anterior. Através do PROUNI, FIES e PRONATEC, instituições privadas foram financiadas diretamente com o dinheiro público. O que iniciou com a compra de vagas ociosas em instituições de ensino superior por parte do estado, chegou ao ponto financiar a constituição do maior monopólio educacional da América Latina, a Kroton-Anhanguera.

Portanto, já antes do corte, a Meta 20 era deixada de lado quando o dinheiro público ia privilegiadamente para empresas privadas da educação. Apesar de tudo isto, o programa mesmo assim permitiu, a custosos empréstimos e sacrifícios familiares, que milhares de famílias tivessem pela primeira vez algum membro cursando o ensino superior.

Com o corte de 10,5 bilhões na educação, esta realidade mudou, e além de afetar estes estudantes, afetou diretamente o ensino público. Mas ainda, sobre o programa de Financiamento Estudantil (FIES), alguns milhares cancelaram os estudos pelo meio, por imposição de novas regras que prejudicam imensamente o estudante. Ou seja, mesmo com o governo “comprando” as vagas, elas ainda pertencem aos empresários.

Um ritmo econômico que se caracterizava de uma crise no centro da economia mundial, após o estouro da bolha imobiliária em 2008 nos Estados Unidos, junto com um “boom” do preço das commodities permitiu um forte crescimento de arrecadação e a implementação deste tipo de política, que financiou uma série de empresas chamadas “Global Players” brasileiras, aposta do governo Lula. Assim como a Odebrecht tem mais que um terço de seu orçamento financiado pelo dinheiro público, as empresas (os “tubarões”) da educação tiveram sua parte na divisão.

Este padrão de acumulação tão conjuntural não nos cabe analisar neste trabalho, mas com o encerramento dele Dilma inicia os cortes. No entanto ela fica no meio do caminho, o que encoraja uma grande aliança entre PMDB e PP, que saem do governo para se aliar ao PSDB e outros partidos na destituição de Dilma Roussef em um golpe parlamentar que é apoiado pelo “partido” Judiciário e pelo “partido” Midiático para aplicação de um programa de cortes mais profundos. Cabe antes de entrar na avaliação do governo Temer, apenas esclarecer antes, que um golpe parlamentar é algo diferente de um golpe de estado, constituído de manobras “nas alturas” das instituições, e não com a clássica mobilização de tropas militares como o golpe de 1964.

3. A Meta 20 depois de um golpe parlamentar

O governo golpista de Michel Temer aprofunda mais a política de cortes de gastos, se distanciando também desta meta. Sua primeira medida é aumentar a desvinculação de receitas da união (DRU) de 20 para 30% com a PEC 04/2015.

A DRU, inventada por FHC, retira uma parcela (hoje 30%) da receita da União antes de se realizar o cálculo que obriga o investimento mínimo em educação e saúde. Para a educação, 18% (estados e municípios entram com 25% de seus impostos) dos impostos seriam obrigatoriamente investidos em educação (sendo ela privada ou pública). Desvinculando-se a receita, diminui-se o valor total sobre o qual é realizado este cálculo.

“Com isto, o governo determinou que 20% das receitas vinculadas da União poderiam ser alocadas em outras áreas. Isto ocasionou que, na prática, o governo não deveria se responsabilizar mais por 18% dos impostos para a educação e sim com apenas 14,4% (80% de 18%).” (Pág. 36 [3])

Em seguida a principal medida aprovada em seu governo, o Projeto de Emenda Constitucional 241/2016, aprovado no congresso neste mesmo ano sob intensa repressão contras as manifestações contrárias à medida. A emenda constitucional enterra de vez o investimento em educação, sem contar outras áreas do serviço público, tornando obrigatório constitucionalmente o congelamento de despesas da União durante 20 anos. Á cada ano, só se poderá gastar exatamente o mesmo gasto no exercício do ano anterior, corrigido pela inflação.

A medida altamente criticada por toda comunidade da educação e os outros setores dos serviços públicos, sob o nome de “congelamento” ou “teto de gastos”, na prática deve levar estes serviços ao seu sucateamento e falência, porque além de ter como base um ano em que houve profundos cortes com Dilma em 2015, não acompanha o aumento de demanda na rede pública.

No caso da educação significa congelar os investimentos, mesmo que haja necessidade de se abrir mais turmas. E a realidade era outra, de fechamento de turmas e de programas do ensino superior com o orçamento que existente em 2015. Para ilustrar podemos usar o Rio de Janeiro como exemplo deste levantamento feito por um portal bastante acessado:

“Só o Ensino Fundamental perdeu 121 mil vagas. Em 2010 haviam 336 mil matrículas e esse número caiu para 215 mil em 2015. No Ensino Médio a queda registrada foi de 49 mil vagas. Em 2010 eram 477 mil e em 2015 caíram para 427 mil matrículas. Os dados são do Censo Escolar, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).”[4]

E em outro levantamento feito por profissionais da educação e ainda não concluído[5] verificamos que neste ano de 2017, turmas foram fechadas em mais de 160 escolas do estado.

O governo Temer, que entrará para a história em uma trajetória que começa com um golpe parlamentar e vai terminando como o primeiro presidente a ser alvo de inquérito ainda em exercício da função, devido à delação da JBS, toma medidas que aprofunda muito o sentido oposto já adotado por Dilma no cumprimento da Meta 20 do PNE. E se hoje o governo está congelando gastos e diminuindo a sua própria participação em impostos no orçamento da educação, que dirá adotar um patamar que vincule o PIB à educação, muito menos este patamar de 7% em 2019 e 10% em 2024.

4. “Dobrando” a Meta?

Dilma Roussef é lembrada por diversas gafes que cometeu em seu governo, em uma delas, durante um discurso em 2015, e então presidente ressaltava elementos que ela via como positivos em seu governo, terminando por final afirmando: “(...)nós não vamos colocar uma meta, nós vamos deixar uma meta aberta. Quando a gente atingir a meta, nós dobramos a meta.”

Apesar de involuntariamente, a ex presidenta revelou mais ou menos como funcionam as metas na lógica do poder público. A meta é algo a ser sempre alcançado, sempre promessas em um futuro distante, nunca nada de imediato. E no caso da educação, o componente que “dobra” ou aumenta exponencialmente na meta não é o seu resultado, e sim o tempo em que ela deverá ser alcançada, cada dia que passa mais distante.

Esse talvez seja o principal equívoco que é de concepção estratégica do Plano Nacional de Educação (2014-2024). Deixando em aberto para os vaivens da política, da troca de governos e da conjuntura econômica, ao invés de ser um plano que impusesse de imediato as diretrizes orçamentárias da educação com participação de professores, servidores estudantes e toda a comunidade escolar, incluindo os pais, o PNE traçou metas e deixou nas mãos do governo o seu cumprimento.

Este equívoco parte da concepção de que os aparelhos estatais do poder público poderiam ser ocupados pela comunidade escolar, fazendo valer junto ao estado, os interesses de professores e estudantes, filhos de trabalhadores e usuários dos serviços públicos, indo contra os interesses das grandes corporações empresariais capitalistas no seio do próprio estado capitalista. Esta concepção política bastante antiga foi reeditada pelo Partido dos Trabalhadores, que já quando governava já atuava como tentando dar uma cara “popular” aos projetos dos “tubarões” do ensino. Desta forma que no CONAE de 2009, Fernando Haddad foi pivô de garantir um projeto de PNE que conciliasse com os interesses do “movimento” empresarial “Todos Pela Educação”.

5. Uma estratégia que cobra seu preço

Na prática vemos diferentes governos federais diminuindo sua participação no orçamento da educação, da DRU de FHC, passando pelo investimento em educação privada de Lula, com a continuação por Dilma e depois os cortes da mesma no segundo mandato, e com diminuição profunda por parte de Temer.

Em diferentes aspectos, estes governos se distanciaram da Meta 20. No caso de Dilma, mesmo que não houvesse o corte de gastos ocorrido no segundo mandato, ainda assim a Meta 20 estaria contrariada, pois o texto da Meta deixa claro o investimento a ser ampliado é na educação pública, ao invés da transferência de verbas públicas para empresas privadas como continuidade da política de Lula.
Que dirá, então, elevar o patamar do investimento da educação ao cálculo do PIB, ou seja, de toda a riqueza que é produzida no país como versa o texto desta meta?

Mas a flexibilidade própria do PNE 2014 – 2024 também permitiu toda esta ingerência dos governos, deixando em aberto, com o conceito de “metas”, o futuro da educação no país. O plano ainda tenta de maneira vaga traçar “meios” para se atingir a Meta. São as “estratégias”, em geral determinações vagas, que poderiam ser lidas como “conselhos” ao poder público.

Na estratégia 20.1, o PNE, por exemplo, determina:

“garantir fontes de financiamento permanentes e sustentáveis para todos os níveis, etapas e modalidades da educação básica, observando-se as políticas de colaboração entre os entes federados”[1]

Sem, no entanto, dizer de que forma se deve encontrar este financiamento. Mais da metade da riqueza produzida no país é usada nos gastos com a Dívida Pública que alcançou R$ 3,244 trilhões[6] em abril de 2017. Uma fraude especulativa[7] criada para abastecer os bancos e o capital financeiro internacional com a riqueza produzida pelo país. O financiamento da educação e de todos outros serviços públicos poderia facilmente vir daí, mas como é um PNE pensado para conciliar o inconciliável, os interesses de quem precisa de educação pública com daqueles que lucram com o sistema privado da educação, os mesmos que também lucram com a espoliação bancária das finanças públicas.

Ao invés disto, migalhas como a estratégia 20.3 são oferecidas, com a participação no resultado da exploração do petróleo e gás, os royalties, deixando o orçamento da educação (pública ou privada, na prática) à mercê dos vaivens do preço do barril do petróleo, que atingiu uma desvalorização histórica em 2016 e não dá sinais de recuperação.

Da mesma forma, na estratégia 20.11, o PNE dá um prazo de um ano para a aprovação de uma “Lei de Responsabilidade Educacional”, uma versão “educacional” da Lei de Responsabilidade Fiscal. O objetivo é punir por improbidade administrativa aqueles gestores do poder público que desrespeitem as regras de investimento em educação.

A lei que esta estratégia toma por inspiração é uma regra criada para obrigar os governantes a garantir os repasses da Dívida Pública, sob a mesma pena. Vemos que mesmo assim, em alguns estados a LRF não é respeitada, e fica a encargo do legislativo fazê-la cumprir, ou no caso do Rio de Janeiro com o governo de Luís Fernando Pezão, não cumpri-la. Ao mesmo tempo, é em base à LRF que a União arresta as contas do estado, retirando a verba dos salários dos servidores públicos, que ficam sem receber.

Ou seja, as leis valem até o momento em que beneficiam os agentes do estado em nome de garantir o grande balcão de negócios que arrecada para a Dívida Pública e fornece o dinheiro dos impostos prioritariamente para financiar a iniciativa privada, seja como relatamos neste artigo com o caso da educação, seja em outros casos que denominamos de um “padrão de acumulação” da conjuntura específica dos dois governos Lula.

Mas a redação de uma “Lei de Responsabilidade Educacional” ensina muito sobre a estratégia por trás do PNE, fundamentalmente uma ilusão na disputa pelo “poder público”, que funciona como um balcão de negócios de empresários capitalistas. Através de leis que os mesmos representantes, pagos desde a propina até o financiamento legal de campanha, supostamente iriam fazer cumprir leis a serviço dos trabalhadores, do povo pobre que precisa de educação pública de qualidade. E PNE cumpriu um papel de criar todo um engodo jurídico para fortalecer esta ilusão.

Mas desde 2013, a juventude vem ocupando escolas e universidades, professores e servidores da educação tem protagonizado lutas no sentido contrário, questionando e batendo de frente com os governos e com o aparato do estado, protagonizando importantes lutas de resistência contra o projeto de sucateamento da educação, seja o mais declaradamente neoliberal, seja aquele com a face dos “pos-neoliberais” que, como demonstramos, projetavam a continuidade do mesmo com um “discurso” e vestes populares e pequenas migalhas que duraram pouco, até o golpe institucional.

Já é mais que possível, é necessário tirar lições destes 3 anos de PNE, aprendendo a superar os erros estratégicos da conciliação de classe, colocando educadores, trabalhadores e estudantes na linha de frente da transformação do ensino público em um ensino universal, público e de qualidade, necessariamente em choque com os interesses do estado capitalista.

Referências:

[1] https://novaescola.org.br/conteudo/2998/pne-meta-20
[2] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/01/02/educacao-perde-r-105-bi-em-2015.htm
[3] Plano Nacional de Educação 2014 – 2024 Novos Elementos de Pesquisa e Crítica; COLEMARX (Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Roberto Leher, Vânia Cardoso da Motta, Renata Flores, Jussara Marques de Macedo, Marco Lamarão, Simone Silva, Pedro Tavares, Cláudia Lino Piccinini, Ligia Karam Magalhães, Leny Azevedo, Inny Accioly, Giovane Ramos, Bruno Gawryszewski, Débora Sabina, e a professora Olinda Evangelista do GEPETO – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Política Educacional e Trabalho –, sediado no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, coordenado por Eneida Shiroma.)
[4] https://www.brasildefato.com.br/2016/12/14/rio-pezao-e-cabral-fecham-197-escolas-entre-2010-e-2015/
[5] http://esquerdadiario.com.br/Pezao-fechou-turmas-em-mais-de-150-escolas-do-estado-do-RJ
[6] http://www.esquerdadiario.com.br/Divida-recorde-de-R-3-244-trilhoes-ta-ai-o-dinheiro-que-falta-pra-aposentadoria-e-saude
[7] http://www.esquerdadiario.com.br/Por-que-a-divida-publica-e-uma-fraude-contra-os-trabalhadores-e-nao-deve-ser-paga

 
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