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VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Big Brother, José Mayer, Victor Chaves: a força da luta das mulheres e uma estratégia pra vencer
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED

A cada dia um novo caso envolvendo assédio e violência de gênero. A força do movimento de mulheres está enfrentando o machismo em todos os lados. As polêmicas envolvendo famosos e grandes canais de TV nos dão uma grande oportunidade: chegar a milhares de pessoas fazendo um forte debate de estratégias no movimento feminista para realmente derrotar e acabar com toda a forma de opressão.

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Depois de ter afastado o eterno galã global José Mayer, que assumiu ter cometido assédio sexual contra uma funcionária, a Rede Globo tomou atitude inédita: expulsou um participante de seu reality show Big Brother Brasil por violência de gênero. Marcos gritava, encurralava, beliscava e apontava o dedo na cara de Emily, tudo ao vivo. Isso quebra um paradigma de muitos anos: os mais poderosos que controlam a mídia brasileira tiveram que se render e assumir que não é possível seguir perpetuando a opressão de gênero sem contradições. Estas decisões mostram a força da luta das mulheres e tem ampla repercussão porque chegam a milhões em todo o país e tornam a questão de gênero uma pauta nacional. Abre um enorme espaço pra refletirmos e tomarmos medidas de ação contra um cenário aterrorizante: no Brasil uma mulher é agredida a cada 3 minutos, e uma mulher é assassinada a cada 2 horas.

Em primeiro lugar é preciso destacar que a força das mulheres irrompeu de forma arrebatadora no último 8 de março com a paralisação internacional das mulheres em dezenas de países. Foi continuidade de um forte processo de mobilização das mulheres que começou há alguns anos, e que ficou conhecido como "primavera feminista".

Este fenômeno internacional vem tendo impactos fortes no mundo inteiro. Valores questionados, rechaço à “ditadura da beleza”, combate as práticas sexistas e muitos movimentos democráticos pela ampliação dos direitos das mulheres e pela igualdade. Isso não ocorre sem reação, sem o levantamento de figuras que expressam a cara mais reacionária da política, como por exemplo Donald Trump nos Estados Unidos ou em nosso país Jair Bolsonaro e tantos outros que compõe o governo golpista.

Mas este movimento vem de antes. Já havíamos apontando que a ofensiva do neoliberalismo a partir da década de 1980 veio combinada a uma institucionalização das demandas dos movimentos sociais, ou seja, a luta das mulheres e dos movimentos sociais passou a ser parte da “agenda” neoliberal. Com algum atraso, o Brasil também passou a considerar que estas demandas deveriam ser parte de uma conduta do “politicamente correto” sem necessariamente ameaçar as estruturas atuais que fundamentam uma sociedade dividida em classes.

Este ponto de vista é importante para compreendermos o paradoxo atual: ao mesmo tempo em que esta situação somente acontece por resultado da enorme força da luta das mulheres, é preciso enxergar que a institucionalização das nossas demandas tem como objetivo principal esvaziá-las de seu conteúdo radical e subversivo, ou seja, tornar demandas aceitáveis por empresas, meios de comunicação e principalmente, aceitáveis em uma sociedade capitalista.

O que precisamos refletir é sobre como canalizar a força de nossa luta. Reflexão essa que as ativistas feministas dos Estados Unidos propuseram mundialmente chamando a pensar um feminismo para os 99% rechaçando o conto de fadas do feminismo liberal, o que abre espaço para pensar uma verdadeira estratégia revolucionária. Refletir como podemos transformar cada conquista por mais direitos, contra a violência ou por condições dignas em pontos de apoio pra nossa verdadeira libertação e não para que sirvam de fortalecimento a estrutura social vigente que é baseada na exploração e na opressão.

Porque essa reflexão é importante? Porque quando o Estado capitalista (e mesmo canais de TV como a Rede Globo) punem, expulsam ou afastam homens pela pressão do movimento feminista estão reconhecendo ante o olho de milhões que a violência de gênero existe – uma violência que até os dias de hoje é negada, apesar dos dados alarmantes. Mas ao mesmo tempo, corremos o risco de transformar a nossa energia e luta pela emancipação das mulheres em mera expectativa do que o Estado (ou a Rede Globo) podem fazer, como se o movimento de mulheres pudesse se reduzir a um movimento de pressão, com objetivo de tornar o Estado (que é capitalista) e as poderosas redes de TV mais “palatáveis”.

A busca por justiça frente a casos tão escandalosos de violência é uma demanda profundamente sentida por muitas mulheres. Mas o Brasil de José Mayer, Victor Chaves e tantos outros que não conhecemos e diante da pressão da luta das mulheres receberam punições por parte do Estado ou da empresa em que trabalham é também o Brasil do goleiro Bruno e da impunidade. Uma mostra de que um confesso assassino de mulheres pode voltar aos holofotes como herói nacional, mostrando que o mesmo Estado capitalista e a mídia lhe garantem a redenção. Por isso, reduzir as nossas demandas a uma lógica meramente punitivista termina corroborando a interessada ideia de que o machismo é um problema do indíviduo e não da sociedade de classes, isentando o Estado capitalista de ser, até hoje, o que sustenta essa ordem de opressão.

Além disso, fortalecer a estrutura vigente significa também aumentar o poder policial desse mesmo Estado, quando a polícia está aí não para defender a população ou as mulheres mas para garantir a propriedade privada.

Mas então, diante de tudo isso, como lutar pelo verdadeiro fim de toda a opressão? Voltando as feministas norte-americanas, elas trouxeram a tona o paradigma da luta anticapitalista como norte para a luta das mulheres. É um ponto de partida importante.

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O Estado é responsável. É responsável pela sustentação da polícia assassina no nosso país que mata meninas como Maria Eduarda todos os dias, é responsável por permitir o tráfico de mulheres, é responsável por sustentar uma relação com a Igreja que quer dominar nossos corpos e impedir que tenhamos o direito ao aborto.

O governo golpista de Temer já começou e está pronto pra retirar todos os nossos direitos - como a reforma da previdência que atingirá em especial as mulheres. Então o nosso grande desafio é: como transformar cada conquista em ponto de apoio pra destruir esta sociedade capitalista e não em fortalecimento da estrutura vigente de uma sociedade que é baseada na desigualdade? A única forma é lutar não somente contra o patriarcado, mas também contra o capitalismo.

Não é uma tarefa simples, pois exige uma luta que vá pra além das demandas imediatas ou da ampliação de direitos. Ao mesmo tempo, exige estar na primeira fileira da luta contra qualquer forma de violência, mas sabendo mirar com força nossos verdadeiros inimigos. E exige ter clareza de que com toda essa movimentação a Rede Globo quer se fortalecer enquanto canal de TV hegemônico que cumpre grande papel na estabilização de um regime tão podre como o que vivemos hoje. Os outros canais de TV buscarão o mesmo caminho, ainda que poderosos reacionários como Silvio Santos estejam tranquilos o suficiente para usar do lugar subordinado das mulheres que a sociedade impõe e falar o que quer ao vivo e em rede nacional até mesmo para a não menos reacionária Raquel Seherazade, que está há anos na TV perpetuando a opressão de gênero, raça e de orientação sexual.

A votação de 77% para Marcos permanecer no Big Brother e sua seguida expulsão da casa mostram a verdadeira “guerra” que existe na sociedade quanto aos casos de violência de gênero. Para Marcos, assim como para muitos “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” – só que falou isso não entre quatro paredes, mas em rede nacional.

Mas a grande maioria das mulheres vive em suas casas sem câmeras de TV. A grande maioria das mulheres sofre assédio nas fábricas e nos locais de trabalho. A grande maioria das mulheres não é atendida nas delegacias, são maltratadas. A grande maioria das mulheres são como Eliza Samúdio, que denunciam e não tem proteção, e morrem. A maioria das mulheres são as que sofrem agressão a cada 3 minutos, e são assassinadas a cada duas horas. E uma grande maioria delas são negras.

Esta ordem de exploração e opressão é necessária pra manutenção do capitalismo, e desde que sua estrutura esteja intacta vão cooptar nossas demandas pra tentar esvaziá-las. Enquanto as propagandas de TV se fazem de "feministas", as mulheres trabalhadoras continuam com a dupla jornada de trabalho, recebendo salários menores (principalmente as mulheres negras) e sem garantia de uma série de direitos, como creches e licença maternidade. Isso porque no Brasil a precarização do trabalho tem rosto de mulher.

Então precisamos de um feminismo que busque realmente abalar as estruturas do capitalismo, onde a luta das mulheres seja nas ruas, organizando sua luta em cada local de trabalho estudo, enfrentando os patrões e os capitalistas. Para isso precisamos nos aliar à classe que tudo produz, que é a classe operária, que precisa tomar pra si seu papel revolucionário na sociedade e levantar muito forte as bandeiras da luta das mulheres, dos negros e LGBT, combatendo nas suas próprias fileiras toda a opressão que somente nos divide e enfraquece. Que os sindicatos e o conjunto do movimento operário tome as nossas bandeiras, com as mulheres trabalhadoras à frente.

É preciso uma estratégia revolucionária na luta das mulheres, porque não é possível a nossa emancipação em uma sociedade baseada na desigualdade. E a estratégia de esperar apenas do Estado as respostas nos leva a um beco sem saída, porque o Estado continua sendo capitalista.

Vamos enfrentar a violência de gênero, lutar pelos nossos direitos e acabar com esta sociedade capitalista. Nem uma a menos, viva nos queremos. Mais que isso, queremos viver a vida plenamente, sem violência, sem opressão e sem exploração. Por isso o capitalismo tem que acabar.

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