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POESIA E POLÍTICA
A poesia feita por todos
Afonso Machado
Campinas
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A ideia de que a poesia deve ser feita por todos, abrange uma dimensão em que as amarras literárias e sociais em geral, caem por terra. Neste raciocínio, o poeta não é o profissional do verso mas sim um aventureiro que desbrava livremente a selva da linguagem. Lautréamont, poeta maldito que poucas pessoas de esquerda conhecem, foi o precursor desta ideia: nele a poesia é rebelião. Ao revelar que a criação poética não é coisa de gênios embalsamados no seu próprio ego, Lautréamont redefine a práxis da poesia. Os trabalhadores são aqueles que podem realizar um proveito histórico disso: exteriorizar visões/vivências que transbordam qualquer norma ou convenção literária, emancipa a linguagem na direção do desejo soterrado, chocando-se com o empobrecimento da palavra no repetitivo varejão capitalista.

Pode-se dizer que o material poético mais venenoso é extraído das profundezas do inconsciente. Mas quem sai envenenado aqui é o burguês, ou seja, aquele que converteu todas as paisagens, todas as paixões e todos os gestos no horizonte racionalista do lucro. É possível perceber que quando a poesia torna-se uma prática ao alcance de todos os homens, não ocorre a mera democratização do verbo ou o acesso à palavra escrita. Um poeta populista, cuja técnica de composição geralmente resulta em versinhos que servem a propósitos anti-poéticos (a violação política da poesia pode ser encontrada entre liberais, fascistas e stalinistas), pode defender uma poesia para todos. Porém, quando afirmamos que a poesia pode ser feita por todos ao invés de ser feita para todos (uma questão apontada pelo falecido poeta Roberto Piva), existe uma grande diferença de ordem política: a liberdade contida em todo gesto poético original, destinada a todos os seres humanos, repele a instrumentalização ideológica que pode manipular versos destinados “ao povo“.

Certamente a teoria marxista contempla também a poesia que pretende exprimir, de acordo com as determinações criativas do poeta, ideias políticas revolucionárias. Nunca é demais lembrar que “a profissão“ do poeta é a de ser revolucionário, cabendo a ele acelerar o coração e a mente da classe trabalhadora (no sentido de transformar e não manipular a consciência). Esta é uma perspectiva essencial da poesia do nosso tempo. Entretanto, é sempre oportuno dizer, que o papel revolucionário desempenhado pelo poeta é também o de invalidar pela imaginação uma ordem política que escraviza os sentidos. Se todos os homens podem ser poetas, é porque o desejo soterrado por uma civilização funcional (interessada em reprimir a criatividade das massas) pode ser expresso em imagens que subvertem a consciência dominante.

Não é raro encontramos marxistas que possuem uma tremenda dificuldade com conceitos inerentes ao processo de criação poética: erotismo, automatismo psíquico, experiências corpóreas, visões cósmicas, etc. Tal dificuldade encontra-se no fato da crítica marxista nunca (ou pelo menos quase nunca) debater tais conceitos e encara-los na sua função política revolucionária. Marcuse, um marxista que não foi exatamente um teórico revolucionário (mas que trouxe notáveis contribuições no campo da teoria estética), realizou a crítica sobre as limitações filosóficas de muitos marxistas: (...) “Em contraste com as formulações mais dialéticas de Marx e Engels, a concepção tornou-se um esquema rígido, uma esquematização que teve consequências devastadoras para a estética. O esquema implica em uma noção normativa da base material como a verdadeira realidade e uma desvalorização política de forças não materiais, particularmente da consciência individual, do subconsciente e da sua função política“(...). Portanto, a experiência revolucionária da poesia consiste também em acionar o campo do desejo, mobilizando a linguagem numa perspectiva libertária que revoluciona a individualidade. Em outras palavras, é a evocação da frase “mudar a vida“, de Rimbaud.

Historicamente é o movimento surrealista liderado por André Breton, responsável por realizar tentativas sistemáticas para converter a poesia em aliada independente da Revolução socialista. A crítica marxista precisa ocupar-se das investigações surrealistas(especificamente em sua era de ouro, ou seja, as décadas de 20 e 30) enquanto campo de pesquisa poética subversiva. No Segundo Manifesto do Surrealismo(1930), assinado por Breton e redigido num momento em que os surrealistas eram incompreendidos pelo PCF(Partido Comunista francês), encontramos de modo resumido a contribuição do Surrealismo para a Revolução proletária: (...) “Como admitir que o método dialético só possa aplicar-se validamente à solução de problemas sociais? A ambição maior do surrealismo é fornecer-lhe a possibilidade de aplicação de modo algum concorrentes no domínio do consciente mais imediato. Em que pese a certos revolucionários de espírito acanhado, não compreendo por que nos absteríamos de colocar, desde que o abordássemos do mesmo ponto de vista a partir do qual eles – e também nós- o fazem, que é o da Revolução, os problemas do amor, do sonho, da loucura, da arte e da religião. Ora, não me temo de dizer que, antes do surrealismo, nada sistemático fora feito nessa direção e que, no ponto em que o encontramos, também para nós o método dialético, sob a sua forma hegeliana, era inaplicável“(...). Sendo assim, o Surrealismo reivindica na sua práxis poética o uso da dialética para responder questões que são importantes para o desenvolvimento teórico do pensamento revolucionário; quer dizer, a Economia Política não excluí a atenção para temas como a poesia, o amor e a liberdade (assuntos centrais para o movimento surrealista, defensor de uma poesia capaz de emancipar os modos de expressão).

Existem vários caminhos para a poesia. Na história contemporânea todos estes caminhos levam à Revolução. Neste percurso, a imaginação do poeta é um elemento inseparável da revolta frente à civilização capitalista. Todo trabalhador pode ser poeta e todo poeta pode ser um trabalhador revolucionário.

 
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